Camila Koshiba Gonçalves*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Objetivos
1) Caracterizar o otimismo presente nas camadas urbanas diante da proclamação da República;
2) Caracterizar os processos de permanência da sociedade autoritária e patriarcal durante a 1ª. República;
3) Comparar o cotidiano do campo com as transformações urbanas do final do século 19 e início do 20.
Ponto de partida
1) Ler o item Voto de Cabresto, no texto O coronelismo e a política dos Governadores;
2) Ouvir a anedota Cavando Votos , de Cornélio Pires (Instituto Moreira Salles/Rádio UOL).
Justificativa
O sistema político inaugurado por Campos Sales durante a 1ª. República normalmente é apresentado aos alunos sob uma perspectiva urbana, através dos arranjos entre as oligarquias. No entanto, uma de suas bases de sustentação - o voto de cabresto - é um fenômeno intimamente ligado ao campo e àqueles que podiam ser facilmente "convencidos" pelo coronel, já que viviam em suas terras e dele dependiam para sobreviver.
Caracterizar o cotidiano dos homens que viviam no campo permite uma compreensão mais ampla da sobreposição operada pela "moderna" estrutura política republicana a uma prática de origens coloniais.
Estratégias
1) Resgatar com os alunos os conceitos de República, voto universal secreto e voto universal masculino aberto.
2) Ouvir a anedota de Cornélio Pires, Cavando Votos.
3) Extrair da anedota o otimismo do homem urbano diante da República, o dia-a-dia do caipira, seu sotaque diferenciado, sua simplicidade, e a impossibilidade de desvincular-se do sistema que lhe foi imposto, salvo pelo humor presente na anedota.
4) Compor com os alunos a estrutura da "Política do café-com-leite", incluindo a prática do coronelismo.
5) Debater com os alunos a sobreposição república oligárquica "moderna"- precariedade do universo rural brasileiro.
Sugestões1) Na impossibilidade de reproduzir a gravação da anedota em sala de aula, você encontra sua transcrição abaixo., no final da postagem.
2) Caso ache interessante, os alunos podem fazer uma leitura dramatizada do texto.
República Velha (1889-1894)
Coronelismo e oligarquias
Renato Cancian*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A consolidação do modelo republicano federalista e a ascendência das oligarquias agrárias ao poder fez surgir um dos mais característicos fenômenos sociais e políticos do período: o coronelismo. O fenômeno do coronelismo expressou as particularidades do desenvolvimento social e político do Brasil. Ele foi resultado da coexistência das formas modernas de representação política (o sufrágio universal) e de uma estrutura fundiária arcaica baseada na grande propriedade rural.
Coronelismo e oligarquias
Renato Cancian*Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
A consolidação do modelo republicano federalista e a ascendência das oligarquias agrárias ao poder fez surgir um dos mais característicos fenômenos sociais e políticos do período: o coronelismo. O fenômeno do coronelismo expressou as particularidades do desenvolvimento social e político do Brasil. Ele foi resultado da coexistência das formas modernas de representação política (o sufrágio universal) e de uma estrutura fundiária arcaica baseada na grande propriedade rural.
O direito de voto estava assegurado pela Constituição, mas o fato da grande maioria dos eleitores habitarem o interior (a população sertaneja e camponesa) e serem muito pouco politizados levou os proprietários agrários a controlar o voto e o processo eleitoral em função de seus interesses.
O "coronel" (geralmente um proprietário de terra) foi a figura chave no processo de controle do voto da população rural. Temido e respeitado, a influência e o poder político do coronel aumentavam a medida em que ele conseguisse assegurar o voto dos eleitores para os seus candidatos. Por meio do emprego da violência e também da barganha (troca de favores), os coronéis forçavam os eleitores a votarem nos candidatos que convinha aos seus interesses.
Voto de cabresto
Voto de cabresto
O controle do voto da população rural pelos coronéis ficou conhecido popularmente como "voto de cabresto". Por meio do voto de cabresto eram eleitos os chefes políticos locais (municipais), regionais (estaduais) e federal (o governo central). A fraude, a corrupção, e o favorecimento permeavam todo o processo eleitoral de modo a deturpar a representação política.
No âmbito municipal os coronéis locais dependiam do governador para obtenção de auxílio financeiro para obras públicas e benfeitorias gerais, daí a necessidade de apoiar e obter votos para os candidatos de determinada facção das oligarquias estaduais.
As oligarquias estaduais também dependiam de votos para conquistarem ou assegurarem seu domínio político, daí a necessidade de barganharem com os coronéis locais. Semelhante condição de dependência política se manifestava nas relações do governo federal com os governos estaduais.
As rivalidades, lutas e conflitos armados entre coronéis de pouca ou grande influência e pertencentes a diferentes oligarquias agrárias eram comuns, fazendo da violência um componente constitutivo e permanente do sistema de dominação política da República Velha.
Um pacto de poder
Um pacto de poder
Sob a presidência de Campos Salles (1898-1902), foi firmado um pacto de poder chamado de Política dos Governadores. Baseava-se num compromisso político entre o governo federal e as oligarquias que governavam os estados tendo por objetivo acabar com a constante instabilidade que caracterizava o sistema político federativo.
A Política dos Governadores estabelecia que os grupos políticos que governavam os estados dariam irrestrito apoio ao presidente da República, em contrapartida o governo federal só reconheceria a vitória nas eleições dos candidatos ao cargo de deputado federal pertencentes aos grupos que o apoiavam.
O governo federal tinha a prerrogativa de conceder o diploma de deputado federal. Mesmo que o candidato fosse vitorioso nas eleições, sem este documento ele não poderia tomar posse e exercer a atividade política. O controle sobre o processo de escolha dos representantes políticos a partir da fraude eleitoral impedia que os grupos de oposição chegassem ao poder.
Candidatos da situação
Candidatos da situação
De modo geral, o governo federal firmava acordos com os grupos políticos que já detinham o poder, e a partir daí diplomava somente os candidatos da situação garantindo-se, desse modo, a perpetuação desses grupos no governo. Com poucas ou nenhuma chance de chegar ao poder por via eleitoral restava aos grupos da oposição juntarem-se aos grupos políticos da situação.
A Política dos Governadores assegurou e reforçou o poder das oligarquias agrárias mais influentes do país. Os estados mais ricos da federação, São Paulo e Minas Gerais, dispunham das mais prósperas economias agrárias devido a produção em larga escala do principal produto de exportação brasileiro, o café. As oligarquias cafeeiras desses estados conquistaram influência política nacional e governaram o país de acordo com seus interesses.
A hegemonia de São Paulo e Minas Gerais na política nacional foi chamada de "Política do café-com-leite". Por meio de acordos entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM), os dois estados da federação elegeram praticamente todos os presidentes da República Velha, até que a Revolução de 1930 viesse alterar os rumos da política brasileira.
Transcrição
Cavando Votos
Autor e intérprete: Cornélio Pires (1884-1958)
Gravação Columbia, 1929
Homem: Boa tarde, patrício!
Caipira: Bas tarde!
Homem: E o senhor, como vai?
Caipira: Aqui como véio, perrengue, viveno de lembrança e de sodade...
Homem: Os homens envelhecem, mas a pátria se remoça. Agora vai por todo o Brasil um sopro de vida nova de reação...
Caipira: Quá! Como tempo de dantes nunca mai há de ficá.
Homem: Que mal lhe pergunte...
Caipira: Pregunta bem...
Homem: O senhor é eleitor?
Caipira: Pra qué que ocê qué sabe?
Homem: Queria que o senhor fosse votar na próxima eleição para presidente da República.
Caipira: Ói, moço. Num seja tonto. Largue mão disso. Deixe dessas patacoada. Ói, eu já fui monacrista, virei repurbicano, desvirei e revirei. Eu hoje em dia nem num sei o que é que eu sô. Esse negócio de monacria e de repúrbica pra mim é a mesma coisa que criação de porco.
Homem: Ó, o senhor é pessimista.
Caipira: Isso que ocê falô num sei o que é. Mas isso eu num sô. Ocê arrepare que eu tenho razão. Ocê recóie um porco magro no chiqueiro. De minhã cedo, ocê pinche um jacá de mio, ele: "hum". No meio do dia, outro jacá de mio, ele: "hum". Na boca da noite, outro jacá. De minhã cedo ta puído. O porco vai cumeno, vai ingordano, vai ingordano, ingordano... Quando ele tá bem gordão, só qué dormir, roncar dia e noite. Vancê pincha uma espiguinha de mio cateto, ele exprementa, larga, sobeja pras galinha pinicá... Tá gordo, tá infarado, tá cheio, num tem mais fome, num precisa mais cumê, parô de cumê... Esse é o imperadô. Agora com a Repúrbica, não tem jeito. Vancê recóie um porco magro, antes de ingordá; vancê sorta, arrecoie outro, num há mio que chegue, pois.
Homem: O senhor não tem razão. A República é muito boa.
Caipira: Pode sê, mas... Pra encurtá o causo. Vancê que tem viajado muito, tem andado muito aqui pra roça?
Homem: Tenho.
Caipira: Então cê deve cunhecê muitas qualidade de árve.
Homem: Conheço.
Caipira: Vancê cunhece aquel'uma que ta ali perto da ponte?
Homem: Conheço muito. É um ingaieiro.
Caipira: Ingazeiro nada. Aquela árve aqui nóis chama de árve do guverno.
Homem: Por quê?
Caipira: Vancê arrepare, ói. Tem parasita inté no úrtimo gaio!
Autor e intérprete: Cornélio Pires (1884-1958)
Gravação Columbia, 1929
Homem: Boa tarde, patrício!
Caipira: Bas tarde!
Homem: E o senhor, como vai?
Caipira: Aqui como véio, perrengue, viveno de lembrança e de sodade...
Homem: Os homens envelhecem, mas a pátria se remoça. Agora vai por todo o Brasil um sopro de vida nova de reação...
Caipira: Quá! Como tempo de dantes nunca mai há de ficá.
Homem: Que mal lhe pergunte...
Caipira: Pregunta bem...
Homem: O senhor é eleitor?
Caipira: Pra qué que ocê qué sabe?
Homem: Queria que o senhor fosse votar na próxima eleição para presidente da República.
Caipira: Ói, moço. Num seja tonto. Largue mão disso. Deixe dessas patacoada. Ói, eu já fui monacrista, virei repurbicano, desvirei e revirei. Eu hoje em dia nem num sei o que é que eu sô. Esse negócio de monacria e de repúrbica pra mim é a mesma coisa que criação de porco.
Homem: Ó, o senhor é pessimista.
Caipira: Isso que ocê falô num sei o que é. Mas isso eu num sô. Ocê arrepare que eu tenho razão. Ocê recóie um porco magro no chiqueiro. De minhã cedo, ocê pinche um jacá de mio, ele: "hum". No meio do dia, outro jacá de mio, ele: "hum". Na boca da noite, outro jacá. De minhã cedo ta puído. O porco vai cumeno, vai ingordano, vai ingordano, ingordano... Quando ele tá bem gordão, só qué dormir, roncar dia e noite. Vancê pincha uma espiguinha de mio cateto, ele exprementa, larga, sobeja pras galinha pinicá... Tá gordo, tá infarado, tá cheio, num tem mais fome, num precisa mais cumê, parô de cumê... Esse é o imperadô. Agora com a Repúrbica, não tem jeito. Vancê recóie um porco magro, antes de ingordá; vancê sorta, arrecoie outro, num há mio que chegue, pois.
Homem: O senhor não tem razão. A República é muito boa.
Caipira: Pode sê, mas... Pra encurtá o causo. Vancê que tem viajado muito, tem andado muito aqui pra roça?
Homem: Tenho.
Caipira: Então cê deve cunhecê muitas qualidade de árve.
Homem: Conheço.
Caipira: Vancê cunhece aquel'uma que ta ali perto da ponte?
Homem: Conheço muito. É um ingaieiro.
Caipira: Ingazeiro nada. Aquela árve aqui nóis chama de árve do guverno.
Homem: Por quê?
Caipira: Vancê arrepare, ói. Tem parasita inté no úrtimo gaio!
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