Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

ÍNDIOS

Paródia (1926)
Aparício Torelly, o Barão de Itararé
Ora! - direis - ouvir panelas! Certoficaste louco... E eu vos direi, no
entanto,que muitas vezes paro, boquiaberto,para escutá-los
pálido de espanto.
Direis agora: - Meu louco amigo,Que poderão dizer umas panelas?
O que é que dizem quando estão contigo
E que sentido têm as frases delas?
E direi mais: - Isso quanto ao sentido,
Só quem tem fome pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender panelas.
Lenda kaiapó
Objetivos
1) Tomar contato com a mitologia indígena brasileira;
2) Compreender as condições materiais e culturais que permitiram o surgimento dos mitos indígenas brasileiros;
3) Relativizar os componentes fantásticos dos mitos a partir do conhecimento das condições materiais dos povos que os produziram.
Ponto de Partida
1) Ler os itens "Julgamento da história" e "Brancos e índios hoje", do artigo Índios do Brasil do site Educação;
2) Ler a lenda kaiapó "Da origem dos nomes Bekwe e Betuk-ti":
“Tabujo de Wayangá, o Pajé, queimou no fogo. Queimou o pé. O Tabujo chorou muito. Wayangá foi lá. Ele perguntou:- Por que i-Tabujo está chorando?Na casa da irmã tinha um grande berarubu, bolo de carne de mandioca. Wayangá falou para a irmã:- Abre berarubu, eu quero deitar em cima.A irmã abriu o berarubu. O Wayangá disse:- Vou deitar, deitar de um lado e depois do outro.Queimando, correu para o rio e caiu na água. Outro irmão falou:- Não morreu, não. A água é funda, ele ficou com os peixes.Ali, no fundo do rio, Wayangá viu os peixes dançando. Dançando para dar nome de Bekwe à piranha, à bicuda e ao cará. Wayangá demorou muito. Três invernos e três verões. Depois voltou. Wayangá que tinha queimado estava chegando. Chegou. A irmã estava chorando porque o Wayangá estava chegando. O cabelo estava comprido. O corpo estava pintado. Tinha muito peixe no cabelo. Wayangá foi dançar na praça, sozinho. Os outros não conheciam esta dança. Ele tinha aprendido com os peixes. Wayangá chegou na casa da irmã e disse:- A minha Tabujo vai chamar Bekwe-bô, e se é homem, Betuk-ti.”
Extraído de Vidal, Lux. "Morte e Vida de uma Sociedade Indígena Brasileira". São Paulo, Hucitec, 1977, p.221.
Glossário
1) Tabujo: "termo de parentesco que indica o filho da irmã. O mesmo termo designa o filho do filho e o filho da filha de quem fala. É um termo que compreende, numa só categoria, o que para nós são netos e sobrinhos. I-Tabujo: meu sobrinho".
2) Wayangá: "xamã, pajé. Tem o poder de ver e entrar em contato com o sobrenatural e de viajar através dos vários domínios cósmicos, de onde traz para a vida social conhecimentos, ornamentos e itens culturais (ritos, cantos, nomes, etc.). Este mito refere-se às práticas sociais da outorga e transmissão dos nomes Xikrin. O avô e o tio materno são os nominadores, por excelência, dos meninos."
3) Berarubu: "carne, ou bolos de carne e mandioca, assados em fornos de pedras. Berarubu é, também, em todo o interior paraense e amazonense, o nome dado a esse tipo de forno e aos alimentos que nele se cozinham."
Aracy Lopes da Silva. Mito, razão, História e Sociedade: inter-relações nos universos sócio-culturais indígenas in Silva, A. L. e Gruppioni, L. D. B. "A Temática Indígena na Sala de Aula". São Paulo/Brasília, Edusp/Global, 2000, p.328.
Justificativa
Ao utilizar narrativas mitológicas em sala de aula, costumamos destacar o componente fantástico que elas apresentam. Os alunos se interessam, reproduzem-nas em peças teatrais, redigem outras histórias a partir do mito do herói ou constroem belas histórias em quadrinhos sobre elas. No entanto, especialmente quando tratamos a respeito da mitologia indígena, com uma simbologia toda especial e parcamente estudada, é preciso acautelar-se diante de generalizações apressadas.
As narrativas mitológicas dos indígenas brasileiros são riquíssimas em imagens e personagens considerados "fantásticos", chamam a atenção para a simplicidade e delicadeza do desenrolar da história, mas que, por não fazerem parte do repertório intelectual infantil (ou mesmo adulto), suscitam incompreensões e prejulgamentos. A saída é buscar a riqueza e profundidade do mito aproximando-o à cultura de cada grupo social indígena que o produziu.
Estratégias
Momento 11)
Selecionar um aluno voluntário. Vendá-lo e esquentar seu pé (sugere-se esquentar uma faca com isqueiro e aproximar do pé do aluno);
2) Solicitar que o aluno estabeleça uma correspondência da sua sensação com uma cor;
3) Selecionar um segundo aluno voluntário. Vendá-lo e mergulhar seu braço num balde d'água;
4) Solicitar que o aluno estabeleça uma correspondência da sua sensação com uma cor;
5) Realizar um jogo da forca, para que os alunos adivinhem as seguintes palavras: Bekwe-bô, Betuk-ti e Berarubu;
6) Solicitar que os alunos realizem uma representação gráfica de um peixe;
7) Ler a lenda kaiapó "Da origem dos nomes Bekwe e Betuk-ti". Explorar a sonoridade própria e ritmo peculiar das frases. Explorar a dificuldade dos alunos em entender a narrativa;
8) Recontar a história, de modo a fazê-los compreender os diferentes momentos da narrativa;
9) Solicitar que os alunos montem uma dramatização muda da lenda, utilizando as cores sugeridas ao longo da aula, mímica e figurino.
Momento 21)
Discussão com os alunos a respeito da simbologia da lenda. (Exatamente por se tratar de uma lenda que fala sobre o "batismo" do Tabujo, a lenda Xikrin é uma história de renascimento e regeneração. O Wayangá é o mais velho e sábio da família de Tabujo e por isso tem a tarefa de dar-lhe um nome. O berarubu (forno) é o seio materno de onde saiu Tabujo escaldado, e por onde Wayangá passa para celebrar sua união com Tabujo.O mergulho nas profundezas do rio é uma forma de se purificar e adquirir sabedoria, para nomear corretamente o Tabujo. A conversa com os peixes nas profundezas é reveladora. Assim, Wayangá retorna à superfície acompanhado pelos peixes em seu cabelo, que lhe revelaram possíveis nomes para Tabujo - Bekwe-bô se for mulher, e Betuk-ti se for homem);
2) Realizar pesquisa sobre os Xikrin, no site Socioambiental. Esta etapa pode ser feita pelos próprios alunos em pesquisa preliminar ou uma apresentação montada pelo professor;
3) Discutir com os alunos o conceito de tronco lingüístico;
4) Visualizar o forno (berarubu) em que as Xikrin preparam os alimentos; visualizar a preparação dos Xikrin antes dos rituais;
5) Destacar para os alunos a importância das relações de parentesco entre os Xikrin, a preparação do ritual de batismo, o papel dos homens e das mulheres na preparação da festa, o sentido dos nomes e do batizado;
6) Associar a construção da lenda ao dia-a-dia dos Xikrin;7) Sugere-se como avaliação do Momento 2 que os alunos criem, eles próprios, um mito com elementos do seu dia-a-dia.
*Camila Koshiba Gonçalves é mestre em história social pela USP e professora do Colégio Ítaca.
Índios no Brasil
Relaciomento complexo de duas civilizações
Índios no BrasilPor ocasião da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 22 de abril de 1500, estima-se que o território brasileiro fosse habitado por 5 milhões de índios. Em sua imensa maioria pertenciam às nações tupi - que predominavam no litoral, do Ceará a Cananéia (SP) - e guarani, que viviam no litoral sul e também no interior, em especial nas bacias dos rios Paraná e Paraguai.Havia ainda outras tribos menores e dispersas, que os próprios tupis chamavam genericamente de tapuias, que quer dizer falantes de outras línguas.O conhecimento do modo de vida do índio no século 16 chega a ser bastante detalhado, não só devido às pesquisas arqueológicas e antropológicas, mas aos relatos de viajantes que conviveram com eles. Entre esses relatos, destacam-se os do alemão Hans Staden e do francês Jean de Lery.Primeiros contatosO contato inicial entre brancos e índios foi amistoso, como se pode ver, por exemplo, na carta de Pero Vaz de Caminha, onde o escrivão narra momentos de descontração e festa entre as duas raças. Na verdade, esse contato amigável se estendeu pelas três ou quatro primeiras décadas de colonização. De um lado, os brancos estavam em franca minoria e precisavam dos índios para conseguir seus objetivos: basicamente extrair pau-brasil.Os índios não só os ajudavam a localizar as árvores como a abatê-las e carregar os navios. Em troca, recebiam dos brancos não somente os colares de contas e espelhinhos que se tornaram um lugar-comum em muitos livros de história, mas também e principalmente ferramentas: facões, machados, enxadas. Estes sim eram os objetos que os índios queriam receber.Para isso - acredite se quiser - há relatos da época que dão conta de índios que, ao verem uma caravela, mergulhavam no mar e nadavam até ela para propor negócios. Essa situação mudou por completo, à medida que o comércio de pau-brasil cedeu lugar ao cultivo de cana-de-açúcar, como principal fonte de riqueza proveniente do território brasileiro para os portugueses, basicamente a partir da segunda metade do século 16.
Posse da terra e conflitos
Nesse momento, os homens brancos passaram a vir em maior quantidade para o país e seu objetivo era tomar posse das terras. O índio passou, então, a ser visto de outra maneira: ele era, ao mesmo tempo, um obstáculo à posse e uma fonte de mão de obra escrava. A relação com os índios passou a ser conflituosa e, praticamente, em todos os locais de colonização se desencadearam guerras entre os índios e os brancos.Se os índios ganharam alguns combates, por outro lado, os portugueses ganharam a guerra. Primeiro, por contarem com o recurso de uma tecnologia bélica superior, não só no que se refere a escudos, espadas, armaduras e elmos, mas principalmente às armas de fogo.Para os indígenas, então, em vez de enfrentar os brancos, era mais prático refugiar-se no interior, onde o avanço do inimigo foi muito mais lento, estendendo-se ao longo dos séculos. No oeste paulista, por exemplo, os pioneiros plantadores de café disputaram terras com os índios caingangues ainda na segunda metade do século 19. Conflitos entre garimpeiros e índios continuam a existir em regiões específicas do Brasil no século 21.
Doenças epidêmicas e escravidão
Voltando, porém, ao primeiro século de colonização, é importante lembrar que outra "arma" do homem branco em sua luta contra o índio foram as doenças epidêmicas as quais este desconhecia e, portanto, não dispunha de imunidade contra elas. Cartas do missionário José de Anchieta dão conta de epidemias de varíola que fulminaram 30 mil índios.Quanto à questão da escravidão indígena, é interessante notar que ela não conseguiu se firmar também por motivos culturais. O índio estava acostumado ao trabalho, mas não ao trabalho regrado e sistemático que a agricultura exige, por isso ele resistia a esse trabalho como não resistiu à extração de pau-brasil.A questão da escravização dos índios também levanta outro aspecto polêmico da relação entre o índio e o branco, ou melhor, da relação entre o índio e os missionários jesuítas que vinham aqui com a missão de cristianizá-los. Não há dúvida de que os jesuítas, ao catequisarem os índios, destruíam sua cultura original.Por outro lado, os jesuítas se ergueram contra a escravidão indígena e enfrentaram os colonizadores com os meios (religiosos) de que dispunham para isso. São célebres, por exemplo, alguns sermões do padre Antônio Vieira - um dos maiores escritores barrocos em língua portuguesa - contra a escravização dos índios no Maranhão.
Julgamento da história
Nos dias de hoje, considera-se politicamente correto apresentar os colonizadores e os missionários como destruidores de uma civilização. A questão, porém, é muito mais complexa e fazer um julgamento moral dos acontecimentos históricos obrigaria o estudioso a tentar examinar os fatos por uma perspectiva mais ampla, considerando sobretudo que o conflito entre civilizações foi e ainda é uma constante da história universal.Mais ainda: considerando que é impossível que as circunstâncias históricas deixassem de ser como efetivamente foram. Não existe um passado alternativo nem existem alternativas para o passado.Isso não significa eximir ninguém de responsabilidades, mas uma coisa é julgar criminosos de guerra, como os oficiais que comandavam e administravam os campos de extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ou Pol Pot - o ditador comunista cambojano que exterminou cerca de 1,5 milhão de pessoas do seu próprio povo em 1975.Outra coisa é julgar as ações dos europeus do século 16 na América, no estágio civilizatório em que esses próprios europeus se encontravam. Convém lembrar que nessa época, por toda a Europa ocidental, eram vários os sangrentos conflitos entre católicos e protestantes.
Brancos e índios hoje
Da mesma maneira, é completamente diferente julgar as relações atuais entre brancos e índios no Brasil. Nós, brasileiros, herdeiros de brancos, negros e índios, temos responsabilidades para com os índios - grande parte delas definidas por leis.Daí a existência de uma organização como a Funai - Fundação Nacional do Índio que tem o dever de demarcar, assegurar e proteger as terras por eles tradicionalmente ocupadas, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos sobre os grupos indígenas.A Funai tem, também, que defender as comunidades indígenas, de despertar o interesse da sociedade nacional pelos índios e suas causas, gerir o seu patrimônio e fiscalizar as suas terras, impedindo as ações predatórias de garimpeiros, posseiros, madeireiros e quaisquer outras que ocorram dentro de seus limites e que representem um risco à vida e à preservação desses povos.Segundo a Funai, existem atualmente no Brasil 345 mil índios, de cerca de 250 etnias, distribuídos por todo o território nacional, além de indícios da existência de 53 grupos jamais contatados pelo homem branco. A Fundação aponta também que há cerca de 190 mil índios vivendo em áreas urbanas.

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