Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

domingo, 28 de dezembro de 2008

ASSEMBLÉIAS ESCOLARES

Ulisses F. Araújo
Como implementar e desenvolver as assembléias escolares(1)

Introduzir o trabalho com assembléias em uma escola é um processo complexo, que pressupõe desejos políticos e pessoais de considerável envergadura, em virtude das mudanças que provoca em todos os âmbitos do cotidiano escolar, principalmente no que se refere às múltiplas instâncias de relações de poder instituídas nos centros educativos. Por isso, as pessoas envolvidas nesse processo devem estar conscientes de seus possíveis significados e suas conseqüências, atentas aos movimentos que se produzem no âmbito das relações interpessoais e firmes em seus princípios e metas.
Nesse sentido, uma boa base de conhecimentos teóricos sobre os pressupostos das assembléias escolares, da resolução de conflitos e do conhecimento de aspectos metodológicos que auxiliem na construção de práticas justas e democráticas podem contribuir para que as pessoas que compõem o coletivo escolar se envolvam nessa experiência.
Isso é importante porque não existe uma única maneira de se operacionalizar as assembléias escolares. Pelo contrário, nos últimos cem anos muitas experiências já foram desenvolvidas em todo o mundo, o que faz com que essa proposta não seja uma novidade que tem a expectativa de revolucionar os caminhos educativos.
O que temos evidenciado é que o trabalho com assembléias se insere na perspectiva de vida daqueles homens e mulheres que lutam para a construção de sociedades mais justas e felizes e que, para isso, contrariam interesses sociais, pessoais, ideológicos e culturais poderosos, defendidos por sistemas autoritários de poder nas relações sociais e interpessoais.
Assim, a “novidade” do que apresentaremos a seguir está mais no modo com que vimos construindo uma prática de assembléias coerente com a realidade do sistema educacional brasileiro do que nos princípios que assume.
Para aqueles interessados em conhecer formas diferentes de se trabalhar as assembléias no âmbito escolar, vale a pena ler as obras de A. S. Neil sobre a Escola Summerhill, criada por esse educador na Inglaterra dos anos de 1920 e que segue funcionando até os dias atuais. Complementando, vale também ler os livros de Célestin Freinet e conhecer a experiência das inúmeras escolas freinetianas no Brasil, ou ainda os relatos sobre a Escola da Ponte, em Portugal. Apesar de não conhecer pessoalmente, tenho ouvido e lido relatos sobre o Colégio Lumiar e seu trabalho com assembléias e acompanhei a implementação das assembléias na Escola da Vila, ambas no município de São Paulo.
Cada uma dessas experiências tem seu próprio modelo de trabalhar o diálogo e a democracia no âmbito escolar e, ainda que diferentes entre si, em minha opinião buscam o mesmo objetivo educacional: formar cidadãs e cidadãos críticos, autônomos, conscientes de seu papel político e social na construção de uma vida mais justa e feliz para cada um e para todos os membros da sociedade em que vivem.
Faço essa ressalva porque considero fundamental evidenciar que os caminhos metodológicos que apontarei a seguir para implementar as assembléias não são os únicos nem talvez os melhores, mas são fruto de muito estudo sobre as principais experiências nacionais e internacionais desse tipo de proposta educativa. E, acima de tudo, surgem da prática de mais de dez anos em que, com inúmeros professores de todo o País, venho desenvolvendo o trabalho com assembléias em escolas públicas e privadas.
Assim, não são propostas metodológicas rígidas, e sim o resultado de uma boa base teórica e busca de coerência interna para com os princípios que justificam sua introdução no cotidiano escolar. Penso que devem ser experienciadas de maneira adequada, dando tempo para que seus resultados apareçam.
O que vou apresentar tem como influência, evidente para aqueles que conhecem mais a fundo o tema, o trabalho do autor catalão Josep Puig e os relatos e as publicações das experiências que ele e seu grupo de investigação da Universidade de Barcelona vêm levando a cabo nos últimos anos, em escolas dessa cidade da Espanha. O trabalho desse autor me ajudou a sistematizar práticas que vinha desenvolvendo de maneira difusa e, também, a dar sustentação teórica e metodológica aos projetos de implantação das assembléias no Brasil.
No corpo dos caminhos metodológicos que trarei, no entanto, encontram-se as adaptações às nossas realidades política e educacional.
Diferentes tipos de assembléias escolares
Compreendendo as necessidades cotidianas de democratização das relações escolares — e o papel das assembléias no trabalho educativo —, senti a necessidade de organizá-las em três níveis distintos: nas salas de aula, na escola e para os profissionais que atuam no espaço escolar. Desse modo, em cada instituição podem ocorrer três tipos diferentes de assembléias simultaneamente, cada uma com seus objetivos específicos.
O que chamo de “assembléias escolares” está composto por “assembléias de classe”, “assembléias de escola” e “assembléias docentes”, como veremos sinteticamente a seguir. Faço a ressalva, no entanto, de que algumas experiências de assembléias começam a ser empregadas em programas que visam levar famílias e comunidades a se aproximar da escola e de seu projeto educativo; mas não tenho dados que permitam sua sistematização neste espaço, e por isso não as apresento.
1. Assembléias de classe
As “assembléias de classe” tratam de “temáticas envolvendo o espaço específico de cada sala de aula”. Dela participam um docente e todos os estudantes de uma turma. Seu objetivo é regular e regulamentar a convivência e as relações interpessoais no âmbito de cada classe e, com encontros semanais de uma hora, serve como espaço de diálogo na resolução dos conflitos cotidianos.
Dependendo da série escolar em que ocorre, existem nuances que devem ser consideradas. Nos primeiros anos do ensino fundamental, onde geralmente existe a figura do professor polivalente, o próprio docente assume o papel de coordenador e define o horário (que deve ser rígido, como veremos adiante) em que as assembléias ocorrerão durante a semana.
Na segunda fase do ensino fundamental e no ensino médio, o processo é um pouco mais complicado, pois a grade horária é multifacetada, com a presença dos professores especialistas das diversas disciplinas. Uma primeira coisa a se definir é a aula na grade horária em que as assembléias ocorrerão, pois assim fica acertado, por exemplo, que todas as quartas-feiras, às 8 horas, haverá assembléias na classe X.
Nas experiências desenvolvidas no Brasil até o momento, dois modelos aparecem para organizar tais assembléias:
a) um professor da turma assume a função de coordenador, recebendo a remuneração específica daquela hora de aula, e trabalha como elo entre a classe e os demais docentes;
b) nas escolas que possuem algum tipo de serviço de orientação educacional, o orientador assume o papel de coordenador do trabalho de assembléias. Nessas escolas, inclusive, o trabalho com assembléias permite um redirecionamento da função da orientação educacional, que deixa de ser o espaço para resolver problemas de indisciplina e passa a ter um papel, de fato, mais educativo na escola.
Em todos os casos, as assembléias podem contar com a presença ocasional de outros profissionais da escola, os quais, incluindo um tema ou tendo uma temática de seu interesse citada na pauta de uma assembléia, podem dela participar.
2. Assembléias de escola
A responsabilidade da “assembléia de escola” é “regular e regulamentar as relações interpessoais e a convivência no âmbito dos espaços coletivos”. Contando com a participação de representantes de todos os segmentos da comunidade escolar, busca discutir assuntos relativos a horários (chegada, saída, recreio); espaço físico (limpeza, organização); alimentação; e relações interpessoais. De seu temário devem constar aqueles assuntos que extrapolem o âmbito de cada classe específica.
Os representantes dos diversos segmentos (por exemplo, dois de cada classe, quatro docentes e quatro funcionários) são escolhidos obedecendo a uma sistemática de rodízio, de modo que, no transcorrer do tempo, todos os membros poderão experenciar a participação no processo de tomada de decisões coletiva. Sua periodicidade deve ser mensal, coordenada por algum membro da direção da escola.
Como não é positivo ter assembléias com número muito elevado de participantes, e em virtude dos compromissos de horário dos profissionais que trabalham na escola, minha sugestão é que façam uma “assembléia de escola” para cada turno de funcionamento (matutino, vespertino e noturno).
3. Assembléias docentes
A responsabilidade da “assembléia docente” é “regular e regulamentar temáticas relacionadas com o convívio entre docentes e entre estes e a direção, com o projeto político-pedagógico da instituição e com conteúdos que envolvam a vida funcional e a administrativa da escola”. Dela participam todo o corpo docente, a direção da escola e, quando possível, algum representante das Secretarias de Educação ou da mantenedora.
Quando instituídas na escola, essas três formas de assembléia se complementam em processos contínuos de retroalimentação, que ajudam na construção de uma nova realidade educativa. Pode-se atingir a dupla finalidade de promover a participação das pessoas nos espaços de decisão e de democratizar a convivência coletiva e as relações interpessoais, fortalecendo a democracia participativa.
De outra maneira, a experiência de exercer diferentes papéis nas assembléias — dependendo se é de classe, de escola ou docente — permite aos sujeitos compreendê-las em suas distintas dimensões e funções.
Um professor que atua como coordenador de uma assembléia de classe um dia, no seguinte pode estar no papel de membro regular de uma assembléia docente, para depois estar no papel de representante de seus pares na assembléia de escola. Com isso, tem melhores condições de saber como se sente um aluno quando exerce a função de representante; ou como uma aluna, numa assembléia de classe, deve se comportar quando tem de discutir um tema que afeta a coletividade; ou, ainda, de entender as responsabilidades de quem está na coordenação de uma assembléia.
É esse movimento contínuo que caracteriza o que acabei de chamar de “processo de retroalimentação” e que permite enriquecer esse tipo de experiência no âmbito de cada instituição. O fato de podermos exercer papéis sociais distintos àqueles que estamos acostumados ajuda no processo de descentração pessoal e cognitiva, tão importante para os processos de construção da ética nas relações interpessoais. Com isso, podemos afirmar que a implementação das assembléias escolares nos três níveis propostos tem dentre seus objetivos não só a formação de alunos e de alunas, mas também dos adultos que participam do espaço escolar.
Talvez esse seja um dos focos que geram resistências na hora de se introduzir o trabalho com assembléias nas escolas. Costuma-se pensar que a formação da cidadania, ou a educação em seu sentido mais amplo, objetiva trabalhar apenas com as futuras gerações, ou com os alunos e com as alunas. Muitas vezes, esquece-se de que a formação ética dos adultos que atuam nas escolas é tão importante quanto a dos demais estudantes; e esse deve ser também um objetivo a ser almejado pelo coletivo escolar. Daí a importância de se tomar a decisão política de introduzir os três tipos de assembléias nas escolas.

(1) Baseado no livro da Editora Moderna Assembléia escolar: um caminho para a resolução de conflitos, de autoria de Ulisses F. Araújo.
Ulisses F. Araújo é professor da Faculdade de Educação da Unicamp, SP.

Fonte. Acesso; 28/12/2008. C:\Documents and Settings\Professor\Meus documentos\Planejamento\Como implementar e desenvolver as assembléias escolaressup(1)-sup — Editora Moderna.mht


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