Descrição de uma Jacquerie (Revolta camponesa)
"Logo depois da libertação do rei de Navarra, adveio uma grande e terrível tribulação em várias partes do reino de França, tal como no Beauvoisinm na Brie, e no Rio Marne, no Valois, na Loanois, na terra de Coucy e derredor de Soissons. Pois algumas gentes das vilas camponesas, sem chefe, juntaram-se no Beauvoisin; os primeiros mal chegavam a cem homens; e disseram que todos os nobres do reino de França, cavaleiros e escudeiros, envergonhavam e traíam o reino, e que muito bem fazia quem a todos destruísse. E disse cada um deles: “Diz bem! Diz bem! Abominado seja aquele por quem venha a retardar-se a destruição de todos os fidalgos!” Então se juntaram e depois se foram sem outro desígnio e sem qualquer armamento, afora bastões ferrados e cutelos, rumo á casa dum nobre que perto dali morava. Então quebraram a casa e mataram o cavaleiro, a dama e os filhos, pequenos e grandes, e queimaram a casa. Segundamente se foram para outro forte castelo e muito pior fizeram: pois pegaram o cavaleiro e o ataram a uma estaca bem e fortemente, e violaram a mulher e a filha, vários deles, a tudo presenciando o cavaleiro; depois mataram a mulher que estava grávida e prenhe de criança, e a sua filha, e todas as crianças, e depois o dito cavaleiro com grande martírio, e queimaram e abateram o castelo. Assim fizeram em vários castelos e boas casas. E tanto se multiplicaram que já eram seis mil; e por toda parte onde chegavam o seu número crescia: pois cada um de sua semelhança os seguia. Tanto que todo cavaleiro, damas ou escudeiros, suas mulheres e filhos, deles fugiam; e levavam as damas e as donzelas suas filhas para dez ou vinte léguas de distância, onde pudessem proteger-se; e deixavam as suas casas vagas e os seus haveres dentro; e aquela gente má reunida, sem chefe e sem armas, roubava e queimava tudo, e matava e forçava e violava todas as damas e donzelas sem piedade e sem mercê, tais como cães raivosos. Por certo nunca houvera entre cristãos e sarracenos violência tão insana quanto essa gente fazia, nem quem mais males fizesse e mais torpes feitos, e tais que criatura alguma deveria ousar pensar, visar nem olhar; e aquele que mais fazia era o mais prezado e o maior mestre entre eles. Eu não ousaria escrever nem contar os feitos horrendos e inconvenientes que faziam às damas. Mas entre outras desordenanças e torpes feitos, mataram um cavaleiro e o botaram num espeto, rodaram-no em cima do fogo e o assaram diante da dama e suas crianças. Depois de dez ou doze terem forçado e violado a dama, quiseram que dele comessem à força; e depois as mataram fazendo-as morrer de má morte. E haviam feito um rei entre eles que era, conforme se dizia, de Clermont em Beauvoisin, e o elegeram o pior dos maus; e a esse rei chamavam Jacques Banham-me. Essa gente mal queimou no país de Beauvoisin nas cercanias de Corbie e Amiens e Montdidier mais de sessenta boas casas e castelos fortes; e se Deus a isso não tivesse trazido remédio com a sua graça, a calamidade seria tão multiplicada que todas as comunidades teriam sido destruídas, a santa Igreja depois, e toda a gente rica, por todas as terras, pois a gente desse feitio fazia de igual modo no país de Brie e de Pertois. E tiveram todas as damas e as donzelas da terra e os cavaleiros e os escudeiros, que lhes escapar podiam, de fugir para Maux-en-Brie wn após o outro, com a roupa do corpo, como podiam: tanto a duquesa de Normandia e a duquesa de Orleans, e profusão de altas damas, como outras, se quisessem guardar-se de ser violadas e forçadas e depois mortas e assassinadas.
De igual modo a gente desse feitio mantinha-se entre Paris e Noyon, e entre Paris e Soissons e Ham no Vermandois, e por toda a terra de Coucy. Aí estavam os grandes violadores e malfeitores; e pilharam, quer pela terra deCoucy, quer pelo Condado de Valois, quer pelo bispado de Laon, de Soissons e de Noyon, mais de cem castelos e boas casas de cavaleiros e escudeiros; e matavam e roubavam tudo quanto encontravam. Mas Deus pela sua graças trouxe a isso remédio pela que muito se lhe deve agradecer, como adiante ouvireis."
Jean Froissart, Chroriques
(DUBY, op, cit, pp. 134-135)
"Logo depois da libertação do rei de Navarra, adveio uma grande e terrível tribulação em várias partes do reino de França, tal como no Beauvoisinm na Brie, e no Rio Marne, no Valois, na Loanois, na terra de Coucy e derredor de Soissons. Pois algumas gentes das vilas camponesas, sem chefe, juntaram-se no Beauvoisin; os primeiros mal chegavam a cem homens; e disseram que todos os nobres do reino de França, cavaleiros e escudeiros, envergonhavam e traíam o reino, e que muito bem fazia quem a todos destruísse. E disse cada um deles: “Diz bem! Diz bem! Abominado seja aquele por quem venha a retardar-se a destruição de todos os fidalgos!” Então se juntaram e depois se foram sem outro desígnio e sem qualquer armamento, afora bastões ferrados e cutelos, rumo á casa dum nobre que perto dali morava. Então quebraram a casa e mataram o cavaleiro, a dama e os filhos, pequenos e grandes, e queimaram a casa. Segundamente se foram para outro forte castelo e muito pior fizeram: pois pegaram o cavaleiro e o ataram a uma estaca bem e fortemente, e violaram a mulher e a filha, vários deles, a tudo presenciando o cavaleiro; depois mataram a mulher que estava grávida e prenhe de criança, e a sua filha, e todas as crianças, e depois o dito cavaleiro com grande martírio, e queimaram e abateram o castelo. Assim fizeram em vários castelos e boas casas. E tanto se multiplicaram que já eram seis mil; e por toda parte onde chegavam o seu número crescia: pois cada um de sua semelhança os seguia. Tanto que todo cavaleiro, damas ou escudeiros, suas mulheres e filhos, deles fugiam; e levavam as damas e as donzelas suas filhas para dez ou vinte léguas de distância, onde pudessem proteger-se; e deixavam as suas casas vagas e os seus haveres dentro; e aquela gente má reunida, sem chefe e sem armas, roubava e queimava tudo, e matava e forçava e violava todas as damas e donzelas sem piedade e sem mercê, tais como cães raivosos. Por certo nunca houvera entre cristãos e sarracenos violência tão insana quanto essa gente fazia, nem quem mais males fizesse e mais torpes feitos, e tais que criatura alguma deveria ousar pensar, visar nem olhar; e aquele que mais fazia era o mais prezado e o maior mestre entre eles. Eu não ousaria escrever nem contar os feitos horrendos e inconvenientes que faziam às damas. Mas entre outras desordenanças e torpes feitos, mataram um cavaleiro e o botaram num espeto, rodaram-no em cima do fogo e o assaram diante da dama e suas crianças. Depois de dez ou doze terem forçado e violado a dama, quiseram que dele comessem à força; e depois as mataram fazendo-as morrer de má morte. E haviam feito um rei entre eles que era, conforme se dizia, de Clermont em Beauvoisin, e o elegeram o pior dos maus; e a esse rei chamavam Jacques Banham-me. Essa gente mal queimou no país de Beauvoisin nas cercanias de Corbie e Amiens e Montdidier mais de sessenta boas casas e castelos fortes; e se Deus a isso não tivesse trazido remédio com a sua graça, a calamidade seria tão multiplicada que todas as comunidades teriam sido destruídas, a santa Igreja depois, e toda a gente rica, por todas as terras, pois a gente desse feitio fazia de igual modo no país de Brie e de Pertois. E tiveram todas as damas e as donzelas da terra e os cavaleiros e os escudeiros, que lhes escapar podiam, de fugir para Maux-en-Brie wn após o outro, com a roupa do corpo, como podiam: tanto a duquesa de Normandia e a duquesa de Orleans, e profusão de altas damas, como outras, se quisessem guardar-se de ser violadas e forçadas e depois mortas e assassinadas.
De igual modo a gente desse feitio mantinha-se entre Paris e Noyon, e entre Paris e Soissons e Ham no Vermandois, e por toda a terra de Coucy. Aí estavam os grandes violadores e malfeitores; e pilharam, quer pela terra deCoucy, quer pelo Condado de Valois, quer pelo bispado de Laon, de Soissons e de Noyon, mais de cem castelos e boas casas de cavaleiros e escudeiros; e matavam e roubavam tudo quanto encontravam. Mas Deus pela sua graças trouxe a isso remédio pela que muito se lhe deve agradecer, como adiante ouvireis."
Jean Froissart, Chroriques
(DUBY, op, cit, pp. 134-135)
Fonte. Acesso: 09/12/2008 http://www.saberhistoria.hpg.ig.com.br/textos.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário