Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Peste Negra




No mapa acima a cor verde significa as áreas que quase não foram atingidas pela peste.

Traje usado pelos médicos (século XIV) como proteção contra a peste negra.

Peste negra
A peste negra é uma doença de importância histórica e que até há bem pouco tempo fazia tremer as populações do mundo. Quando chegou à Europa em 1384, a peste negra matou cerca de um terço da população. Mas ao contrário do que muita gente possa pensar, esta doença não está extinta. De facto, nos últimos anos têm havido notícias de epidemias em vários pontos do mundo, incluindo Moçambique em 1994. Além disso é deveras preocupante é o aparecimento de bactérias causadoras da peste negra resistentes aos antibióticos usados. Por tudo isto, todas as novas perspectivas sobre este assunto são muito importantes.

Dois cientistas Britânicos publicaram recentemente um modelo matemático que pretende elucidar a dinâmica das epidemias de peste negra. A peste negra é causada por uma bactéria que normalmente vive em ratos e que é transmitida entre esses animais pelas pulgas, que neles vivem e que se alimentam do seu sangue. A doença não se manifesta nem nos ratos nem nas pulgas. Quando as pulgas infectadas passam para um ser humano podem transmitir a peste negra. Estes cientistas analisaram um modelo que inclui a evolução das populações de ratos e pulgas no tempo, assim como o risco de infecção para os seres humanos. Eles concluíram que a bactéria da peste negra pode persistir nas populações de ratos por muito tempo, sem passar para o Homem. Isto pode explicar a observação histórica do aparecimento "espontâneo" da peste negra em populações sob quarentena rigorosa. Mas, mais importante, eles fazem previsões em relação ao melhor método de controlar a população de ratos para evitar o aparecimento da peste negra na população humana. Por exemplo, reduzir o número de ratos pode ser uma boa ideia, mas não se já tiverem aparecido alguns casos de peste negra na população humana. Isto é, não se pode remediar em vez de prevenir. A razão, segundo o modelo, é que as pulgas apenas começam a passar a bactéria para o Homem quando têm dificuldades em encontrar ratos, que são os seus hospedeiros naturais. Neste caso, reduzir o número de ratos pode levar a que ainda mais pulgas procurem abrigo entre os seres humanos, aumentando o risco de uma epidemia.
O modelo apresentado por estes cientistas é apenas um exemplo das novas perspectivas que a modelação matemática pode trazer a velhos problemas e questões.
Keeling, M.J. e Gilligan, C.A. "Metapopulation dynamics of bubonic plague" Nature 407: 903 – 906 (19.10.2000)
Pequena Era Glaciar na Europa desencadeada pela Peste Negra
A Pequena Era Glaciar (PEG) que atingiu o hemisfério Norte a partir de meados do século XIV, e durante 300 anos fez cair a temperatura no Velho Continente, é ainda hoje um mistério. Várias explicações têm sido adiantadas, como a diminuição da actividade solar ou uma alteração na circulação oceânica, mas não há certezas sobre o que causou essa mini-era glaciar. Um estudo holandês vem agora reforçar uma das explicações possíveis: a Peste Negra.Não se sabe exactamente quando terá começado essa Pequena Era Glaciar. Convencionou-se 1350. Depois, ao longo dos três séculos que se seguiram, houve vários períodos mais severos do que outros, que influenciaram a vida no Velho Continente. Há relatos do Tamisa gelado em Londres, bem como dos canais holandeses transformados em pistas de gelo. Esse rigor de neve e gelo foi mote para vários pintores flamengos da época, alguns famosos como os Brueghel, pai e filho.É justamente um grupo de investigadores holandeses da Universidade de Utreque, liderados por Thomas van Hoof, que vem agora juntar mais uma peça ao quadro. De acordo com o estudo publicado na revista científica Paleogeography, Paleoclimatology, Paleoecology, o surto de Peste Negra que dizimou um terço da população europeia na primeira metade do século XIV terá sido o acontecimento-chave que desencadeou a miniera glaciar que se seguiu.A equipa holandesa baseia a sua tese no estudo que fez de sedimentos da época, recolhidos no Sudeste do país, como restos de pólen e de folhas recolhidos em antigos leitos de lagos. De acordo com a investigação, após a Peste Negra, vastas áreas agrícolas ficaram abandonadas por todo o continente europeu. Isso terá provocado uma reflorestação por milhões de novas árvores e estas, por sua vez, absorveram grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2, o principal gás com efeito de estufa) da atmosfera. E isso teria estado na origem do arrefecimento climático então registado. A equipa estudou a evolução da produção cerealífera entre os anos 1000 e 1500 d.C. e verificou um aumento, a partir de 1200, e depois uma quebra súbita, por volta de 1347, ligada à crise causada pela peste. Os cientistas avaliaram ainda a concentração de CO2 na atmosfera, analisando folhas de carvalhos para o mesmo período, e detectaram a partir de 1300 uma diminuição dessa concentração. Estes resultados acabam por reforçar também a ideia de que as actividades humanas podem interferir com o clima da Terra e que isso até nem é de agora, como se pensa, em relação ao aquecimento global em curso. "Parece que o impacto humano a este nível sobre o ambiente começou muito antes da revolução industrial", disse van Hoof, a propósito, à BBC News online.
E entre nós?
A mais mortífera de todas foi, sem dúvida, a peste negra (febris pestilentilis, infirmitas pestifera, morbus pestiferus, morbus pestilentialis, mortatitas pestis, ou simplesmente pestilentia, pestis, do latim peius, "a pior doença") (Cosmacini, 1995. 6). Estima-se que terá vitimado cerca de 25 a 30 milhões de pessoas (entre um terço a um quarto da população do Ocidente) em meados do Séc. XIV.
No caso português, a peste negra terá dizimado um terço a um quarto da população. De qualquer modo, as epidemias, as fomes e as guerras continuarão a acompanhar toda a segunda metade do Séc. XIV até quase ao final do Séc. XV, condicionando de tal modo a evolução demográfica que só nos primeiros anos do Séc. XVI o nosso país atingirá o volume populacional que tinha no início do Séc. XIV (cerca de 1.5 milhões de habitantes) (Sousa, 1992).
A peste negra está admiravelmente retratada em quadros de Pieter Brueghel, o Velho (ca.1525-1569) e em particular em O triunfo da morte (ca. 1556, Museu do Prado, Madrid). Por sua vez, Giovanni Boccaccio (1313-1375) descreveu magistralmente, em Il Decamerone (justamente iniciado em 1348 e concluído em 1353) as cenas pungentes da epidemia que se abateu sobre Florença.
Endémica na Ásia (ou, pelo menos, no planalto à volta dos Himalaias), a peste negra terá chegado ao Ocidente através dos mongóis que cercavam Cafa, na Crimeia, porto comercial utilizado pelos mercadores genoveses que operavam no mar Negro. E através destes últimos entra em Messina, espalhando-se rapidamente por toda a Itália e pelo o resto da Europa, entre 1347 e 1352. Mercator ergo pestiferus (Sou mercador, logo portador da peste)...
· "Pandemia extremamente mortífera - escreve Sousa (1992. 340), seguindo Roque (1979. 103-112) - , a peste negra resultou na maior catástrofe demográfica de que o Ocidente tem memória. Caindo de repente sobre uma população sem defesas orgânicas nem higiénicas nem alimentares, sobre sociedades destituídas de conhecimentos científicos e clínicos adequados e de instituições ou organizações profiláticas mínimas, sobre multidões mentalmente predispostas à superstição e ao fanatismo e ao pânico - a peste negra cifrou-se não só em catástrofe demográfica, como se disse, mas também em tragédia social e cataclismo dos valores".
· "Por todo o lado - continua o citado autor -, na Itália, na França, na Alemanha, os homens mais responsáveis e os marginais mais anónimos parecem irmanados num instinto selvagem de subsistir. Subsistir primeiro e, se possível, lucrar. Emparedam-se em nome da lei casas e bairros com mortos, moribundos e sãos; enviam-se para os monturos e valas comuns, pais a filhos e vice-versa, doentes ainda vivos; lincham-se peregrinos e viandantes; queimam-se judeus; fabrica-se com o pus dos bubões e banha de enforcados venenos para matar e roubar; usam-se cadáveres de pestosos como balas biológicas no assalto a cidades; organizam-se cortejos de autoflajelantes possuídos da mais paroxística histeria; realizam-se orgias; chama-se o Diabo; invectiva-se Deus".
O mais surpreendente é que esta epidemia flagelou brutalmente a cristandade do Ocidente, enquanto o mundo árabe (ou de influência muçulmana) foi relativamente poupado:
Para Cosmicini (1995. 9-10), "l’uomo medievalo dell’Ocidente cristano, diversamente dallu’uomo medievo-oriental coevo, lava poco se stesso e la propria biancheria (...) L’estrema conagiosità dell’ infezione comprova che vettore di questa è piu l’umo sporco e sudaticcio, portatatore di pulci, che il rato".
Além disso, não é apenas é uma peste bubónica, transmitida pela pulga, é também pulmonar e seticémica (e, portanto, mais mortal ainda):
"La peste è anche polmonare e setticemica, transmessa direttamente da uomo a umo, tramite - oggi sappiamo - le particelle di espettorato cariche di bacilli, proiettate dai malati nell’atto di tossire e inalate dai sani".
Quais foram, afinal, as condições que predispuseram a Europa Ocidental a esta terrível pandemia ? Há que compreendê-las a vários níveis (Cosmicini, 1995. 10-11.):
· Ao nível veterobiológico: a peste terá sido relativamente pior na Europa do que na Ásia (onde era endémica), devido a mudanças quer orgânicas quer ambientais, seis séculos depois da vaga de epidemias na Alta Idade Média, precedida dois séculos antes da pandemia que se abateu sobre o Império Romano (542-548) no reinado de Justiniano; em emados do Séc. XIV, a peste negra irrompe no quadro de uma economia mercantil em franco desenvolvimento e de uma população concentrada em cidades e, portanto, muito mais vulnerável;
· Ao nível económico-ecológico: constata-se uma relação bi-unívoca entre a fome e epidemia, agravada por problemas climatéricos e pela quebra da produção cerealífera; "la crisi di sussistenza di una popolazione che cresce sempre più e che mangia sempre meno si traduce meccanicamene in iponutrizione collettiva e in morbilità epidemica";
· E, por fim, ao nível neobiológico ou imunológico: a dieta da população da época era, já de si, muito pobre em calorias, proteínas e vitaminas; a má nutrição crónica agravou-se com a crise alimentar que antecedeu a peste; como resultado, terá havido uma progressiva debilitação do sistema de defesa imunológico, e em particular uma atrofia dos tecidos linfáticos; estavam, pois, reunidas todas as condições para que o bacilo de Yersin (só descoberto em 1894) se tornasse terrivelmente letal.

A fame, peste et bello, libera nos, Domine! ("Da fome, da peste e da guerra, livrai-nos Senhor!"), implorava ao céu o homem medieval (Graça, 1998). A peste negra na Europa tinha sido já precedida por graves faltas de alimentos entre 1308 e 1318:
"A fome nunca foi um fenómeno isolado. Mais tarde ou mais cedo, abria a porta às epidemias", corrobora o historiador Braudel (1985), citado por McKeown (1990. 84).
Por outro lado, a peste negra aparece num contexto de crise do feudalismo, de êxodo rural, de sobrepopulação, de concentração urbana e de desenvolvimento da economia mercantil. De qualquer modo, continuam por explicar os "ciclos da peste" que, em todos os 10-12 anos, irá ressurgir, no Ocidente, durante quase quatro centúrias, de meados do Séc. XIV até às primeiras décadas do Séc. XVIII.
Artigo etraído do site: Agrupamente de Escolas Trigal de Santa Maria - Braga - Portugal.
Acesso: 19/01/2009.

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