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Súplica Cearense

domingo, 18 de janeiro de 2009

Diminuição das aulas de história em benefício das de sociologia em SP

Horas de desespero
Diminuição das aulas de história em benefício das de sociologia em SP é um erro grave, que irá prejudicar ainda mais os alunos das escolas públicas
RONALDO VAINFAS ESPECIAL PARA A FOLHA
Mais uma vez a história sai prejudicada no ensino médio, e não digo isso com o espírito de autocomiseraçã o tão corriqueiro entre os professores de história.
Mas esta decisão do governo do Estado de São Paulo - de reduzir a carga horária letiva de história para abrigar a disciplina de sociologia e ampliar a de filosofia - irá prejudicar os estudantes sem compensação à altura.
A obrigatoriedade da filosofia pode ser considerada positiva, pois dá um toque de humanismo e um estímulo à reflexão ética muito salutares. Sobretudo no mundo atual, onde o individualismo narcísico e o egoísmo possessivo parecem ter se consagrado como valores universais.
Mas ampliar a carga de filosofia e introduzir sociologia já é discutível. Trata-se de disciplina muito específica no campo das ciências sociais, voltada, antes de tudo, para a discussão de modelos abstratos para o estudo das sociedades.
Ficará o aluno obrigado, precocemente, a debruçar-se sobre o pensamento de Weber, Durkheim e, decerto, o velho Karl Marx. Sabe-se lá como isso será ensinado pelos professores ou recebido pelos alunos.
E, se entra a sociologia, por que não a antropologia ou a ciência política? Qual é o critério de escolha da sociologia como representante das ciências sociais no ensino médio? De todo modo, a inclusão da sociologia ou de qualquer das outras chamadas ciências sociais é desnecessária nesta altura da formação escolar.
Fusão
Tudo se agrava com a diminuição da carga de história, que já incorporou, recentemente, a obrigatoriedade de disciplinas sobre histórias africana e indígena. A primeira em 2003, pela lei nº 10.639, e, a segunda, em 2008, pela lei nº 11.645.
Nesta última, a fórmula utilizada para denominar a disciplina é "história da cultura afro-brasileira e indígena". Nada contra a inclusão desses novos conteúdos que, sem dúvida, ajustam o ensino da história no Brasil às nossas raízes culturais múltiplas, embora nada disso seja realmente novo.
Muito pelo contrário, pois já Karl von Martius, em meados do século 19, dizia que a chave para compreender a história do Brasil residia no estudo da fusão das três raças, a branca, a indígena e a negra. Deixando de lado o linguajar "raciológico", hoje tão valorizado nas políticas afirmativas do governo, a idéia de Von Martius era boa.
Tão boa que ninguém a seguiu naquele tempo em que a escravidão brasileira estava no apogeu. Foi somente Gilberto Freyre quem viria a assumir esse projeto em seu "Casa-Grande e Senzala", de 1933. E ainda foi acusado de racista...
Seja como for, ensinar história não é o mesmo que ensinar somente história do Brasil ou de tudo aquilo que guarda relação direta com a nossa história.
Esse "brasil-centrismo" (me perdoem pelo neologismo cacófono) é, por razões óbvias, um equívoco que afetou muito o ensino da história.
Os estudos da Antigüidade e da Idade Média, por exemplo, saíram dos currículos do secundário em reformas anteriores, e seus conteúdos acabaram excluídos dos exames vestibulares. O que será cortado da história com esses novos ajustes?
O grave risco é o de se formular um currículo de história centrado, de um lado, numa história do Brasil ideologizada e, de outro, numa história geral cada vez mais presentista.
A julgar pelos cortes cronológicos anteriores, a próxima vítima deve ser a história moderna e, assim, o estudo da história geral corre o risco de começar pela Revolução Francesa!
Triunfo do clichê
Que história será essa, que, de reforma em reforma, vai arqueologizando o passado?
É o triunfo do clichê de que a história serve para compreender o presente, quando o melhor dela, História, é conhecer o próprio, as diferenças de uma mesma sociedade no tempo ou entre civilizações distintas.
E, agora, o ensino médio de São Paulo ainda vai amputar mais a história para abrigar a sociologia. Decisão temerária e repleta de conseqüências negativas para a formação dos alunos. Dos alunos do "ensino público", vale sublinhar.
Porque os colégios particulares não entrarão nessa onda de cortes, mantendo sua carga de 500 horas ou mais, enquanto as escolas públicas paulistas terão de contentar-se, segundo cálculos recentes, com cerca de 200 horas.
Moral da história: nos vestibulares futuros, os egressos das escolas públicas de São Paulo sairão em grande desvantagem nas provas de história, sobretudo os que optarem por carreiras humanísticas, onde a prova de história é decisiva.
Assim, terão mais dificuldade, como sempre, de ingressar em universidades públicas. O remédio das cotas, em si mesmo duvidoso, torna-se quase uma piada de mau gosto num contexto como esse.
RONALDO VAINFAS é professor titular do departamento de história da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Fonte: Caderno Mais. Folha de São Paulo. 14/12/2008.

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