Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

PESTE NEGRA (1337)

Texto de Época: Narrativa sobre a Peste Negra do ano de 1337
"Eis que, em outubro do ano 1347 da Encarnação do Senhor, no início do mês de outubro, 1ª indicação, muitos genoveses, em doze galeras, fugindo à cólera divina que se abatera sobre eles em razão de sua iniqüidade, acosta­ram no porto da cidade de Messina. Os genoveses transportavam consigo, impregnados em seus ossos, uma doença tal que quem quer que tivesse falado com um deles era atingido por essa enfermidade mortal; essa morte, morte imediata, era absolutamente impossível de se evitar. Eis os sintomas da morte pa­ra os genoveses e as pessoas de Messina que os freqüentavam. Em virtude de uma corrupção de seu hálito, todos os que conversavam, misturados uns aos outros, se infectavam um ao outro. O corpo parecia então quase totalmente sacudido, e como que deslocado pela dor. Dessa dor, desse abalo, dessa corrupção do hálito nascia na coxa ou no braço uma pústula com a forma de uma lentilha. Ela impregnava e penetrava tão completamente o corpo que a pessoa era acometida de violentas expectorações de sangue. As expectorações duravam três dias ininterruptos, e morria-se quaisquer que fossem os cuidados tomados. A morte não atingia somente aqueles que conversavam com estas pessoas, mas também todos os que compravam suas mercadorias, as tocavam ou delas se aproximavam. Compreendendo que essa morte súbita se abatera sobre eles por causa da chegado das galeras genovesas, os habitantes de Messina expulsaram-nos com toda pressa do porto daquela cidade, mas a dita enfermidade permaneceu na cidade supracitado e seguiu-se uma mortandade generaliza­da. As pessoas odiavam-se umas ás outras aponto de, se um filho fosse atingido pelo mal, o pai se recusar terminantemente a ficar do seu lado; e se ousasse aproximar-se dele, seria de tal modo atingido pelo mal que não haveria modo de escapar à morte: em três dias, entregava o espírito. E, das pessoas de sua casa, não era ele o único a morrer: os familiares da casa, os cachorros, os animais existentes na referida casa, todos seguiam o pai de família na morte. A dita mortalidade assumiu tal amplitude em Messina que eram numerosos os que pediam para confessar seus pecados aos padres e faziam seu testamento; mas os padres, os juizes e os notários recusavam-se a entrar nas casas, e, se um deles entrava mona residência para redigir um testamento ou um ato dessa natureza, nada podia fazer para evitar uma morte súbita. E, como os frades menores, os pregadores e os irmãos de outras ordens queriam penetrar na casa dos ditos doentes, receber a confissão de seus pecados e dar-lhes a absolvição, a mortalidade assassina, segundo a vontade da justiça divina, os infectava tão completamente que apenas alguns sobreviveram em suas celas. Que mais se pode dizer? Os cadáveres eram abandonados nas casas, e nenhum padre, nenhum filho, nenhum pai, nenhum parente ousava penetrar lá dentro: dava-se aos gatos-pingados um salário considerável para levar os referidos cadáveres aos seus túmulos. As casas dos defuntos ficavam escancaradas com todas as jóias, dinheiros e tesouros; se alguém quisesse entrar, ninguém impe­dia o acesso. (...)
Os habitantes de Messina, diante desse golpe terrível e inacreditável, resolveram fugir da cidade em vez de ali morrer, e proibiu-se a quem quer que fosse não apenas entrar na cidade, mas sequer aproximar-se dela. Fora das cidades, eles estabeleceram para suas famílias abrigos em várias localidades e nas vinhas. Alguns, e eram os mais numerosos, alcançaram a cidade de Catánia na esperança de que a bem-aventurada Ágata, a virgem de Catánia, os livrasse dessa enfermidade. (...)
Os habitantes de Messina dispersaram-se então por toda a ilha da Sicília, e quando chegaram à cidade de Siracusa o mal atingiu tão fortemente os siracusianos que matou muitos deles, um número imenso. A cidade de Sciacca, a cidade de Trapani e a cidade de Agrigento foram tão atingidas como Messina por essa mesma peste, particularmente Trapani, que ficou como que viúva de sua população. Que dizer de Catdnia, hoje desaparecida da memória das gentes? A peste que se espalhou por essa cidade era tão forte que não somente pústulas, chamadas antrazes, mas também tumores se formavam nas diferentes partes do corpo, ora no peito, ora nas pernas, ora nos braços, ora na região da garganta. Esses tumores eram como amêndoas a princípio, e sua for,nação era acompanhada de uma forte sensação de frio. Eles fatigavam e esgotavam de tal modo o organismo que a vítima não tinha forças para ficar de pé e ia para a cama febril, abatido e angustiado. Depois esses tumores cresciam até ficar do tamanho de uma noz, de um ovo de galinha ou de gansa. Eram muito dolorosos. A corrupção dos humores que eles acarretavam no organismo fazia a vítima cuspir sangue. Esses escarros, vindos do pulmão infectado até a garganta, corrompiam o organismo. Com o organismo corrompido e os humores ressequidos, morria-se. A doença durava três dias; no quarto dia, os doentes eram libertados das preocupações humanas. Os habitantes de Catânia, percebendo que o mal era tão fulminante, apenas sentiam uma dor de cabeça ou um arrepio, tratavam de ir confessar ao padre e de redigir seu testamento. Pois, segundo a opinião geral, todos esses seriam acolhidos sem discussão nas moradas divinas."
(Michel dc Piazza. Histdria Secula ab anno 1337 ad annum 1361. In.~ DUBY, op. cit., pp. 118-9.)
Fonte. Acesso: 09/12/2009

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