Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Boletim Mineiro de História - Inquisição

HISTÓRIA TRUNCADA

A Inquisição não existiu, é invenção dos leigos Por Alberto Dines em 31/10/2011 na edição 666 Incrível, aterrador: o 16º capítulo da serie histórica “Jornais em Pauta”, publicada quinzenalmente pelo Valor Econômico (ver "Um atraso de três séculos"), parece ter sido montado segundo os paradigmas do Dr. Joseph Goebbels, zelosamente imitados pela Academia de Ciências da ex-URSS e inspirados no patriarca do conservadorismo e do fascismo, Joseph de Maistre (1753-1821).

A surpreendente tese: quem impediu o estabelecimento de tipografias e jornais no Brasil antes de 1808 foi a Coroa, o Estado português. Não houve censura episcopal, não houve censura inquisitorial, não houve nenhum “Rol de Livros Proibidos”, não houve Inquisição. O sanguinário aparelho repressor chamado Santo Ofício estabelecido em 1536 e mantido até 1821 em Portugal e territórios ultramarinos é pura ficção. Os cardeais-inquisidores não existiram, os comissários não tinham poder para examinar os livros que chegavam nos navios, a monarquia absolutista portuguesa era a única responsável pelo que poderia ser ensinado e difundido.
A fabricação da mentira torna-se cada vez mais sofisticada não por causa das novas tecnologias per se, mas porque estas tornam as pessoas cada vez menos interessadas em absorver conhecimentos.

Vocação censória

O autor da proeza revisionista e negacionista publicada num dos mais sofisticados suplementos culturais da imprensa brasileira (“Eu&Fim de Semana”, 28/10) valeu-se de um engenhoso e perverso artifício retórico: como na América espanhola as tipografias foram instaladas a partir do século 16 (a primeira, no México, em 1583), o déficit de liberdade na América portuguesa só pode ser atribuído à Corte.
Grande parte do texto, cerca de dois terços, está maliciosamente montado em cima de citações de eminentes historiadores patrícios, genialmente manipuladas para reforçar a ideia de que a Coroa portuguesa é a única vilã do nosso atraso intelectual e jornalístico.
Difícil acreditar que na vasta bibliografia de Sérgio Buarque de Holanda e de Nelson Werneck Sodré não conste qualquer referência ao protagonismo do Santo Ofício (portanto, da igreja católica) no controle dos corações e mentes dos brasileiros e brazilienses. Pinçar na Sociologia da Imprensa Brasileira, de José Marques de Melo, a frase de que no Brasil colonial não havia tipografias “porque não eram necessárias” é, na melhor das hipóteses, um recurso capcioso. Isabel Lustosa é, hoje, a mais diligente e esmerada historiadora da imprensa brasileira, coeditora dos 31 volumes com a reprodução integral do Correio Braziliense e valiosos estudos sobre Hipólito da Costa. Dela, os editores de Valor só encontraram um conceito digno de ser incluído no seu seriado quinzenal: “O Brasil era um dos poucos países do mundo, excetuados os da África e Ásia, que não produziam palavra impressa”.
Onde está dito que a culpa do atraso foi exclusivamente da Coroa? Onde exime ela o Santo Ofício de ser a matriz da nossa vocação censória? Este tipo de trambique argumentativo ficaria muito bem num boletim do Opus Dei, mas discrepa num veículo destinado à formação da elite empresarial brasileira.

“Despotismo esclarecido”

O autor (ou autores) ignora(m) que a Inquisição espanhola, diferentemente da portuguesa, era menos centralizada e menos burocratizada. O Santo Ofício lusitano manteve apenas um tribunal fora do território continental (em Goa, Índia); o espanhol permitiu a instalação de três filiais no Novo Mundo (México, Cartagena, Lima) e, graças à fiscalização descentralizada, podia se dar ao luxo de autorizar a instalação de tipografias para a impressão de obras evangelizadoras, criação de universidades e circulação de periódicos a partir do século 17.
As doutrinas que inspiravam as duas entidades inquisitoriais eram as mesmas, colaboravam ativamente entre si (como atesta o caso da loucura e morte do santista Bartolomeu de Gusmão, o Padre Voador), mas as mentalidades eram diferentes. A Espanha era uma potência europeia e o seu império global deveria contar com uma flexibilidade administrativa que o mirrado reino português só adotou quando a família real fugiu para o Brasil.
Quem encarcerou o padre Antonio Vieira não foi a Coroa portuguesa, mas a Inquisição portuguesa. Quem mandou prender e depois executar o comediógrafo – nascido no Rio de Janeiro – Antonio José da Silva, “O Judeu”, não foi D. João V (satirizado na ópera O Anfitrião, montada em 1736), mas o cardeal inquisidor D. Nuno da Cunha, por meio de uma ordem verbal (como está em seu processo). Quem decidiu que fosse executado num auto da fé não foi a justiça secular, mas os inquisidores que lhe ofereceram o direito de escolher entre o garrote e a fogueira.
Aqui, na colônia portuguesa, bispos e comissários do Santo Ofício mandavam e desmandavam, os governadores obedeciam: cuidavam de defender o território, proteger riquezas e cobrar impostos. O resto ficava por conta dos Familiares do Santo Ofício e, sobretudo, do sistema de delações oriundo dos confessionários. O quadro modificou-se quando esse despotismo clerical foi substituído pelo “despotismo esclarecido” do Marquês de Pombal (1750). Tarde demais, o país estava atrasado 250 anos.

Fim do embargo

O bravo historiador e o prestigioso veículo que ousaram quebrar o tabu relativo à história da imprensa brasileira conseguiram a façanha de manter sob sigilo absoluto, ao longo de 32 semanas consecutivas, o nome do primeiro periódico a circular sem censura no Brasil e em Portugal, o Correio Braziliense. O nome de seu editor-redator, Hipólito da Costa – o patriarca da imprensa brasileira –, até o fascículo 16 só foi mencionado, de passagem e esguelha, uma única vez. Recorde de secretismo que só encontra rival nas ordens de prisão determinadas pelos tribunais do Santo Ofício.
Hipólito da Costa era funcionário da Coroa, mas por ser maçom foi preso pela Inquisição lisboeta (1802). O relato que publicou em português e inglês sobre os interrogatórios a que foi submetido é uma arrasadora denúncia contra os métodos medievais empregados pelos esbirros inquisitoriais (Narrativa da Perseguição de Hipólito José da Costa, dois volumes, Londres, 1811). O desenvolvimento do Brasil atrasou unicamente por conta do atraso da teocracia portuguesa. A melhor prova está no episódio que resultou no desmantelamento de uma tipografia no Rio de Janeiro (1747-1749) pertencente a um dos melhores impressores portugueses, Antonio Isidoro da Fonseca, misteriosamente transferido para a capital da colônia. Se essa oficina continuasse a sua atividade, a história da multiplicação das ideias no Brasil e a própria história política do país seriam drasticamente diferentes. Para melhor.
O estúpido e devasso D. João V ainda reinava, quem deu a ordem foi o Santo Ofício português, quem a recebeu e executou foi o respectivo comissário que convocou o desgraçado impressor para dizer-lhe que não poderia editar livros e outros escritos.
O documento que confirma a truculência foi encontrado por este observador nos “Cadernos do Promotor da Inquisição de Lisboa”. Publicado e analisado em livro (Em Nome da Fé, Editora Perspectiva, 1999), demoradamente exibido no documentário de Silvio Tendler (Preto no Branco – A censura antes da imprensa) e extensamente discutido na série de três programas do Observatório da Imprensa que comemorou os 200 anos da imprensa brasileira (maio-setembro de 2008)
Valor não publicou um equívoco, publicou uma mistificação. Não foi acidental, foi determinação das esferas superiores – ou inspiração divina –, as mesmas que decidiram há três anos que não se devia comemorar o bicentenário da imprensa brasileira para não lembrar o obscurantismo religioso que produziu nossa carência intelectual e jornalística.
Registre-se um avanço: caiu o embargo sobre o assunto. E magicamente descobre-se que o controle religioso aumentou nosso atraso para cinco séculos. Mais precisamente 511 anos (308+200+3). Logo seremos iguais ao Suriname.

http://boletimdehistoria-ricardo.blogspot.com/2011/11/numero-300.html

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O que mais eles vão inventar? Novidades da Seeduc -RJ





Holocausto nazista será obrigatório na rede estadual
Rio - Os alunos da rede estadual de ensino terão a partir de agora, mais uma matéria na grade de História,o holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
A lei aprovada pela Assembléia Legislativa e publicada na edição desta segunda- feira do Diário Oficial determina que seja explicado aos estudantes a morte de milhares de judeus, homossexuais e ciganos naquele período.
De autoria do deputado Gerson Bergher (PSDB),a medida determina que o Conselho Estadual de Educação faça uma abordagem especial no tema.
Segundo o parlamentar a inclusão facilitará o combate à intolerância. “Relembrar, através dos estudo, sobre este episódio, é garantir que não se repita. A perseguição realizada pelo 3º Reich no século passado não é apenas uma questão dos judeus, ciganos e outras minorias perseguidas pelos nazistas, mas uma advertência para as perseguições hoje travadas contra as várias minorias”, argumenta.

http://odia.ig.com.br/portal/educacao/html/2011/10/holocausto_nazista_sera_obrigatorio_na_rede_estadual_198308.html

domingo, 28 de agosto de 2011

Trabalho - Maquete do Partenon




O trabalho desse 3º Bimestre para os alunos do 6º ano foi à construção de uma maquete sobre o Partenon. Os trabalhos ficaram ótimos. Só o fotografo deixou a desejar.

Um grande abraço para os alunos da turma 601 do CIEP 289 Cecílio Barbosa da Paixão e meus parabéns.


O Partenon ou Partenão (em grego antigo Παρθενών, transl. Parthenōn; em grego moderno Παρθενώνας, transl. Parthenónas) foi um templo da deusa grega Atena, construído no século V a.C. na acrópole de Atenas. É o mais conhecido dos edifícios remanescentes da Grécia Antiga e foi ornado com o melhor da arquitetura grega. Suas esculturas decorativas são consideradas um dos pontos altos da arte grega.
O Partenon é um símbolo duradouro da Grécia e da
democracia, e é visto como um dos maiores monumentos culturais do mundo. O nome Partenon parece derivar da monumental estátua de Atena Partenos abrigada no salão leste da construção. Foi esculpida em marfim e ouro por Fídias e seu epíteto parthenos (em grego παρθένος, "virgem") refere-se ao estado virginal e solteiro da deusa.
O Partenon foi construído para substituir um antigo templo destruído por uma invasão dos
persas em 480 a.C.. Como muitos templos gregos, servia como tesouraria, onde se guardavam as reservas de moeda e metais preciosos da cidade e também da Liga de Delos, que se tornaria mais tarde o império ateniense.
Fonte: Wikipédia



















domingo, 21 de agosto de 2011

Outros olhares – Simón Bolívar

CIEP 289 CECÍLIO BARBOSA DA PAIXÃO
CURSO NORMAL ASSUNTO: INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA DISCIPLINA: HISTÓRIA PROFESSOR: Alexandre

Para melhor visualização é só clicar na imagem

A aventura do descobrimento - Fábio Pestana Ramos

CIEP 289 CECÍLIO BARBOSA DA PAIXÃO
CURSO NORMAL
ASSUNTO:
O PROCESSO DE EXPANSÃO MARÍTIMA E COMERCIAL EUROPÉIA
DISCIPLINA: HISTÓRIA
PROFESSOR: Alexandre

POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS
a aventura dos descobrimentos
Autor: Fábio Pestana Ramos


"As ilhas atlânticas ali ao lado; a África e a Índia bem mais distantes; o Brasil do outro lado do mar Oceano; não importava qual o destino, a jornada por mares nunca dantes navegados ou relativamente desconhecidos iniciava-se quando homens e mulheres encontravam razões suficientes para trocar Portugal por terras distantes e exóticas. O que os motivava? Como era o cotidiano a bordo? O que encontraram no trajeto? Chegariam? Realizariam seus sonhos? Em Por mares nunca dantes navegados, o leitor acompanhará os dramas pessoais e coletivos da gente embarcada nos navios lusitanos, no tempo dos Descobrimentos e das Grandes Navegações. Conhecerá as ambições de Portugal e dos portugueses, explicadas dentro do contexto da época. O inferno podia se instalar durante tempestades, calmarias e naufrágios. Sendo assim, não deixaremos de conhecer a luta pela sobrevivência entre os embarcados. E se a travessia marítima não era fácil, o desembarque, na África, na Ásia ou na América, também podia reservar surpresas e situações perigosas. Indicada a todos os interessados em embarcar nesta jornada recheada de aventuras, a obra é uma leitura divertida e muito bem fundamentada historicamente".


Abaixo você enontra o link para ter acesso ao primeiro capítulo do livro. Uma cortesia do autor, da sua editora www.editoracontexto.com.br/ e do blog: Para entender a História. http://fabiopestanaramos.blogspot.com/




Após a leitura do capítulo elabore um texto contendo as ideias principais do mesmo.

Independência da América Espanhola - Túpac Amaru - XVIII



CIEP 289 CECÍLIO BARBOSA DA PAIXÃO
CURSO NORMAL
ASSUNTO: O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DA AMÉRICA ESPANHOLA
DISCIPLINA: HISTÓRIA
PROFESSOR: Alexandre


Túpac Amaru, o filho do sol No fim do século 18, Túpac Amaru liderou a maior rebelião indígena da América, que incendiou o coração dos Andes e inspirou revolucionários como Bolívar e Che Guevara Alessandro Meiguins 01/11/2004 00h00 O mundo amanheceu ao contrário naquele dia em Tinta, um pequeno povoado no sul do vice-reino do Peru. Acostumada a ser explorada e maltratada pelas tropas do mandachuva local, o espanhol Antonio Arriaga, a população mal conseguia acreditar que era ele quem dava seus últimos suspiros, pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda, em plena praça central do vilarejo. Ao seu lado, comandando a execução, estava José Gabriel Túpac Amaru. Vestido para a guerra, com o tradicional ornamento inca em forma de um sol dourado no peito, convocava aos berros índios, mestiços e negros para lutar contra a dominação espanhola. Naquele 4 de novembro de 1780, com o corpo de Arriaga balançando atrás de si, Túpac Amaru, descendente da linhagem imperial dos incas, declarou que não existiam mais impostos e que os escravos estavam livres. "Foi o início de uma rebelião que se espalharia pelos Andes e chegaria até os altiplanos bolivianos", diz Julio Vera del Carpio, historiador da Casa da Cultura Peruana, em São Paulo. Quase 300 anos depois de os espanhóis desembarcarem na América, o filho do sol estava de volta. Os espanhóis desembarcaram na América em 1492 ávidos por encontrar riquezas que financiassem seus navios, suas armas e sua nobreza. Quando chegaram ao Peru, em 1527, e descobriram as minas de prata da região, não perderam tempo. Reuniram um exército sob o comando de Francisco Pizarro e trataram de eliminar todo aquele que pudesse afastá-los de seu objetivo. Por "todo aquele" entenda-se os incas, que habitavam desde as cordilheiras no Peru até os altiplanos bolivianos. Em 1532, os espanhóis iniciaram uma conquista rápida e implacável. Com a vantagem das armas de fogo e do duro aço espanhol, submeteram os guerreiros indígenas e suas lanças de cobre. Pizarro conquistou Cusco, a capital inca, e capturou e executou Atahualpa, seu imperador. Em seguida nomeou um novo ocupante para o trono: Manco Inca Yupanqui. Pouco tempo depois, no entanto, Manco Inca percebeu que estava sendo usado pelos espanhóis e fugiu de Cusco, iniciando uma revolta. A aventura durou pouco: os espanhóis mataram Manco Inca e seus sucessores. O último foco de resistência foi derrotado em 1572, com o enforcamento do derradeiro imperador inca, o primeiro Túpac Amaru (foram vários "Túpacs"). Foi o ponto final na civilização inca na América do Sul, "que ocupou um território maior que o do Império Romano", diz Antonio Núnez Jiménez, no livro Nuestra América. A partir desse momento, seus mais de 3 milhões de habitantes tinham um novo senhor. A primeira coisa que os novos donos do pedaço fizeram foi estabelecer a "mita" – o trabalho forçado nas minas de prata e mercúrio. "Os índios eram convocados pelos espanhóis, arrastados a pé através dos vales montanhosos e muitos morriam exauridos no caminho", diz Carpio. "Quando chegavam, tinham um breve descanso e, um ou dois dias depois, entravam nos estreitos buracos na terra em busca dos metais. Poucos sobreviviam por muito tempo às longas jornadas de trabalho, que chegavam a uma semana inteira dentro das minas, sem direito a alimentos ou descanso." A Igreja teve papel especial nessa história. Extremamente religiosos, os incas foram levados a crer que o rei da Espanha substituíra seu imperador no lugar reservado ao representante divino na Terra. Servir ao rei era como trabalhar para o próprio Deus-sol e ao morrer nas minas de prata estavam salvando suas almas do inferno. Segundo Carpio, nas províncias os corregedores (espécie de prefeitos) tinham toda a liberdade para matar quantos índios fossem necessários para que a extração de prata continuasse a todo vapor. No entanto, em 200 anos de dominação, os espanhóis não eliminaram completamente as lideranças indígenas. Pelo contrário, parte do controle sobre a população era feita com o consentimento e apoio desses líderes – chamados de curacas, descendentes da nobreza inca. Convertidos ao catolicismo, muitos, inclusive, recrutavam membros das tribos para o trabalho forçado nas minas. Descendente do primeiro Túpac, José Gabriel Túpac Amaru era um dos líderes que discordavam dessa prática. Curaca de Pampamarca, Tungasuca e Surimana, morava na província de Tinta, a 100 quilômetros de Cusco. Túpac herdou de sua família 70 pares de mulas, com as quais transportava mercadorias através dos Andes. No meio daquela região montanhosa, ter um par de mulas era como ter um caminhão. Túpac era próspero, respeitado e bem relacionado. Insatisfeito com o que via na região, defendia junto às autoridades espanholas uma reforma no sistema colonial. Aos tribunais de Lima encaminhara um pedido oficial em que pediu a eliminação do cargo do corregedor, substituindo-o por prefeitos eleitos nas províncias e povoados, e o fim da mita. Nada conseguiu. Aos poucos, passou a espalhar a idéia de rebelião. Em uma carta aberta à população, dizia que os corregedores faziam do sangue dos peruanos "sustento para sua vaidade". Conseguiu a simpatia e apoio de alguns curacas, que se dispuseram a lutar. Tinta foi apenas o primeiro alvo da revolta. Após matar Arriaga, Túpac e seus homens percorreram povoados e vilas da região, prendendo e enforcando as autoridades espanholas que encontravam. Ficavam com seu dinheiro e armas e distribuíam seus bens entre a população. Túpac nomeou chefes locais e conseguiu que milhares de pessoas aderissem à sua tropa. Aterrorizado com a rapidez com que a revolta se espalhava, o bispo de Cusco, Juan Manuel de Moscoso y Peralta, enviou 1 500 soldados para eliminar o rebelde. Em 18 de novembro, no povoado de Sangarara, entre Cusco e Tinta, Túpac enfrentou o exército do rei com 6 mil homens sob seu comando. Em menos de um dia o inca cercou os soldados do bispo. Depois de intensos combates, o último grupo de espanhóis se refugiou na igreja do povoado, esperando que o indígena poupasse o local sagrado. Túpac não quis saber: invadiu a igreja e matou todos. Em represália, Moscoso y Peralta excomungou Túpac Amaru e seus seguidores. Essa era a maior desonra que alguém poderia sofrer na época. Tanto para católicos quanto para indígenas, a excomunhão significava que a pessoa estava distante de Deus. O efeito da punição logo se fez sentir. "Por conta disso, numerosos adeptos da causa tupamarista abandonaram suas fileiras ou deixaram de nelas ingressar", afirma Kátia Baggio, historiadora da Universidade Federal de Minas Gerais. Túpac se preparou para invadir Cusco. A estratégia era tomar Puno, que ficava entre Cusco e Potosí, para depois avançar sobre a capital. No entanto, após os eventos em Sangarara, o vice-rei do Peru, Agustín de Jáuregui, resolveu pedir auxílio à Espanha. Se as tropas do rei Carlos III chegassem ao Peru, a rebelião não teria chance, por isso o inca adiantou seus planos. Cusco era uma verdadeira fortaleza. Cercada de grandes muralhas de pedra, a antiga capital do império inca tinha uma rígida planificação urbana em forma quadriculada, cujo desenho lembrava a forma de um puma. As tropas da cidade partiram em direção aos rebeldes, para conter sua chegada, enquanto mais soldados preparavam a defesa. Muitos curacas católicos, junto com suas tribos, se mostraram fiéis à Igreja e ao rei da Espanha, e ajudaram os europeus a montar uma estratégia para conter os rebeldes. O clima de agitação e expectativa diante da iminente invasão levou a cidade ao caos. Em 28 de dezembro de 1780, Túpac chegou ao limite norte de Cusco, uma região chamada Cerro Picchu. Seguiam com ele mais de 40 mil homens, embora poucos estivessem armados e preparados para a luta. Seus planos contavam com um ataque vindo do nordeste, por Diego Cristóbal, irmão de Túpac, e com a adesão da população indígena local. Em 2 de janeiro de 1781 os combates começaram. Por dias as tropas do vice-rei, cerca de 12 mil homens, conseguiram manter os invasores afastados da cidade, tempo suficiente para receberem um reforço de 8 mil homens, seis canhões e 3 mil fuzis vindos de Lima. Os rebeldes, ao contrário, viram seus planos falharem. Diego Cristóbal não conseguiu ultrapassar as defesas espanholas do rio Urubamba e recuou. O policiamento ostensivo nas ruas de Cusco reprimiu qualquer tentativa local de sublevação. Em 8 de janeiro, Túpac fez uma tentativa desesperada e atacou a cidade com força total. A violenta batalha durou cerca de sete horas, mas as defesas se mantiveram praticamente intactas e os realistas tiveram poucas baixas. Túpac desistiu do cerco e se aquartelou em Tinta. Em março, com o reforço de 17 mil soldados espanhóis, as tropas do vice-rei resolveram sufocar de vez a rebelião. Em 5 de abril, os espanhóis infligiram uma gigantesca derrota às tropas tupamaristas. Depois de um dia de combates, ofereceram perdão àqueles que abandonassem Túpac e se unissem a eles. No dia seguinte, cercaram o exército rebelde e conseguiram outra grande vitória, graças a informações entregues por traidores do exército inca. Os rebeldes se dispersaram e fugiram da cidade, mas Túpac e seus colaboradores mais próximos foram presos em um emboscada preparada por seus próprios partidários. Apenas uma pequena parte do exército rebelde conseguiu se refugiar nas montanhas. Na mesma semana, para comemorar sua vitória, os espanhóis enforcaram 70 curacas rebeldes na mesma praça onde o corregedor Arriaga perecera. Túpac e sua família foram levados a Cusco, onde foram torturados para que dessem informações sobre os demais líderes rebeldes, como Diego Cristóbal, que conseguira fugir. "Diz a tradição que, sem ter como se comunicar com seus companheiros, Túpac escreveu uma carta com seu próprio sangue, em um pedaço de suas vestes, convocando todos para a luta, mas a mensagem acabou interceptada pelos espanhóis", diz o antropólogo Rodrigo Montoya, da Universidade San Marcos, em Lima. Após 35 dias de torturas, em 18 de maio de 1871 Tupac foi levado para receber sua sentença em praça pública, no centro de Cusco: esquartejamento. Antes que a pena fosse aplicada, no entanto, Túpac assistiu ao enforcamento de seus homens rebeldes. Depois, dois filhos seus, Hipólito e Fernando, junto com Micaela, sua mulher, tiveram suas línguas cortadas, antes de serem executados. Enfim chegou sua vez. "Seus braços e pernas foram atados a quatro cavalos, que foram incitados a correrem cada um para uma direção", diz Carpio. "Depois do insucesso de várias tentativas, os espanhóis desistiram do esquartejamento e cortaram a cabeça do inca." A rebelião no Alto Peru, no entanto, não acabou aí. Prosseguiu em duas frentes. Sob a liderança de Túpac Catari, cujo verdadeiro nome era Julián Apasa, e que adotou o apelido em alusão a Túpac Amaru e Tomás Catari, outro líder revolucionário morto pelos espanhóis na Bolívia, a revolta chegou a La Paz. Catari cercou a cidade em março de 1781, com mais de 10 mil homens, e fez um violento ataque em que mais de 10 mil morreram – sendo 8 mil indígenas. Após 109 dias de sítio as tropas realistas furaram o cerco. Catari voltou a atacar em agosto, mas foi derrotado e preso. Em 31 de novembro de 1781 foi executado. A segunda onda de resistência se deu na região montanhosa em torno de Cusco, onde Diego Cristóbal continuou comandando o então reduzido exército de Túpac. Em maio de 1781, ele chegou a sitiar Puno, mas não a invadiu. Focos de conflito continuaram até 1782, quando Diego Cristóbal assinou um tratado de paz com os espanhóis. Apesar disso, depois de uma ameaça de levante em 1783, Diego e 120 supostos envolvidos acabaram executados. Nos anos que se seguiram, os colonizadores exerceram uma forte repressão à cultura incaica e qualquer ornamento da nobreza inca foi proibido. "Falar o nome de Túpac Amaru em público virou um insulto aos espanhóis, um ato de rebeldia. A perseguição, no entanto, só aumentou o mito que se criou em torno dele e fez com que seus lendários feitos influenciassem gerações de revolucionários americanos, de Bolívar a Che Guevara", diz Montoya. O poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973), em um verso de 1970, recordou Túpac "Como um sol vencido/ uma luz desaparecida.../ Túpac germina na terra americana".

O cerco a cusco

As forças de Túpac Amaru enfrentaram os espanhóis no localchamado de "cabeça do puma"

1. Chegada

Em 28 de dezembro,Túpac acampa com 40 mil homens ao nordeste de Cerro Picchu

2. Cerco

As tropas de Túpac se posicionam ao norte. É dia 2 de janeiro de 1781

3. 1º ataque

Túpac ataca pela Quebrada de Cayra, mas 12 mil soldados o detêm

4. 2º ataque

A segunda tentativa de conquista da cidade foi elo Cerro Pukin, ao sul

5. 3º ataque

Túpac luta durante sete horas contra os próprios índios e retira seu exército

Todos os Túpacs

O ideal de uma América unida contra os invasores inspirou até cantores de rap

O PRIMEIRO TÚPAC

Após a queda de Atahualpa e de Cusco, outros líderes incas se fizeram imperadores e resistiram por 40 anos à dominação espanhola. Túpac Amaru foi o último deles. Em 1572, após um massacre de mensageiros do vice-rei do Peru, mortos por homens de Túpac, os espanhóis iniciaram uma caçada ao imperador. Uma força de 250 homens partiu em direção a Vilcabamba, cidade de Túpac, destruindo altares e fortalezas incas que encontraram no caminho. Em Vilcabamba, incendiaram a cidade e prenderam seu líder, para depois executá-lo em Cusco, no mesmo local onde seu descendente, José Gabriel Túpac Amaru, seria executado mais de 200 anos depois.

MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO TÚPAC AMARU – MRTA

Fundado em 1984, a organização peruana começou suas atividades de guerrilha em 1986. Contra o governo de Alan García, o MRTA promoveu seqüestros, assassinatos e atentados a bomba nas regiões de San Martín e Juanji. Em dezembro de 1996, 14 membros invadiram a residência do embaixador japonês em Lima, fazendo centenas de reféns por quase quatro meses. Em abril do ano seguinte, tropas militares tomaram a residência, libertaram os reféns e mataram todos os terroristas.

OS TUPAMAROS

O grupo surgiu em 1968 e atuou com bastante impacto na cena política uruguaia até 1972, quando inúmeras ações do governo ditatorial militar exterminaram muitos de seus integrantes. O grupo Inspirou inúmeras guerrilhas na Europa. No filme Estado de Sítio (1972), o cineasta grego Costa-Gavras mostrou a ação mais famosa dos tupamaros, o seqüestro e morte do agente da CIA Dan Mitrione, que treinou torturadores durante a ditadura no Uruguai.

TUPAC AMARU SHAKUR ("2PAC")

Rapper americano nascido no Bronx, bairro de Nova York, nos Estados Unidos, em junho de 1971. Tupac Amaru Shakur teve uma infância difícil morando em abrigos e cortiços. Seu pai, com quem nunca teve contato, era ligado aos Panteras Negras – grupo político de afirmação dos negros americanos. Aos 15 anos, vivendo em Baltimore, começou a compor. Aos 20 anos, participava de guangues e já havia passado oito meses na prisão. Em 1990 lançou seu primeiro disco e em 1992 estreou em carreira solo com o álbum 2Pacalypse Now. Suas letras tinham um tom político desafiador. Como em "Panther Power", do álbum The Lost Tapes, em que diz:

"O sonho americano não foi feito para mim/ Lady Liberty é uma hipócrita, ela mentiu para mim/Me prometeu liberdade, educação, igualdade/ Não me deu nada além de escravidão/ Tempo de mudar o governo, agora é o poder da Pantera". Shakur foi assassinado em 1997, baleado diversas vezes no peito depois de uma discussão.

Saiba mais

Livros

La Rebelión de Túpac Amaru, Boleslao Lewin, Instituto Cubano del Libro, 1972 - Maior análise sobre Túpac Amaru, o livro esmiúça o papel dos participantes dos eventos revolucionários

Túpac Amaru y sus Compañeros, Juan Jose Vega, Municipalidad del Qosqo, 1995 - Mostra o cenário da vida de Túpac e como era o dia-a-dia na cidade de Cusco

A Rebelião de Tupac Amaru, Kátia Gerab e Maria Angélica Campos Resende, Brasiliense, 1987 - Um panorama detalhado da revolução inca

Nuestra América, Antonio Núñez Jiménez, Editorial Pueblo Y Educación, 1990 - Conta, com riqueza de detalhes, a história geral da América Latina

Fonte: Revista. Aventuras na História. Maio de 2004

DESAFIO
Monte utilizando o artigo acima, uma ficha indicando as seguintes características da rebelião de Túpac Amaru
a) Quando ocorreu;
b) Motivos que levaram a está insurreição;
c) Os "personagens" envolvidos no movimento, tanto do lado espanhol como do lado da colônia;
d) Os objetivos;
e) Os resultados.

sábado, 20 de agosto de 2011

Blog da Amanda: Professores não pensam só em salário!

Blog da Amanda: Professores não pensam só em salário!: Olá, colegas educadores (as), Vocês viram as lamentáveis e ofensivas declarações do vereador da cidade paulista de Jacareí, Dario Burro (DE...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Era Vargas


CIEP 289 CECÍLIO BARBOSA DA PAIXÃO
ENSINO FUNDAMENTAL
9º ANO
PROFESSOR:Alexandre


As imagens abaixo representam vários episódios da chamada Era Vargas (1930-1945) exceto a última que também se relaciona com o segundo governo Vargas (1951-1954)


Sua tarefa é analisar as imagens de acordo com o contexto em que foi produzida e/ou a situação a que se refere.







O Estado Novo.
Quais as características apresentadas nas legendas, isto é, quais as relações entre Vargas e os personagens em que ele se "transforma"?



Estado Novo - Populismo.
O que o "espelho" quer dizer, com a frase: O seu é populista sim; já democrático... ?



A Voz do Brasil.
Qual a importância da rádio e mais especificamente da Voz do Brasil, para o governo Vargas?


1937.
A que documento o personagem que se dirige a Vargas se refere?
A que golpe Vargas se refere?



Trajetória.


Explique a trajetória política de Vargas segundo a charge apresentada acima.


Dica: Ao analisar a charge preste atenção nas roupas e no número de personagens que representam Vargas em várias etapas de sua vida.

Produção capitalista

O evangelho segundo o McDonald’s
A necessidade da ideologia para a rede fast-food
"A fundamentação da ideologia para o mundo do trabalho está pautada no modelo de produção atual, denominado de toyotismo, com dimensões bem mais abrangentes que o modelo de produção fordista, sem, no entanto, fugir da forma produtora de mercadorias do sistema capitalista. O impacto do toyotismo, porém, é mais ágil e lucrativo na produção de mercadorias, causando diferentes e novas conseqüências diretas para o trabalhador, com a busca não mais da forma individual de produzir, mas da integração dos trabalhadores em equipe.Neste modelo insere-se, de acordo com o que pesquisamos, a rede de fast-food McDonald’s, na qual o trabalho em equipe possui um importante papel dentro da organização da empresa. As metas são traçadas e destinadas às equipes de trabalho que, movidas pelos “prêmios”, instalam a competitividade e todos trabalham em ritmo acelerado. Este espírito de equipe criado pela empresa permite que o trabalhador permaneça trabalhando mesmo após as oito horas diárias permitidas.O trabalho em equipe favorece à empresa por existir uma maior cobrança sobre o trabalhador, permitindo que se cobre deste trabalhador o cumprimento de determinados conhecimentos que extrapolam as exigências da função para a qual foi contratado. Para tanto, a rede promove competições com a finalidade de provocar no trabalhador o conhecimento de procedimentos que envolvem todo o processo produtivo. O conteúdo das competições implica saber exatamente, por exemplo, o tempo exato de fritura para preparo do hambúrguer, da batata e dos demais alimentos que comercializam. A equipe ainda deve saber como funcionam os equipamentos, qual o peso exato dos produtos e o tempo de preparo de cada um; enfim, além de dominarem o trabalho de todas as estações de produção, inclusive a de caixa, devem ter conhecimento de toda a informação referente ao funcionamento dos maquinários que operam. Para tanto , não poupam esforços. Como afirmam em seus depoimentos:quando se aprende uma estação de trabalho, por exemplo, a chapa, onde frita o hambúrguer para colocar no lanche, cada estação tem um papel que chama nível de verificação. São listas de procedimentos de trabalho (...) mas a gente tem que saber dados do produto da estação, o equipamento, aí a gente leva o manualzinho, que é um livrinho, para casa, para estudar. Eu comecei a levar pra casa, e a maioria dos colegas também, desde que comecei a trabalhar e ficava estudando, estudando para ir bem, eu e minha equipe, nas competições (Funcionário da rede, em entrevista para esta pesquisa).Além do trabalho em equipe, ocorrem também competições entre elas, abordando o funcionamento do maquinário que operam, possibilitando, desta forma, o conserto, caso ocorra algum problema técnico ou numa eventual emergência, descartando a necessidade de um técnico para reparar pequenos problemas e, conseqüentemente, não demandando interrupção da produção.Existem competições dentro da empresa que faz com que o funcionário não se dedique à empresa só na hora do trabalho (...) só os funcionários extremamente capacitados, treinados e muito interessados sabem qual o peso, especificações de equipamento que só o técnico sabe. Então, o que agente faz: acaba levando os livrinhos para casa, porque a gente não tem tempo de estudar na hora do trabalho, a gente não pára, em casa a gente fica decorando, para ser o melhor da estação, para vencer a competição da loja e fazer a loja vencer a competição do setor e, depois, representar o setor junto dos outros setores (Funcionário da rede, em entrevista para esta pesquisa).Podemos crer, desta forma, que o espírito de competição disfarça uma maior exploração do trabalhador, que constantemente busca superar-se, ultrapassando, muitas vezes, seu período de trabalho sem remuneração. Para safar-se das horas extras, a empresa, através de seus gerentes, influencia cautelosamente os trabalhadores a registrarem seus cartões de ponto e voltarem ao trabalho.Na ausência de bons salários as redes tentam inculcar o espírito de equipe nos jovens. Àqueles que não trabalham com afinco, que chegam tarde ou que relutam em ficar além do horário é transmitida a noção de que estão dificultando a vida de todos os demais, deixando os amigos e colegas na mão. (SCHLOSSER, 2002, p. 102)Verifica-se que as práticas trabalhistas do McDonald’s são semelhantes à do sistema de linha de montagem, como o fordismo, em que existe a divisão do trabalho, mesclada hoje com o toyotismo:No balcão da frente, caixas registradoras computadorizadas soltam seus pedidos. Assim que um pedido é feito, botões se acendem, sugerindo outros itens do cardápio a serem acrescentados. Os funcionários que trabalham no balcão são instruídos a aumentar o tamanho de um pedido com recomendações de promoções especiais, empurrando sobremesas, apontando para a lógica financeira por traz da compra de um refrigerante maior. Ao mesmo tempo em que fazem isso, são instruídos a se comportarem de maneira agradável e amigável. (SCHLOSSER, 2002, p. 96)Para o sucesso desta forma de organização nos restaurantes, a rede investe pesado no treinamento de sua gerência, que coordena diretamente o trabalho dos atendentes. De acordo com um dos gerentes que entrevistamos, seu perfil deve ser de alguém simpático, orgulhoso da empresa em que trabalha, um exemplo a ser seguido, já que iniciou sua carreira como atendente ; no entanto, nem todos conseguem manter esta simpatia constante. Em muitas entrevistas, os atendentes reclamaram da forma de tratamento dos gerentes, que muitas vezes agem com estupidez e gritam, fazendo exigências impossíveis de serem cumpridas. Como disse um funcionário, “na hora de maior movimento a gente tem de fazer as coisas ainda mais rápido, e se é um dia que a gente não tá muito ligado, o gerente grita mesmo” (Funcionário do McDonald’s, em entrevista para esta pesquisa).A estratégia construída pela rede torna a recompensa verbal um substituto do pagamento de horas-extras e de melhores salários, ocultando, desta forma, a verdadeira intenção da empresa, que é de maior exploração da força de trabalho e, conseqüentemente, maior lucratividade.O lucro, desta forma, é a sustentação do sistema capitalista, que inverte propositalmente sua lógica, separando o trabalhador do que produz, ou seja, o criador é separado de sua criação, o que acarreta a construção metafísica do processo produtivo social.O misterioso da forma mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social existente fora deles, entre objetos. Por meio desse qüiproquó os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas físicas metafísicas ou sociais. (MARX, 1983, p. 71)A nossa pesquisa sobre a rede McDonald’s evidenciou que o trabalho continua a ser, na sociedade contemporânea, uma centralidade fundamentalmente humana, havendo, sim, uma amplitude do entendimento do que vem a ser o ser social da classe trabalhadora.Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então, todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletário industrial, dos assalariados do setor de serviços, também os proletários rurais, que vendem sua força de trabalho para o capital. Essa noção incorpora o proletário precarizado, o subproletário moderno part time, o novo proletário dos Mcdonald’s, os trabalhadores terceirizados e precarizados, os trabalhadores da economia informal, além dos trabalhadores desempregados (ANTUNES, 2000, p. 103).O que já foi demonstrado nos escritos de Marx, que aponta para a ruptura do trabalho com a lógica do capital, permanece, uma vez que a forma de produzir continua sendo ditada pelo capitalismo. O trabalhador não perde, dessa maneira, seu potencial criador de valor, havendo, sim, uma mudança no interior desta categoria trabalho , com aumento da tecnologia. Nem por isso deixa de ser um modelo capitalista de produção, havendo somente uma mudança na produção de mercadorias, própria do sistema capitalista. Diretamente relacionada com este assunto, entendemos ser a ideologia o momento ideal da ação humana. Como declara Lukács: “nasce direta e necessariamente do hic et nunc sociedade” (LUKÁCS, 1981, p. 446)27.Esse poder que a ideologia exerce desempenha função específica e determinada por uma dada situação social favorável à sua tendência e ao seu desenvolvimento histórico, como Lukács coloca. Apenas com o intuito de delimitarmos o que compreendemos por ideologia, afastamo-nos da utilização que a reduz a simples falseamento da consciência, uma vez que a:Ideologia não é a consciência, mas uma forma específica desta; especificidade cujo traço marcante é o de estar voltado à prática, o de estar presente em toda a prática humano-social. Tendo em vista essa sua característica essencial, a ideologia não pode ser o mesmo que consciência da realidade, pois as generalizações produzidas pela ideologia estão sempre orientadas pela práxis, pelo objetivo de transformar ou manter uma realidade dada. (LUKÁCS apud VAISMAN, 1986, p. 53)Sendo assim, a ideologia funciona como um momento ideal que antecede e orienta a ação, na medida em que a espécie humana é um ser fundamentalmente prático. Neste sentido, o enfoque que nossa pesquisa aborda passa necessariamente pelo poder da ideologia, uma vez que as condições capitalistas exigem do trabalhador práticas que são contrárias aos seus interesses:O poder da ideologia dominante é indubitavelmente imenso, mas isso não ocorre simplesmente em função da força material esmagadora e do correspondente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes. Tal poder ideológico só pode prevalecer graças à vantagem da mistificação, por meio da qual as pessoas que sofrem as conseqüências da ordem estabelecida podem ser induzidas a endossar, consensualmente, valores e políticas práticas que são de fato absolutamente contrários aos seus interesses vitais. (MÉSZÁROS, 1996, p. 26)No tocante especificamente ao que estamos tratando, para a realização de uma maior exploração, o trabalhador precisa estar em “harmonia” com as práticas determinadas.Obrigar as pessoas a se submeter aos ditames do trabalho realizado como um “hábito” mecânico – ditames que emanam do impulso inexorável do capital para o lucro – foi transformado em uma virtude inquestionável. (MÉSZÁROS, 1996, p. 89)O discurso sobre as novas formas de trabalho é, fundamentalmente , uma racionalização ideológica que, se não aplicada na prática, poderá gerar conflitos de classes. Assim, para aprovar a contínua viabilidade da ordem econômica estabelecida, a ideologia desempenha um papel importante no processo de readaptações estruturais.”---É isso!


Fonte:CARMEN LUCIA RODRIGUES ALVES: “O EVANGELHO SEGUNDO O McDONALD’S UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA FAST-FOOD”. (Dissertação apresentada aoPrograma de Estudos PósGraduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História (Área de Concentração: História Social), sob orientação do Prof. Dr. Antonio Rago Filho). Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 2006 .

Nota: A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Comparando os modelos de colonização






CIEP 289 CECÍLIO BARBOSA DA PAIXÃO
CURSO NORMAL
ASSUNTO: COMPARANDO OS MODELOS DE COLONIZAÇÃO
DISCIPLINA: HISTÓRIA
PROFESSOR: Alexandre

OUTROS OLHARES
“Por que os EUA são tão ricos e nós brasileiros somos tão pobres? Por que as coisas parecem dar certo lá e aqui não? Essas perguntas já passaram muitas vezes pelas cabeças dos brasileiros como você querido aluno? Para explicar essas diferenças enormes foram gastos rolos de papel e rios de tinta.
As explicações de maior sucesso são sempre as mais simples, mesmo que a realidade seja muito complexa. Uma dessas explicações, talvez a pior de todas, diz que há colônias de exploração e colônias de povoamento.
As colônias de exploração, é claro, seriam as ibéricas. Como diz o nome, as áreas colonizadas por Portugal e Espanha existiriam apenas para enriquecer as metrópoles. Nesse tipo de colônia, as pessoas sairiam da Europa apenas para enriquecer e volta ao país de origem. Essa verdade tão cômoda explica o subdesenvolvimento de países como Peru, Brasil e México: todos eles foram colônias de exploração (...).
O oposto de colônias de exploração seriam as de povoamento. Para essas, as pessoas iriam não para enriquecer e voltar, mas para morar na nova terra. Logo, sua atitude não seria predatória, mas preocupada com o desenvolvimento das áreas anglo-saxônicas, como os EUA e o Canadá.
Há uma ideia associada a esta que versa sobre a qualidade dos colonos. Para as colônias de exploração as metrópoles enviaram o ‘resto’: aventureiros sem valor que chegariam aqui como olhos fixos na cobiça e no desejo de ascensão. As colônias de povoamento receberiam o que houvesse de melhor nas metrópoles, gente de valor que, perseguida na Europa, viria, resignada, com seus bens e cultura para o Novo Mundo.
Esse argumento por vezes implica posições ainda mais absurdas, posto que racistas: os ingleses seria uma raça mais desenvolvida; os portugueses e espanhóis, pelo contrário, uma raça inferior.
Pronto! A explicação é perfeita! Somos porque fomos explorados por uma gentalha medonha! Os EUA são ricos porque tiveram o privilégio da colonização do alto nível da Inglaterra. Como você sabe, nossa cultura adora explicações de dois opostos: Deus e o Diabo, povoamento e exploração, Fluminense e Flamengo, preto e branco, isto é, uma explicação maniqueísta, um bom e um mal. (...)
Há outra explicação? (...)
A América Ibérica foi, em quase todos os sentidos mais organizada, planejada e metódica que a Anglo-Saxônica. Caso atribuamos valor à organização, é inegável que a colonização Ibérica foi muito ‘melhor’ que a anglo-saxônica.
Na verdade, só podemos falar em projeto colonial nas áreas portuguesa e espanhola. Só nelas houve preocupação constante e sistemática quanto às questões da América. A colonização da América do Norte inglesa (...) foi assistemática – Que não tem sistema.
No século XVII, quando a América Espanhola já apresentava universidades, bispados, produções literárias e artísticas de várias gerações, a costa inglesa da América do Norte era um amontoado de pequenas aldeias atacadas por índios e rondadas pela fome.
Portugal e Espanha mandavam para a América, na época da conquista, alguns de seus membros mais ilustres e preparados. Dentre os primeiros franciscanos que foram ao México, por exemplo, estava Pedro de Gante, parente do próprio imperador. No Brasil, a nova e entusiasmada ordem dos jesuítas veio junto com o primeiro governador-geral. Não seria para melhor explorar os recursos da nova terra? Nem de longe podemos afirmar que semelhante fenômeno tenha ocorrido na fase da conquista da América inglesa.
Decorridos cem anos do início da colonização, caso comparássemos as duas Américas, constataríamos que a ibérica é muito mais urbana, com mais comércio, maior população e produções culturais e artísticas mais ‘desenvolvidas’ que a inglesa. Exatamente ai vai residir a maior facilidade dos colonos norte-americanos em proclamarem a sua independência. Os maus casamentos terminam antes dos bons. A falta de um efetivo projeto colonial foi o que aproximou os EUA da independência. As Trezes Colônias nascem sem a tutela direta do Estado. É por ter sido ‘fraca’ (...) que a colonização inglesa deu origem à primeira independência vitoriosa da América.
Continuando nesse caminho, notamos elementos que não confirmam a ideia de exploração e povoamento. O mundo ibérico dá a ideia de permanência. Construir e reformar permanentemente, ao longo de três séculos, uma catedral como a da cidade do México não é atitude típica de quem quer apenas enriquecer e voltar para a Europa. A solidez das cidades coloniais espanholas, seus traçados urbanos e suas pesadas construções não são harmônicas com um projeto de exploração imediata.
As pessoas que falam desses ‘ideais’ de enriquecimento fácil parecem imaginar que um espanhol cobiçoso embarcava em um avião em Sevilha e, horas depois, desembarcavam na América. Essas pessoas não levam em conta o imenso desconforto de uma viagem de navio, onde o desconhecido se aliava a provisões podres e altos riscos de naufrágios, piratas e corsários.
O europeu que viesse para a América, em primeiro lugar, deveria ser de uma extrema coragem (...). é óbvio que a atração das riquezas da América foi forte. No entanto, é óbvio também que apenas as autoridades metropolitanas tinham liberdade de ir e vir.
No limite do cômico, aqueles que apelam para a explicação de colônias de povoamento e exploração parecem dizer que, caso um colono em Boston, no século XVII, encontrasse um monte de ouro no quintal, ele diria: ‘não vou pegar esse ouro porque sou um colono de povoamento, não de exploração, vim aqui para trabalhar, não para ficar rico e voltar’.
Em se tratando da colonização ibérica, devemos seguir o conselho de Janice Theodoro da Silva; ‘desconfia da empresa e degustar a epopéia’. A epopéia inclui a exploração mercantilista, mas não se reduziu a ela.
Não é, certamente, nessa redução de exploração e povoamento que encontraremos as respostas para as diferenças tão gritantes na América.”

(KARNAL, Leandro. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo; Contexto, 2001. Texto adaptado)

DESAFIOS
1) Quais os argumentos utilizados para classificar as colonizações de povoamento e exploração?

2) Quais as consequências da teoria de colônias de povoamento e de exploração, segundo o autor?

3) Como Leandro Karnal contradiz a tese de colônias de exploração e de povoamento?

Aluna:_____________________________________________________________ nº________

terça-feira, 5 de julho de 2011

Jô Soares entrevista Alberto da Costa e Silva 24/06/2011 (Parte 2 de 2)

Jô Soares entrevista Alberto da Costa e Silva 24/06/2011 (Parte 1 de 2)


Atividades para o primeiro ano do Ensino Médio.
Assita os vídeos e leia a entrevista em seguida responda as questões propostas.




SEM A ÁFRICA O BRASIL NÃO EXISTIRIA



ALBERTO DA COSTA E SILVA
Revista de História
21/9/2007
Em 1963, Alberto da Costa e Silva ouviu de um professor de Oxford, Hugh Trevor-Hopper, que não existia uma História da África subsaariana, mas somente a História dos europeus no continente, “porque o resto era escuridão, e a escuridão não é matéria da História”. Foi nessa época que o historiador, poeta e diplomata brasileiro começou a pesquisar com afinco a História do continente africano, matéria de incontáveis artigos e ensaios – e também dos monumentais A enxada e a lança e A manilha e o libambo, dois primeiros volumes de uma ambiciosa História do continente negro, aos quais logo se juntará um terceiro, que tratará do tema até o fim da Primeira Guerra, como ele revela nesta entrevista à Revista de História.
Filho do poeta Da Costa e Silva, Alberto nasceu em São Paulo, em 1931. Formado pelo Instituto Rio Branco, no ano de 1957, serviu como diplomata em Lisboa, Caracas, Washington, Madri e Roma, antes de ser embaixador na Nigéria e no Benim, em Portugal, na Colômbia e no Paraguai. Foi chefe do Departamento Cultural, Subsecretário-Geral e Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores. Membro da Academia Brasileira de Letras, é o mais importante estudioso brasileiro das relações entre o Brasil e a África negra. Para essa entrevista, Alberto abriu o seu apartamento no Rio, cercado de máscaras, estátuas, tapetes e toda sorte de objetos que recolheu ao longo da vida: um pedaço da África no coração do bairro de Laranjeiras.
REVISTA de HISTÓRIA Vamos falar um pouco da sua história.
ALBERTO DA COSTA E SILVA Nasci numa biblioteca. Sou como Baudelaire, meu berço ficava na biblioteca. Sou um homem de letras, um poeta, cresci entre livros. Meu avô materno era um comerciante de borracha na Amazônia, mas tinha uma enorme biblioteca jurídica e filosófica. O hobby dele era estudar Direito. De certa maneira, o mundo sempre me chegou pelos livros. Desde menino tive essas duas paixões: a poesia e a História. E tenho a impressão de que o poeta ajuda o historiador – o poeta intui esse muito de imaginação de que você necessita para tentar restaurar um tempo que já passou – e que, de certa forma, você jamais pode dissociar a História das artes literárias, pois a História surge como um gênero literário e é um gênero literário até hoje. Não importa muito se você aceita inteiramente o que está em Gibbons, Michelet, Burckhardt ou Huizinga. O fato é que você continua a lê-los porque eles apresentam o retrato pessoal do que eles achavam que era o passado, e esta visão pessoal é o poeta quem a dá. Num certo sentido, eles eram poetas. Nasci em São Paulo, criei-me em Fortaleza, e, aos 13 anos, vim para o Rio de Janeiro. Meu pai era do Piauí, mas se encontrava em São Paulo como alto funcionário do Governo Federal quando houve a Revolução de 32, e precisou abandonar a cidade. Pouco depois ele teve um problema neurológico e perdeu o uso da razão. Tinha 42 ou 43 anos. Passou o resto da vida sentado, lendo seus livrinhos. Às vezes ele lia em voz alta para mim, foi o meu grande companheiro de infância. Lia Walt Whitman em inglês. Eu não sabia inglês, mas sabia que aquilo era bonito, tinha a noção de que as palavras possuem valor musical próprio, independente do significado. Então me criei com um homem enfermo, mas que me abriu muitos horizontes. Vim para o Rio de Janeiro aos 13, 14 anos. Estudei no Colégio São José e no Instituto Lafayette. Quando, mais tarde, entrei para a Faculdade de Direito, fui trabalhar na Biblioteca Nacional, na seção de Manuscritos, com José Honório Rodrigues. Trabalhei na catalogação e identificação da coleção de Alexandre Rodrigues Ferreira, e também na coleção do Visconde do Rio Branco. Aí, como era normal entre os adolescentes, eu tive a minha tuberculose e fui para Campos do Jordão, onde fiquei três anos. Lá, tive um companheiro de quarto, um alemão chamado Rolf, que era filho de Waldemar Wreszinski, professor de História Antiga na Universidade de Königsberg e autor de três volumes monumentais sobre a medicina no Antigo Egito. O Professor Wreszinski morreu no início do nazismo, desgostoso com a evolução dos acontecimentos na Alemanha, e o filho imigrou para o Brasil. Rolf me abriu muitos horizontes, porque era um homem de uma amplidão cultural como existem poucos no Brasil.
RH O senhor já pensava em seguir a carreira diplomática?
ACS De volta ao Rio de Janeiro, resolvi fazer concurso para o Itamaraty. Na realidade, o que eu queria era ser antropólogo, mas com a doença a antropologia foi descartada. Resolvi ser diplomata para tirar a desforra do Barão do Rio Branco, que selecionava os diplomatas num almoço no Itamaraty. Ele chamava os jovens para almoçar e depois decidia se o sujeito entrava ou não. Ao que parece, ele era bom examinador, pois na época o nível da diplomacia brasileira era muito alto. Mas acho que com o meu pai ele foi injusto, porque, depois do almoço com meu pai, disse-lhe: “Da Costa – era como meu pai era conhecido –, você é muito inteligente, fala francês muito bem, conhece inglês, alemão, espanhol, mas você é muito feio.” Meu pai não era bonito, mas também não era tão feio assim, era um nordestino franzino, e era estrábico. O Barão continuou: “Já dizem que o Brasil é o país dos macaquinhos, e se você for lá para fora vão verificar que isso é verdade.” O Pedro Nava narra essa impiedade do Barão do Rio Branco em O Balão Cativo, mas eu já conhecia o episódio por tradição familiar. Então pensei: eu sou menos feio que meu pai, e o Itamaraty não tem mais esses critérios, então vou fazer o exame para o Instituto Rio Branco. E deu certo.
RH Que lembranças o senhor tem do tempo em que morou na África?
ACS A primeira impressão que tive foi a de entrar num mundo culturalmente rico. O colonialismo na África tinha sido de superfície, pelo menos foi essa a impressão quando nela estive pela primeira vez. A cultura africana continuava viva e bem de saúde. Foi uma impressão que já tinha tido, curiosamente, anos antes, durante negociações com os japoneses, no Itamaraty. Tudo que era ocidentalizado neles era de superfície, a cultura era diferente da nossa, embora sempre participando da cultura humana que é a mais geral de todas. Há duas coisas na África Ocidental que são muito marcantes: os valores familiares e o respeito à idade. Ninguém se aproxima de uma pessoa mais velha sem uma postura de respeito, a olhar o mais velho na mesma altura dos olhos, mas sempre de joelhos ou de cócoras. São marcas da maneira de viver, assim como o respeito imenso que se tem pelas crianças, que são tratadas de igual para igual. Na verdade, a África, como unidade, não existe, é uma invenção nossa. O que existe são numerosos povos de culturas diferentes, que, da mesma maneira que os europeus, possuem alguns elementos culturais básicos comuns. Não há nada mais diferente culturalmente que um espanhol e um escandinavo, ou um inglês e um russo.
RH Fale sobre o seu apego à África.
ACS Foi a partir dos meus 15, 16 anos, que comecei a me interessar pela África. Li Casa Grande e Senzala e foi um deslumbramento. Logo ficou muito claro para mim que não se podia entender o Brasil e não se podia escrever sobre o Brasil sem conhecer a África. E nós tínhamos uma História que era uma transposição lusa para o continente americano. Nós nos víamos como portugueses exilados nos trópicos. E não éramos exatamente aquilo, éramos muito mais do que portugueses exilados nos trópicos. Tínhamos um componente africano que era nítido, e mais tarde eu pude compreender isso quando vivi na Nigéria. Notei que os movimentos brasileiros são, em grande parte, movimentos africanos. A maneira de sentar dos brasileiros não é portuguesa, eu vivi em Portugal oito anos, conheço muito Portugal. Você só vê gente deitada em cima do muro em dois lugares do mundo, no Brasil e na África, em qualquer outro lugar o sujeito cai. E eu vi isso em países africanos: na Nigéria, no Benim, no Congo, o sujeito deitadinho em cima do muro e dormindo sem cair. No Itamaraty, entre 1958 e 1960, li tudo o que me chegava sobre a África das Embaixadas em Londres, Paris, Bruxelas, Lisboa e Nações Unidas. E me embrenhei na biblioteca do Itamaraty, onde havia muita coisa sobre o continente. Lá encontrei o Valentim Fernandes, o Ramusio (Giovan Battista) na primeira edição, que era do Barão. Li Leão Africano, o Relato do Piloto Anônimo, o Esmeraldo de situ orbis, do Duarte Pacheco Pereira, João de Barros... Comecei a procurar a África nos antigos autores portugueses e descobri uma riqueza espantosa, até mesmo em Camões, no Canto V dos Lusíadas, que é uma visão extraordinariamente poética e real da costa africana. Ele mostra um espanto semelhante ao que tive ao chegar à Nigéria em 1960, o espanto que tomou Vasco da Gama ao chegar a Moçambique, Quiloa, Mombaça, Zanzibar, quando topou com aquele mundo de barcos, aquele comércio enorme que a África Oriental tinha com a Índia, com a China e com a Indonésia. Então fui para Portugal e meu chefe, que era Negrão de Lima, me pôs a cuidar dos assuntos africanos e a acompanhar o que se passava na África Portuguesa. Os anos 60 marcam o início da renovação dos estudos africanos, que vinham numa perspectiva diferente, mais antropológica, mais etnográfica do que histórica. Nos anos 60 os estudos históricos foram impulsionados pelo processo de descolonização da África, e foi nessa época que o Itamaraty começou a me mandar para lá: Nigéria, Etiópia, Daomé, Togo, Gana, Camarões, Angola, Serra Leoa, Libéria e Senegal. Conheci esses países todos à custa do erário público. Estou devolvendo um pouco do que investiram em mim.
RH E quando o senhor decidiu escrever sobre a História africana?
ACS Um dia, numa discussão com Carlos Lacerda a respeito da guerra civil angolana, mencionei coisas históricas relativas ao passado de Angola e Carlos me disse: “Alberto, você sabe tudo isso sobre a África e guarda para si? Você tem a obrigação intelectual de pôr isso no papel, de publicar, de transmitir o que sabe!”. Fui para casa e decidi escrever sobre a África. Foi quando comecei a trabalhar no livro A enxada e a lança, em 1975 ou 1976. Eu tinha pouco tempo para escrever, estava em Madri e comecei a juntar minhas notas. Depois de Madri eu fui para Roma, na época do seqüestro de Aldo Moro, das Brigadas Vermelhas, da crise da democracia cristã, um momento complicado. Depois fui para a Nigéria, continuei escrevendo, e vim para o Brasil para ser chefe do departamento cultural do Itamaraty e subsecretário geral do Ministério. Eu escrevia todos os dias de manhã, das seis às oito. Passei dez anos escrevendo A enxada e a lança. Curiosamente, o livro teve uma boa aceitação. Foi praticamente o primeiro livro sobre História africana que se publicou no país. Imediatamente comecei a escrever a continuação, A manilha e o libambo, e agora quero dedicar-me ao terceiro volume.
RH Como será esse livro?
ACS Será sobre os séculos XVIII e XIX na África, quando ocorre o verdadeiro impacto europeu. Até 1700, o comércio de escravos foi bastante reduzido e estava localizado em determinadas áreas da África, pouco extensas. No século XVIII começaram a ser trazidas para a América grandes massas de escravos, na maior migração forçada da história da humanidade. Foi então que a Europa começou a entrar de verdade na África. A história do colonialismo, no entanto, só começa no fim do século XIX, quando a Europa consegue romper a casca da África. A África era como uma laranja, e os europeus foram picando a casca. Só a partir do século XVIII eles começaram a entrar na polpa branca da laranja. E foi somente no fim do século XIX que eles entraram nos gomos da fruta. Eu quero mostrar como os reinos africanos, como as estruturas políticas africanas, desde as mais elaboradas até as mais simples, de aldeias-estados e de microestados, reagiram à entrada dos europeus, como se opuseram aos europeus, como se organizaram e como surgiram, em resposta ao desafio europeu, novas estruturas políticas. Este é o aspecto mais fascinante da História da África, aquele que sempre mais me seduziu, mas eu não podia tratar dele sem tratar antes dos outros. Eu tinha que começar pela pré-história da África, para dar sentido ao que eu estava fazendo. Eu mostro como os europeus chegaram lá como hóspedes e como foram tratados como tal. Antes do século XIX, não havia impérios nem inglês, nem francês, nem português. Os portugueses tinham pequenos enclaves ao redor de Luanda, ao redor de Benguela, da ilha de Moçambique, na Zambézia, em Cachéu e em Bissau. Os ingleses possuíam um enclave na Serra Leoa. E ingleses e descendentes de holandeses e franceses dominavam espaços na África do Sul, a partir da colônia no Cabo. Fora disso, todo o domínio do continente era africano e, mesmo em alguns desses enclaves, pagavam-se tributos aos reis locais. Até que começou o lento processo de intromissão dos europeus, de desarticulação dos reinos africanos, embora alguns deles ainda sobrevivam até hoje. É um pouco a história de tudo isso, até 1918. Não pretendo entrar no processo de descolonização, que já é outra história. Eu só espero viver tempo suficiente, pois passei dez anos para escrever um livro e cinco anos para escrever o outro.
RH O senhor também escreveu Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos...
ACS Era um pesadelo que me acompanhava há muito tempo, desde a juventude, esse meu interesse por Francisco Félix de Souza, o Chachá. Eu tinha de escrever a biografia dele, e esta teve um destino ótimo para um livro de História: vendeu seis mil exemplares.
RH Como é possível comparar a relação com o sagrado na cultura africana e no Brasil?
ACS A relação com o sagrado está em todas as culturas. Não há cultura que não se ampare no sagrado, quer seja ele religioso ou não. Mesmo os laicos do Ocidente europeu estão na realidade ligados ao sagrado: o sagrado da igualdade, da liberdade e da fraternidade. Em povos com tradição monárquica, a força do sagrado também é muito forte. Entre os antigos estados africanos, a presença do divino era permanente. Era o divino que explicava o presente.
RH Que outras trocas ocorreram entre esses dois lados, Brasil e África?
ACS Desde o século XVI, existiu um movimento de fluxo e refluxo. De trocas de vegetais, por exemplo. Os africanos trouxeram o inhame, a malagueta, o dendê e a maconha. Para a África foram a mandioca, a batata-doce, o caju, o abacaxi.
RH A maconha não é nativa da América?
ACS Não. A maconha vem do Oriente, passa pelo Egito, desce até Angola e vem para o Brasil. Na época colonial era usada para fumar, exatamente como hoje. Em Angola era fumada normalmente. Não sou um expert no assunto, mas o que se sabe é que a maconha veio de Angola para o Brasil, talvez já no século XVI ou XVII. Os escravos a conheciam e a trouxeram como tantas outras coisas.
RH Fale sobre a importância da diplomacia em sua vida.
ACS A diplomacia, se me tirou muito das minhas ambições intelectuais, que retomei praticamente às vésperas de me aposentar, me abriu horizontes que eu não teria conhecido se tivesse ficado permanentemente no Brasil. Servi em Portugal, por duas vezes, na Venezuela, nos Estados Unidos, na Espanha, na Itália, na Nigéria, no Benim, na Colômbia e no Paraguai, viajei por quase todo o continente africano, por boa parte das Américas e pelo Oriente Médio. O ofício de diplomata ampliou a minha visão do mundo e me fez perceber que é impossível entender os países isoladamente. Você não pode escrever História do Brasil sem ter uma perspectiva de fora, uma perspectiva portuguesa, uma perspectiva africana, uma perspectiva espanhola, e italiana, e alemã. A diplomacia me deu essa abertura. Além disso, como diplomata presenciei muitos fatos históricos: no 25 de abril, eu estava em Portugal, saí às ruas às 5h da manhã para ver a Revolução [dos Cravos]. Eu estava em Roma, na Itália, durante o seqüestro de Aldo Moro, estive em Luanda em 1961, início da rebelião, e fui à frente de batalha. Nos Estados Unidos, assisti ao movimento contra a Guerra do Vietnã, e estava em Madri durante a morte de Franco e início da monarquia constitucional. Ser testemunha da História, ver a História com meus próprios olhos, ver a História se produzindo, foi a diplomacia que me permitiu isso.
RH E o papel da memória?
ACS Quando, na mocidade, fazia entrevistas para a revista A Cigarra, não havia gravador. Tinha de prestar atenção e guardar na memória, para depois escrever. Todo mundo tinha que ter memória ou não conseguia fazer entrevista. A memória é muito importante na vida das pessoas, não há aprendizado sem memória. Se não guardar, não adianta entender. Antes, tudo dependia da memória, você tinha que guardar tudo o que via e o que ouvia, e isso era extraordinário nos viajantes dos séculos XVIII e XIX. Lendo os livros deles, você tem a impressão exata de estar vendo o que eles viam. Eles não estavam escrevendo naquele momento. Eles viam, iam para casa e faziam seus diários, seus textos, mas conseguiam guardar na retina, conseguiam guardar o que eles realmente tinham observado com muita precisão, pois não tinham máquinas fotográficas nem gravador. Eram obrigados a observar com acuidade, com cuidado e atenção os pormenores. Os viajantes eram preconceituosos, eram cheios das más noções do seu tempo, mas sabiam ver. Eram fantasiosos, mas a fantasia ajuda. Coleridge fez aquela distinção entre fantasia e imaginação: a fantasia pode ser prejudicial, mas a imaginação é a fantasia organizada.


terça-feira, 28 de junho de 2011

Planos de aula - em mitologias africanas









Imagem do evento.


Docentes da Educação Básica, bibliotecários e pesquisadores participantes do I Curso Mitologias Africanas e Afro-Brasileiras, realizado no último mês de março (RJ), pela Revista África e Africanidades, produziram reflexões e planejamentos de atividades pedagógicas sobre o tema, como atividades práticas do curso.


►Abaixo o meu plano de aula (em PDF).

História: África e Africanos no Brasil, por Alexandre Wilson S. da Silva
A participação dos africanos e afrodescendentes na formação da sociedade brasileira.

No site da revista você encontrará outros planos de aula em diversas áreas como literatura, sociologia, biologia entre outros.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista com o professor Ricardo Salles (UNIRIO)

** Entrevista com Ricardo Salles, professor de História da UNIRIO e presidente da ANPUH RJ



Por uma história com mais liberdade
Historiador discute sobre seu trabalho como presidente da ANPUH-RJ e também sobre suas pesquisas em História do Brasil Império

Um namoro comprido e complicado. É assim que o historiador Ricardo Sallesdefine a sua relação com história. Este namoro, porém, teve um final feliz. Virou até casamento. Salles tem hoje uma vida totalmente dedicada à história: possui diversos livros publicados na área, é professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO-RJ) e ainda é presidente da Associação Nacional de História, regional do Rio de Janeiro (ANPUH-RJ).

Em entrevista ao Conversa Cappuccino, Salles revela os detalhes desse riquíssimo namoro com a História. O historiador fala também sobre o papel da ANPUH, a regulamentação da profissão de historiador no Brasil e, claro, sobre seus temas de estudos: Guerra do Paraguai, Escravidão e Joaquim Nabuco.

Prepare o Cappuccino, leia a entrevista e, se desejar, deixe seu comentário!

CAFÉ HISTÓRIA - Professor Ricardo Salles, muito obrigado por aceitar a entrevista para a seção Conversa Cappuccino, do Café História. Nossa primeira pergunta sempre revela memórias interessantes de nossos entrevistados: como começou o seu envolvimento com a história? Sempre foi sua intenção ser historiador?

RICARDO SALLES - Meu namoro com a História foi comprido e complicado. Começou quando eu tinha uns 16, 17 anos, ainda no ginásio, na segunda metade da década de 1960. Na época, ao menos em minha família, as opções de carreira eram Engenharia ou Medicina e, em menor grau, Direito. Minha opção era pela Medicina. Gostava de História, principalmente de História Militar, da Segunda Guerra Mundial e da Guerra do Paraguai, que passei a conhecer através de meu professor de História, Delamare. Quando terminei o ginásio no Colégio Santo Agostinho, fui fazer o científico para Medicina no Colégio Rio de Janeiro. Lá o contato com o professor de Estudos Sociais, Afonso Celso Vilella de Carvalho, também diretor da Faculdade de Museologia, que funcionava em um anexo ao Museu Histórico Nacional, e estudioso da Guerra do Paraguai, fez com que me decidisse a mudar para a História. O segundo ano do segundo grau, já fiz no Clássico. Em 1970, fiz o último ano do Clássico junto com o "cursinho" Platão. Tive umas poucas aulas com Ilmar Rohloff de Mattos, que logo deixou o curso. Ele ainda foi meu professor na faculdade e sua influência na minha formação de historiador e professor é muito grande. Outras influências foram a Eulália Lahmeyer Lobo, de quem tive o privilégio de ser estagiário em um projeto de História do Rio de Janeiro, com quem aprendi a pesquisar, e Francisco Jacques Alvarenga, que no curto espaço de um excelente curso, me apresentou a Revolução Francesa e seus historiadores, além de Eric Hobsbawm, tema e autor que ainda me são muito caros.

Em 1971 ingressei no Curso de História da PUC-Rio. Desde o ano anterior estava engajado na militância política de esquerda marxista. O marxismo foi e ainda é a principal vertente de minha formação moral e intelectual. A militância acabou me levando a abandonar o curso, quando pouco faltava para sua conclusão.

Depois, minha vida tomou outros rumos pessoais e profissionais e só retomei o namoro com a História em fins da década de 1980, quando escrevi um livro sobre a Guerra do Paraguai, ainda sem ter retomado a faculdade. Isso, só fiz em 1995, que é quando podemos dizer que esse longo namoro com a História, cheio de idas e vindas, se transformou em casamento. Em fins de 2000, defendi minha tese de doutorado e, em 2002, ingressei como professor na UERJ-FFP, de onde saí em fins de 2008, e na Unirio.

CAFÉ HISTÓRIA - No mestrado e no doutorado, seus trabalhos lidam com a figura de Joaquim Nabuco (1849-1910), um dos grandes nomes da política do Império Brasileiro, também um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Por que Joaquim Nabuco mobilizou a sua atenção?

RICARDO SALLES - Tomei contato com Joaquim Nabuco quando ainda escrevia meu primeiro livro sobre a Guerra do Paraguai. Uma frase de um discurso seu, durante a campanha abolicionista, serve de epígrafe. O contato se aprofundou quando, em seguida, me debrucei sobre o projeto de escrever Nostalgia imperial. Então, Nabuco me pareceu um personagem fascinante e, principalmente, intrigante. Como ele podia ser, ao mesmo tempo, monarquista e abolicionista radical? Quando terminei de escrever o livro, ali por volta de 1993, imediatamente me veio a idéia de escrever um estudo biográfico sobre Nabuco. O projeto contemplava também o desafio de pensar um indivíduo e seu contexto. No caso de Nabuco, o desafio era ainda maior porque ele não se encaixava facilmente no que podia se esperar dele por suas origens, relações sociais, etc. Estava nisso quando retomei a faculdade e o projeto se tornou um projeto de tese.

CAFÉ HISTÓRIA - Muitas pessoas acreditam que a escravidão era algo plenamente aceito pelas sociedades modernas, até mesmo aquelas do século XIX. Isso é verdade? É possível dizer que o empenho de Joaquim Nabuco contra a escravidão, no Brasil, mostra o contrário?

RICARDO SALLES - A escravidão moderna – indígena e africana – nasce sob contestação. Basta recordar a polêmica travada por Las Casas ainda no século XVI sobre o assunto. Mas, é evidente que ela se "naturalizou" na mentalidade européia, ao menos quando praticada nas áreas coloniais. No século XVIII, a escravidão voltou a sofrer críticas e, com a Revolução Haitiana de 1791-1804, contestação aberta, com o surgimento de um movimento abolicionista de caráter internacional. Mesmo assim, essa escravidão contestada renasceu, com força redobrada, com a reorganização do mercado internacional sob a égide do capitalismo inglês, naquilo que o historiador norte-americano Dale Tomich chama de Segunda Escravidão. Essa Escravidão afetou principalmente os processos de formação nacional nos Estados Unidos, Brasil e Cuba (ainda que a ilha tenha permanecido como colônia espanhola até o final do século XIX). Nos Estados Unidos, desde a independência a escravidão sofreu uma contestação política ativa, que só terminou na sangrenta Guerra Civil de 1861-1865. No Brasil, a situação foi diferente. Uma voz aqui e outra ali viam uma incompatibilidade entre a construção de uma nova nação e a permanência da escravidão. Na prática, a partir de 1835-37, até 1888, o Estado imperial se consolidou, adquiriu o controle sobre o território, se expandiu e, a partir de 1871, declinou defendendo a escravidão ou os interesses da classe senhorial. Joaquim Nabuco dizia, em uma passagem fundamental de O abolicionismo, que no Brasil a escravidão era elástica, isto é, porosa e flexível. Por um lado, todos – até mesmo ex-escravos – podiam ter e muitos tinham escravos. Por outro, a alforria era uma possibilidade no horizonte dos escravos. Remota, é verdade, só conquistada por pouquíssimos, mas real. O resultado é que a escravidão, até mesmo em suas últimas décadas, quando já perdia força moral, não era apenas um interesse dos grandes senhores de escravos, mas de muitos. Isso deu a ela, ainda estamos seguindo Nabuco, uma redobrada força de resistência, que tornou tão difícil e tardia sua extinção.

CAFÉ HISTÓRIA - Professor, vimos que a Guerra do Paraguai (1864-1870) está presente em suas pesquisas e já foi tema de várias publicações suas. Em vários trabalhos, o senhor relaciona esta guerra à formação da cidadania no Brasil. Como isso aconteceu? A base de nossa cidadania deve a este acontecimento histórico?

RICARDO SALLES - Em primeiro lugar, se fosse escrever o livro, eu tiraria a palavra cidadania do título. Não era de uso corrente no Brasil daquela época e, salvo engano, só foi dicionarizada em português no início do século XX. Isso, por si só, diz muita coisa do processo de constituição e alargamento dos direitos políticos no Brasil do século XIX. Mas, se a palavra não existia, o processo já estava lá. E aí eu acho que a Guerra do Paraguai é muito importante, ao menos sob três aspectos. Em primeiro lugar, pela participação de ex-escravos, libertados para engrossar as fileiras das forças armadas. Seu contingente foi menor do que até recentemente se pensava – não ultrapassou a casa dos 10% do total de combatentes – mas seu significado político e simbólico não pode ser subestimado. A partir da guerra, é claro que não exclusivamente, o debate do fim da escravidão entrou na agenda política do Império. Em segundo lugar, houve a questão da mobilização em geral. Um em cada grupo de 50 homens brasileiros foi mobilizado para a guerra e, se considerarmos somente a população alistável, com idade entre 15 e 39 anos, essa proporção cai para um em cada grupo de 25. A maioria esmagadora dessas pessoas, chamadas a defender a Pátria em uma campanha de mobilização nacional, estava fora da vida política institucional do país e desprovida ou gozando apenas de mínimos direitos. Mais uma vez, questões como o voto, a participação popular na política e, no limite, a própria natureza do regime também devem muito ao impacto causado pela guerra. Finalmente, houve um impacto específico sobre a formação de uma determinada identidade e cultura institucional do Exército. Se não se pode debitar o golpe militar de 1889 a uma influência difusa da Guerra do Paraguai na formação de um sentimento republicano no Exército, também não se deve ignorar o fato de que das lideranças militares que proclamaram e consolidaram a República eram veteranos da guerra. A guerra propiciou experiências pessoais e institucionais a partir das quais se tornou possível dissociar a lealdade ao regime da lealdade à Nação. A República foi feita em nome de uma proposta de extensão de direitos políticos, mesmo que, depois isso não tenha acontecido, ou tenha acontecido em uma escala ínfima.

CAFÉ HISTÓRIA - Em 2004, a Academia Paraguaia de História solicitou ao governo brasileiro a abertura dos arquivos secretos da Guerra do Paraguai, também conhecida como Guerra da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai), provocando alvoroço nos meios de comunicação e em alguns setores da opinião pública. Em sua opinião, esses arquivos devem ser liberados ou não? E por quê?

RICARDO SALLES - Sem dúvida! É até um pouco ridículo haver documentos vetados à pesquisa 150 anos depois dos eventos aos quais eles se referem. Não acredito que tais documentos tragam grandes novidades, no sentido de revelar coisas impensadas sobre a guerra. Durante a época da ditadura militar, muito se falava sobre os documentos secretos do Itamaraty que iriam, quando abertos, revelar questões escabrosas sobre a atuação brasileira na guerra. Na época, já havia um bom número de documentos públicos com teor suficiente para quem quisesse fazer "revelações bombásticas" sobre a guerra. As pessoas simplesmente não iam aos arquivos, mas a história dos documentos secretos corria solta. Em 1990 e alguma coisa, o Itamaraty abriu os arquivos. Eu dei uma examinada por alto na época. Acho que o José Murilo de Carvalho, se não me engano, também. Não havia nada que fosse de natureza radicalmente diferente daquilo que já se sabia. E mesmo se houvesse e, no caso, se houver, os arquivos devem ser abertos, sempre. Politicamente, hoje, isso é fundamental no que diz respeito ao período da ditadura militar.

Outro dia, num discurso de formatura, o professor Sydenham Lourenço Neto, perguntava para que servia a História. Sua resposta, que cito por minha conta e risco, foi a de que os ditadores sabiam, uma vez que as ditaduras – nos fascismos, no Leste Europeu, na América Latina, etc. – sempre tentaram, e ainda tentam manipular e censurar a História. A História deve ser livre e não há História livre sem arquivos públicos e abertos.

CAFÉ HISTÓRIA - Além de pesquisador e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), o senhor também é o atual Presidente da Associação Nacional de História (ANPUH) do Rio de Janeiro. Qual o escopo do trabalho de um presidente regional da ANPUH? Quais as principais dificuldades desse trabalho e o que ele melhor lhe acrescenta enquanto historiador?

RICARDO SALLES - Apesar de os encontros da ANPUH serem sempre muito concorridos, o número de associados ainda é muito pequeno. Pode-se fazer pouco, além de organizar os encontros. No entanto, acredito que essa situação tenha começado a mudar e que a tendência é que venha a mudar ainda mais no futuro próximo. Acredito que a ANPUH deva se fortalecer junto a toda a comunidade de historiadores, o que significa abrir seus quadros para os professores do ensino médio e fundamental e do ensino superior privado, indo além de sua influência hoje praticamente restrita aos professores das Universidades públicas. Acho também que a ANPUH deva assumir um papel mais representativo, ativo e regulatório no campo da profissão de historiador, ampliando suas bases e elevando seu perfil no diálogo com o Ministério da Educação, as secretarias de Educação, as agências de regulação e fomento à pesquisa federais e estaduais.

CAFÉ HISTÓRIA - Nos últimos anos, os encontros realizados pela ANPUH, em nível regional E nacional, vêm se tornando cada vez mais populares, com milhares de trabalhos inscritos. Em um primeiro momento isso é muito bom, pois mostra que o encontro é sólido e possui credibilidade. No entanto, seria esse volume todo de trabalho um reflexo negativo do ritmo industrial que parece ter lugar na atual construção do conhecimento científico no Brasil?

RICARDO SALLES - Não acho que o tamanho do encontro seja o problema. Hoje, há muitos cursos de graduação em História e outros tantos de pós-graduação. Assim, é muita gente se formando, se pós-graduando, ingressando no mercado de trabalho, dando aula, etc. É natural e positivo que os encontros da ANPUH reflitam essa realidade. Talvez tivéssemos que adaptar o formato, mas não creio que restringir a participação seja um bom caminho. O produtivismo e os critérios inadequados e, do meu ponto de vista, na maior parte das vezes, elitistas, de avaliação – que é legítima, necessária e deve ser feita – atuam nos níveis mais restritos, como nos critérios de seleção dos programas de pós-graduação, nas expectativas do que venha ser uma boa tese ou dissertação, por exemplo. Muitos desses critérios foram impostos à área de História a partir de parâmetros que se originam nas chamadas ciências duras. Mas, hoje, principalmente depois da experiência como presidente da ANPUH-Rio, estou convencido de que temos muita, se não a maior parte, da responsabilidade com essa situação. Em diversas ocasiões, somos mais realistas que o rei. Deixamos de ter horizontes estratégicos claros que nos orientem e passamos a nos guiar, por exemplo, por uma nota atribuída aos programas de pós-graduação. Ser programa nota 7 (a máxima), ou 6 ou 5, conforme o caso, passou a ser um valor absoluto e por isso nos guiamos, competindo uns com os outros pelos recursos escassos e, ao mesmo tempo, todos falando mal dos critérios. Acho lamentável haver um "ranking" universal dos programas de pós-graduação, um "ranking" que compara, por exemplo, os resultados obtidos por quem existe há 20 anos com quem acabou de se formar. Mas hoje, todos nos pautamos por esses critérios. Hoje são as agências de fomento que pautam a política e os parâmetros que regem a prática científica e não o contrário. Vejo o papel da ANPUH nessa área, na medida em que é uma entidade e, portanto, não está premida pela necessidade de se conformar aos critérios das agências, sob pena de perder recursos (que é o que, no fundo, acontece com os programas de pós-graduação, que congregam nossos principais expoentes profissionais), como um papel crucial. Acho, contudo, que por problemas nossos mesmos, isso ainda vai demorar um pouco a acontecer. Mas vai acontecer.

CAFÉ HISTÓRIA - Professor, uma das polêmicas mais recorrentes envolvendo o universo do historiador brasileiro diz respeito à regulamentação ou não da profissão de historiador. Como o senhor se posiciona diante dessa questão e por quê?

RICARDO SALLES - A posição da ANPUH é a favor da regulamentação e ela já propôs e acompanha junto ao Congresso o assunto. Pessoalmente já fui contra e sou contra o excesso de regras, normas, barreiras, pré-condições que acabam adquirindo vida própria e começam a reger aquilo que é o principal e que foi o que originou seu surgimento. Em larga medida, foi isso que aconteceu com o sistema de pós-graduação. Por outro lado, não estamos em mundo ideal e há a questão do mercado de trabalho para historiadores. Na medida em que não têm sua profissão regulamentada, enfrentam restrições legais em relação a áreas correlatas – como nos arquivos, por exemplo – que são reservadas a quem já fez sua regulamentação e garante, assim, sua reserva de mercado.

Resumindo, sou pessoal e genericamente, a favor de uma ampla desregulamentação para uma série de profissões, entre elas a de historiador. No momento, e como presidente da ANPUH-Rio, sou a favor da regulamentação.

CAFÉ HISTÓRIA - Voltemos à sala de aula. Atualmente, países até então secundários na geopolítica mundial, como é o caso de China e Índia, emergem como nações bastante poderosas. Na posição de professor de História Contemporânea (UNIRIO), o senhor acredita que os currículos de história ou ainda a maneira de pensarmos a história será afetada pelo crescimento dessas novas potências?

RICARDO SALLES - Já deveria, desde sempre. Os currículos eurocêntricos são parte de esquemas mentais enraizados que têm sua origem no processo histórico de dominação européia sobre outras áreas do planeta (o que se prolonga na atual fase de hegemonia norte-americana). Uma das principais funções do estudo e do ensino da História, do meu ponto de vista, deveria ser desnaturalizar aquilo que aparece como normal e natural. Estudar a China e a Índia, grandes centros civilizatórios que, de maneiras diferentes, resistiram à dominação ocidental, sempre foi e sempre será importante. Recentemente foi publicado em português um livro sobre o assunto – O roubo da História, de Jack Goody – que deveria ser referência obrigatória em nossos currículos. Agora, estudaremos a China e a Índia porque são potências ascendentes. Ótimo! Deveríamos ter começado antes.

A construção de currículos não eurocêntricos é uma questão particularmente importante para nós, um país periférico ocidental, com raízes e histórias européias, indígenas e africanas. A África já penetrou em nossos currículos, tanto do ensino médio e fundamental, quanto do ensino superior. Isso é um marco para as gerações futuras que deveremos aprofundar. A história já começou também a estudar os índios. Tomara que avancemos mais ainda.

CAFÉ HISTÓRIA - Professor Ricardo Salles, muito obrigado por conversar com o Café História. Mas antes de encerrar a conversa, o Café História gostaria de pedir que o senhor deixasse uma mensagem para os mais de 17.000 membros do Café História, professores, estudantes ou apaixonados por história de todo o Brasil e também de outros países.

RICARDO SALLES - Quero agradecer a oportunidade e louvar a iniciativa de usar a internet para promover e divulgar o trabalho dos historiadores. Não tenho dúvidas que esse é o caminho do futuro.

http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/arquivo-conversa-cappuccino-7 In.:http://grupohistoriadobrasil.blogspot.com/2011/06/entrevista-com-ricardo-salles-professor.html