Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Resenha: Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão: Um caso de parricídio do século XIX apresentado por Michel Foucault


Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão

Por Adriana Pereira Rocha

Acadêmica do Curso de Direito do CEULP/ULBRA e voluntaria do (En)Cena.




FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão: Um caso de parricídio do século XIX apresentado por Michel Foucault; tradução de Denize Lezan de Almeida. Rio de Janeiro. Edições Graal. 1977.

O parricida Jean Pierre Rivière tem seu caso publicado originalmente nos Annales d’hygiène publique et de Médecine Légale em 1836 como a junção das peças judiciárias do processo, as perícias médico legais e seu memorial. O jovem “de vinte anos, 5 pés de altura, cabelos e sobrancelhas negros, suíças negras e ralas, testa estreita, nariz médio, boca média, queixo redondo, rosto oval e cheio, tez morena e olhar oblíquo1 que, em 1835, mata sua mãe, seu irmão e sua irmã virou tema de um grupo de pesquisa interessado na história das relações entre psiquiatria e justiça penal.

A obra “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão” é resultado de um trabalho coletivo entre estudantes do Colllège de France, coordenado por Michel Foucault. Esse grupo de dez alunos expõe questionamentos intrigantes e atemporais.

O texto vincula o leitor à contextualização dos fatos, mostrando na apresentação os motivos da publicação, a relevância e repercussão do caso no período histórico e adverte a “singularidade para a época e para a nossa também” (XI, Apresentação). A sequência de homicídios impacta a civilidade francesa do século XIX, principalmente quando perpetuada por um jovem camponês, considerado ativista cristão, que justifica seus bárbaros atos por uma perspectiva “divina”.

Fomentados pela mídia local, alguns médicos afirmavam a existência da alienação mental hereditária na família do réu, fato que incidiria numa execução com fins de tratamento ao alienado. Os magistrados, por sua vez, tendem ao entendimento de que Pierre seria imputável, logo a urgência de encaminhá-lo a um tribunal do júri. Afinal, como atribuir inimputabilidade já que o indivíduo encontrava-se lúcido no momento dos homicídios e ainda demonstra notável consciência e frieza ao descrever e justificar sua barbárie familiar?

O texto é dividido em dois capítulos. Capítulo primeiro, “O Dossiê”, contendo seis seções: O Crime e a Prisão; A Instrução; O Memorial; Pareceres Médico- Legais; O Processo ; Prisão e Morte, em um total de 180 páginas. Capítulo segundo, “Notas”, é composto por sete seções, algumas feitas em conjunto: O Animal, o Louco, a Morte; Os Assassinos que se conta; As Circunstâncias Atenuantes; Regicida- Parricida; As Vidas Paralelas de Pierre Rivière; Os Médicos e os Juízes; As Intermitências da Razão, que completa as 294 páginas. O foco narrativo é em terceira pessoa, sendo um narrador observador, o que justifica a perspicácia da equipe em datar os documentos e organizá-los de forma aparentemente cronológica para que os leitores tomassem ciência conforme os fatos iam acontecendo.

Foucault, coordenador da obra, parte do pressuposto da análise das relações entre a psiquiatria e a justiça penal, daí a justificativa de conter no Dossiê, capítulo I, o processo, o memorial e os pareceres médico-legais. A evolução do direito não permitiria que se aplicasse a norma positivada, apenas, tomando grau de importância imprescindível os laudos médicos que, de formas diferentes, segundo o conhecimento e especialidade de cada um, justificam as atitudes de Pierre como resultado de sua alienação mental. Esse tensionamento entre os discursos alienista e jurista provoca mudanças na percepção da execução do réu. Inicialmente condenado à morte como parricida e fratricida, fora perdoado e convertida a pena em prisão perpétua (p. 180).

O fato de esclarecermos de antemão o desfecho da obra - prisão perpétua de Pierre – não deve desmotivar o leitor a imergir na obra coordenada por Foucault. O estilo da escrita cientifica da época, a eterna luta territorial entre os discursos médico-orgânicos e jurídico sociais tornam a leitura uma aula de história das idéias: “Rivière é originário de uma família onde a alienação mental é hereditária” (L. Vastel); as análises do transtorno familiar que o réu presenciou durante toda sua infância e adolescência, que já haviam sido levados ao judiciário em outras ocasiões (p. 84); a relação de desconforto da parte de seu pai, que várias vezes cita o anseio de suicidar-se para alcançar o fim da infelicidade por ter como esposa - ainda nas palavras de L. Vastel Caen - uma mulher de gênio obstinado, imperioso, impertinente, que o fazia mal constantemente, porém não era dona de suas ações. Seu tio, irmão de sua mãe apresenta sinais de loucura durante toda a vida, bem como dois primos e sua mãe, como já mencionado, e ainda tem-se a hereditariedade como um dos efeitos mor na produção da loucura, segundo os laudos-médicos.

Dentre o grande inventário de características assinaladas pela loucura na família do réu, observa-se o horror pelas mulheres, o desprezo pelas atitudes de mãe que maltratava o marido, seu pai, e sua própria mãe, avó de Rivière. Com intuito de livrar seu pai do sofrimento contínuo, inspirado por Deus, como escrito em seu memorial, agindo em seu nome, como expõe em seus depoimentos, decide a morte de sua mãe e com ela a de sua irmã, que sempre tomara partido da mesma. Todavia, para que seu pai gozasse da liberdade plena, era também necessário livrá-lo de seu pequeno irmão que Pierre tanto amava. Dessa forma seu pai chegaria a aplaudir a morte de seu libertador, Rivière, quando a este fosse aplicada a lei.

Enfim, esses são apenas pequenos fragmentos temáticos atravessados pela obra. Para um desdobramento mais detalhado sugerimos a leitura atenta e completa dessa produção fundamental para pessoas sedentas de conhecimento.



1 FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão: Um caso de parricídio do século XIX apresentado por Michel Foucault; tradução de Denize Lezan de Almeida. Rio de Janeiro. Edições Graal. 1977.p 11

Solidariedade a Anita Leocádia Prestes - Grande mídia tenta difamar hist...


sábado, 25 de agosto de 2012

O Sistema de Cotas - Site da Revista de da Biblioteca Nacional



Injustiça para quem?

Aprovada no Senado, nova lei de cotas evidencia a debilidade do ensino público básico no Brasil, mas representa um grande passo para a luta contra o preconceito racial no país

Alice Melo
  • Aprovada pelo Senado no início deste mês, nova lei de cotas (PLC 180/2008) aguarda sanção da presidente Dilma Rousseff para que seja colocada em prática. A medida que obriga todas as universidades e institutos tecnológicos federais a destinarem 50% de suas vagas a estudantes de escolas públicas e, dentro disso, 25% a candidatos pretos, pardos e índios; evidencia a debilidade do ensino básico no Brasil, mas representa um grande passo para a luta contra o preconceito racial no país.
    O texto começou a tramitar no Congresso no final dos anos 1990 e surgiu com intuito de reformular o sistema de ingresso universal, o vestibular. Mas o projeto foi sendo modificado com o tempo: na alvorada dos anos 2000, quando o Estado começou a implementar políticas públicas a favor de ações afirmativas, as cotas sociais e raciais passaram a ser a principal bandeira. E não é à toa: o Censo Escolar 2010 realizado pelo IBGE aponta, por exemplo, que o Brasil tem 51,5 milhões de estudantes matriculados na educação básica, sendo 43,9 milhões, estudantes das redes públicas (85,4%). Do número total de alunos que frequentam o Ensino Médio, o Censo mostra que 50,9% deles são pretos ou pardos. No ensino superior público – que possui as mais conceituadas universidades do país - 87,4% dos estudantes são oriundos de escolas particulares. Pretos, pardos e índios variam conforme o estado.
    A historiadora Verena Alberti, coordenadora de documentação do CPDOC (FGV) e professora de História na Escola Alemã Corcovado (que fica no Rio de Janeiro), diz que é a favor das cotas raciais e sociais e explica que a aprovação da lei no Senado representa, sobretudo, uma reparação de uma injustiça histórica. “Agora que o Estado do Brasil é a favor da lei de cotas, está apresentando a responsabilidade de consertar o que estava errado. E muitas vezes a gente pensa que o que estava errado estava assim por herança da escravidão, como se fosse por inércia. Mas é importante ver que o Estado, depois de 1889, instituiu políticas diferenciando a população; estimulando a imigração, o embranquecimento. Nós nunca tivemos leis de segregação racial, mas tínhamos leis que proibiam manifestações afro-brasileiras, até a década de 1920, por exemplo”.
    Alberti, que coordenou um projeto sobre a história do movimento negro no Brasil com base em relatos orais, acredita que a adoção do sistema de cotas não vai enfraquecer o ensino superior brasileiro ou invalidar políticas de melhoria na educação básica pública e acrescenta: “O curioso é que somos orgulhosos da mistura cultural no Brasil, mas quando existe a mistura física, essa miscigenação não é tão valorizada. Continua havendo o preconceito racial. Ainda que raça seja um conceito biologicamente inexistente. Acho que há necessidade de pessoas se acostumarem que negros possam fazer parte das camadas médias da sociedade, porque enquanto isso não acontecer, pessoas vão continuar morrendo devido a crimes motivados por racismo”.

    O relator do projeto aprovado na Casa, senador Paulo Paim (PT/RS) afirma que o sistema de cotas nacional vai fortalecer o ensino superior em seus dez anos de vigência. “Hoje, ficou comprovado pelas pesquisas que os cotistas têm, na maioria dos casos, notas iguais ou maiores do que os não cotistas nas universidades que já adotam o sistema de cotas [seja ele qual for]. Não tem nenhuma injustiça nisso”. A opinião de Paim não é a mesma do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), o único que votou contra a aprovação do PLC na seção deste mês. Segundo ele, o projeto “impõe uma camisa de forças para todas as universidades brasileiras". Além de afetar a excelência do ensino e tirar a autonomia das reitorias acerca do modelo de ingresso.
    A voz das pesquisas
    Apesar da opinião radicalmente contrária apresentada pelo senador Nunes Ferreira, a sociedade parece ser a favor do sistema de cotas, em sua maioria: em pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2008, 51% dos entrevistados se disseram favoráveis às cotas raciais; quando a pergunta disse respeito às cotas sociais, 86% das pessoas apoiaram a medida. O apoio popular ganha mais força quando se analisa o desempenho de cotistas em universidades que já adotam alguns sistemas: alunos que entram na universidade por meio de cotas têm notas iguais ou até maiores do que os que utilizam o sistema universal. E os índices de evasão são praticamente os mesmos que os dos alunos não cotistas, se a universidade apresenta algum programa de apoio financeiro aos mais pobres.
    Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), referentes ao biênio 2005-2006, cotistas obtiveram maior média de rendimento em 31 dos 55 cursos da Unicamp e coeficiente de rendimento (CR) igual ou superior aos de não-cotistas em 11 dos 16 cursos da UFBA. Os números se repetem em outros casos, conforme alerta a pesquisa elaborada pelo professor Jacques Velloso, da Faculdade de Educação da UnB [disponível aqui].
    “O povo brasileiro não é contrário às políticas de ações afirmativas, nem na sua versão mais polêmica, o programa de cotas. Quem as rejeita são as classes médias e as elites, inclusive intelectuais e alguns veículos de comunicação”, afirma o historiador Petrônio Domingues, professor visitante da Rutgers University (EUA). “São necessárias ações concretas para se enfrentar o problema da exclusão do negro no Brasil, mais do que ‘boas intenções’, retórica política e debates acadêmicos”, acrescenta.
    A antropóloga Yvonne Maggie, professora titular da UFRJ, é contrária à nova lei, porque acha que o governo, dessa forma, quer resolver o problema “a custo zero”. Em artigo publicado em seu blog 'A vida como ela parece ser', Maggie explica que apenas a entrada obrigatória de alunos pobres no ensino público superior não garante seu sucesso, já que o sistema vai continuar não oferecendo o apoio necessário. “Temo por esses jovens mais despreparados. Terão um longo caminho pela frente e não será fácil percorrê-lo. Já são sobreviventes do ensino médio. Já passaram pelas agruras para obter o diploma do ensino básico, cumprindo uma grade de 12 disciplinas em média por ano. Na universidade enfrentarão obstáculos mais pesados. Não há no ensino superior nenhuma preocupação em formar os menos preparados e ajudá-los a adquirir a base necessária para cumprir o currículo enciclopédico que é a regra. Ninguém presta muito atenção, mas sabemos que os mais fracos vão ficando pelo caminho”.

    Diferentes sistemas

    Em 2003, o governo do Rio de Janeiro aprovou a lei estadual que instaurava o primeiro sistema de cotas em ensino superior do Brasil: Uerj e Uenf adotaram a medida já no vestibular de 2004. Foi neste ano, aliás, que a UnB anunciou seu próprio sistema de ações afirmativas, seguida da UFBA. Há poucos meses, em votação marcante, o STF declarou o sistema de cotas raciais como constitucional, o que abriu portas para que o PLC saísse de vez da gaveta e fosse levado adiante.
    Evandro Piza, professor da Faculdade de Direito da UnB e um dos responsáveis pela criação do sistema de cotas na UFPR, anuncia que é a favor da nova lei porque ela vai obrigar as universidades que não adotavam qualquer sistema de inclusão social ou racial a passar a fazê-lo, mas se diz crítico com relação a alguns pontos. “A lei em si tem vantagem – impõe políticas de ação afirmativa direto às universidade que foram inertes. Isso é necessário. Porque a universidade é pública. Agora, por outro lado, tem uma coisa que se esquece. O debate qualificado. Cada estado tem uma necessidade diferente, por isso, o debate precisa ser diferente”.
    Piza diz que na Universidade de Brasília, quando o sistema foi implantado, percebeu-se que muitos alunos que ingressavam no ensino superior da região vinham de escolas públicas. Mas se via pouca mistura racial nos corredores. Por conta disso, 20% das vagas dessa universidade são destinadas a pretos, pardos e índios. Na UFPR, o modelo adotado destina 20% das vagas à escola pública e 10% a cotas raciais. “Sou contra as cotas destinadas à escola pública. E isso não é um argumento elitista. Ali se faz um filtro que não funciona sempre. Não pega as pessoas que tiveram chances diminuídas no ensino público, porque só cobra três anos cursados na rede. Na minha opinião, o número de anos tinha que aumentar. Para seis, por exemplo”. Além disso, ele critica o sistema de declaração de renda explicitado na lei, porque é passível de fraude.
    Bem ou mal, a lei está nas mãos da presidente Dilma Rousseff, que já tem acordo firmado com o Senado para aprovar o texto mantendo o veto ao artigo que diz respeito ao ingresso de cotistas no ensino superior sem vestibular, por meio da análise do CR obtido ao longo do ensino médio. Ou seja, para ingressar nas universidades públicas brasileiras, que ainda representam o que há de melhor no ensino superior no país, só fazendo o vestibular e tirando boas notas. Independente da cor da pele ou classe social.
  • Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/reportagem/injustica-para-quem-a

Imigrantes no Brasil (Século XIX)


Trabalhadores imigrantes no Brasil - século XIX/XX


Leide Alvarenga Turini
               (...)

                Antes da vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras, algumas experiências já haviam sido realizadas com colonos europeus no Brasil. Por exemplo, no início do século XIX, com o objetivo de promover o povoamento de algumas regiões do país, o governo brasileiro criou o sistema de colonização que consistia na instalação de imigrantes em pequenas propriedades de terra. Por esse sistema, as famílias de colonos imigrantes recebiam pequenos lotes de terra onde deveriam produzir principalmente gêneros alimentícios para o mercado interno. Pelo sistema de colonização chegaram ao Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, imigrantes alemães e suíços que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná. Colônias como a de São Leopoldo (1824) no Rio Grande do Sul e a de São Pedro de Alcântara (1828), em Santa Catarina, foram criadas dentro dos princípios do sistema de colonização. Mais tarde outras colônias foram fundadas, como a colônia Dona Francisca (hoje Joinville) e a colônia de Blumenau (1850), em Santa Catarina. As colônias estabelecidas no sul do país não representavam uma ameaça para os cafeicultores do sudeste nem para os pecuaristas gaúchos uma vez que se localizavam em áreas não ocupadas pelo latifúndio e produziam gêneros que não concorriam com os da grande lavoura. Esperava-se desses colonos imigrantes que, ao receberem terras, formassem uma camada social intermediária entre escravos e latifundiários (a categoria social dos pequenos proprietários) com a tarefa de produzir vários gêneros para o mercado interno, atendendo às necessidades dos latifúndios (cuja base era a monocultura de exportação) e dos núcleos urbanos em expansão.

                Mas foram poucos os colonos imigrantes que receberam terras e subsídios do governo brasileiro, principalmente a partir da aprovação da lei de terras de 1850. Esta lei proibiu a aquisição de terras devolutas por posse ou doação. A partir de então, a terra só poderia ser adquirida mediante título de compra. Essa lei provocou a expulsão de muitos posseiros, bem como impediu que outros trabalhadores nacionais e também imigrantes tivessem acesso a terra.

                De qualquer maneira, o sistema de colonização durou pouco. A partir de 1840, quando os proprietários paulistas passaram a defender a vinda de imigrantes para o trabalho nas lavouras de café, o sistema adotado nada tinha a ver com o que havia sido realizado nas primeiras décadas do século XIX. Conhecido como sistema de parceria, a primeira experiência ocorreu em 1847, na Fazenda Ibicaba (região de Limeira), cujo proprietário era o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Para o transporte dos imigrantes o senador Vergueiro fundou a empresa Vergueiro e Cia. Os trabalhadores imigrantes contratados eram todos camponeses empobrecidos, artesãos e operários que esperavam encontrar no Brasil o que na Europa estavam impossibilitados de obter: acesso a terra, bens materiais e condições dignas de vida.

                De acordo com o contrato de parceria, os colonos tinham todas as despesas de viagem pagas e transporte até a fazenda. Os gastos com manutenção e instalação da família, efetuados logo após a chegada dos mesmos corriam também por conta do fazendeiro. Essa gratuidade era, na verdade, apenas um adiantamento: logo que o colono iniciasse a produção deveria começar a pagar o fazendeiro com juros de 6% ao ano e, mais tarde, juros de até 12% ao ano. A cada família de colonos imigrantes era atribuído um certo número de pés de café para cultivar, colher e secar, além de um pedaço de terra para plantar gêneros de subsistência. Do lucro obtido com o café colhido, o colono deveria receber a metade, descontando-se, porém, todos os gastos com a secagem no terreiro, limpeza, beneficiamento, transportes e impostos. O fazendeiro ficaria também com a metade do lucro dos alimentos vendidos pelos colonos.

                Ainda com pouco tempo de funcionamento, o sistema de parceria acarretou vários problemas que acabaram em sérios conflitos entre as duas partes. Os colonos acusavam os fazendeiros de lhes destinar poucos cafeeiros frutíferos que produziam uma safra pequena e em terras menos acessíveis. Reclamavam dos pesos e medidas utilizados pelos proprietários que avaliavam a mercadoria em prejuízo dos colonos. Criticavam a falta de liberdade religiosa e as moradias em que eram instalados: casas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e, em algumas vezes, até antigas senzalas. Consideravam injusta a entrega de metade da produção de sua roça ao fazendeiro e desonesta a contagem dos juros. Além disso, muitos fazendeiros, ao contrário do que haviam prometido anteriormente, cobravam aluguel dos colonos. O endividamento dos colonos era permanente, pois além das dívidas contraídas com a viagem, havia também as dívidas feitas nos armazéns das fazendas. Durante o tempo em que o colono não podia colher seus próprios alimentos e, em virtude do pouco que recebiam, eram obrigados a comprar fiado nos armazéns do fazendeiro. Este comprava os alimentos a preços reduzidos e os fornecia aos colonos a preços altíssimos. Dessa maneira, muitos imigrantes endividaram-se de maneira irrecuperável, sendo que a dívida chegava a dobrar ou até mesmo triplicar seu valor em dois ou três anos e o colono acabava ficando preso ao fazendeiro, quase como um escravo.

                Os colonos não se acomodaram a esta situação. Inicialmente realizaram protestos pacíficos enviando reivindicações e críticas por escrito às autoridades locais e internacionais. Depois, recusaram-se a trabalhar e pouco a pouco muitas famílias abandonaram as fazendas. Foram inúmeros os casos de greves, rebeliões, prisões e queixas entre colonos e fazendeiros. Por outro lado, os fazendeiros se sentiam ameaçados e acusavam os colonos de indisciplinados, reclamando das freqüentes deserções de suas fazendas. Quando eram consultados sobre maneiras de melhorar o sistema, sugeriam financiamento do governo, fiscalização e repressão policial.

                Durante a década de 1860 as fazendas de café foram abandonando o sistema de parceria e, na década de 1880, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou subsidiada. Os fazendeiros paulistas organizaram, em 1886, a Sociedade Promotora de Imigração que, entre outras atividades, passou a administrar a Hospedaria dos Imigrantes, construída no mesmo ano em São Paulo, e que se tornaria um verdadeiro mercado de trabalho onde se firmavam contratos entre imigrantes e fazendeiros. Na imigração subvencionada, diferente do que ocorria no sistema de parceria, o governo brasileiro assumia a responsabilidade de arcar com as despesas de viagem dos trabalhadores imigrantes e de suas famílias e os fazendeiros arcavam com os gastos do colono durante o seu primeiro ano de vida no país. Além disso, os colonos receberiam um salário fixo anual e mais um salário de acordo com o volume da colheita, fixado por alqueire de café produzido.

(...)