Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Metodologia de Aula 3

Diários dos Jesuítas
Tinhamos pela frente uma árdua e difícil tarefa. Precisávamos estudar a Reforma e a Contra-Reforma. Para isso, fizemos um plano de “vôo” que começou com manobras simples, sem maiores acrobacias. Queríamos apenas testar nossa capacidade de voar, sem em momento algum arriscar nossa viagem, ao menos em nossa primeira etapa de viagem.
Por esse motivo, durante algumas aulas aprofundamos os conceitos relativos a Reforma Protestante e a Contra-Reforma Católica. Descobrimos quais eram as principais idéias defendidas por luteranos, calvinistas e anglicanos. Verificamos quais eram os maiores questionamentos levantados pelos protestantes em relação as práticas adotadas regularmente pela Igreja Católica (venda de indulgências, simonia, materialismo, intromissão na vida política dos reinos, violência da inquisição,…). Verificamos as medidas adotadas pelos católicos na sua tentativa de retomada do espaço perdido para os protestantes na Europa (criação do índex, surgimento da Companhia de Jesus, aperfeiçoamento dos seminários, continuidade da inquisição,…).
Para desenvolver o trabalho anterior nos pautamos em livros didáticos, sem maiores inovações. Privilegiamos um trabalho em que as diferenças entre calvinistas, anglicanos e luteranos fossem percebidas a partir da criação de tabelas com as características de cada uma dessas novas religiões. Além das diversidades os alunos perceberam os pontos comuns e estabeleceram as necessárias conexões entre os movimentos que estavam ocorrendo na Alemanha, na Inglaterra e na Suíça.
Quando começamos a falar da reação da Igreja surgiu a idéia de utilizarmos o filme “A Missão” como referência para a ação evangelizadora dos cristãos na América. Explicamos que essa mobilização católica tinha como objetivo agregar o novo continente e seus habitantes ao “rebanho” de Deus comandado pelos cristãos. Deixamos claro que essa ação jamais seria possível sem que houvesse total disciplina e muita disposição por parte dos missionários das diversas ordens cristãs que foram responsabilizadas por essa grande missão.
Esclarecemos também que entre os missionários cristãos havia uma nova ordem, recém-criada por Inácio de Loyola, composta pelos “soldados de Cristo”, conhecida como Companhia de Jesus. Extremamente preparados para o desempenho das funções, os jesuitas enfrentaram alguns dos piores desafios colocados em seus caminhos. Animais selvagens, florestas densas, calor, doenças tropicais, índios hostis, fome e alguns outros contratempos fazem parte das dificuldades pelas quais passaram esses religiosos.
Ainda não tinham enfrentado o pior. Estava por acontecer um embate com colonizadores espanhóis e portugueses na disputa pelas terras (e pela proteção dos índios que ali viviam) na região fronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai onde atualmente se localizam as ruínas históricas dos Sete Povos das Missões (monumento tombado pela Unesco, patrimônio histórico mundial). Tinham pela frente a ambição de mercenários que escravizavam e vendiam os índios das reservas nas terras portuguesas…
Depois de toda essa introdução e discussão dos assuntos relativos ao estabelecimento das missões na América, propusemos aos alunos que fossemos ver o filme. Essa era a segunda etapa do nosso plano de vôo.
Assistimos ao filme integral. Os alunos puderam perceber várias das idéias que havíamos trabalhado anteriormente. Comentaram vários pontos que consideraram importantes. Escrevemos sobre eles fazendo anotações sobre o desenrolar da história. Discutimos a visão que temos do trabalho dos religiosos na colonização do continente americano. Percebemos um pouco do trabalho dos caçadores de escravos. Entendemos as discórdias políticas que mobilizaram espanhóis, portugueses e jesuítas naquela região. Lemos o texto sobre o filme disponibilizado no Planeta Educação. Ficamos sabendo um pouco mais sobre o Tratado de Madri
O próximo passo em nosso vôo pela história daqueles missionários seria porém um pouco mais ousado. Abandonaríamos nossa trilha habitual e seríamos obrigados a ousar, a desafiar obstáculos e criar novas alternativas de caminhos…
Para isso, foi pedido que os alunos (turma do 2° Ano do Ensino Médio) se organizassem em trios. Depois esclarecemos que eles deveriam produzir documentos como se fossem os jesuítas apresentados no filme “A Missão”. Explicamos que eles deveriam se organizar para produzir documentos históricos como se esses documentos tivessem sido criados pelos próprios padres que haviam vivido aquele momento específico da história. Não lhes faltava informação e, além disso, com o prazo disponível (3 semanas) poderiam pesquisar novos subsídios para abastecer sua produção. Ficou combinado com os alunos que cada trio teria um formato a utilizar para a criação de seus documentos históricos. Dois desses grupos ficaram encarregados de produzir diários contendo as anotações de jesuítas que tivessem vivido entre os índios durante o estabelecimento das missões até seu triste desfecho. Outro grupo deveria produzir uma rádio-novela. Para isso, deveriam pesquisar junto a seus pais, tios e avós o que era e como se desenvolvia uma rádio-novela. Um terceiro grupo tinha que produzir um story-board simplificado do filme. Lembrando que story-boards são desenhos com as cenas do filme, elaboradas a pedido dos cineastas para facilitar a visualização das cenas antes mesmo do início das filmagens. A um quarto grupo de estudantes foi pedida a confecção de cartas que teriam sido enviadas pelos jesuítas a familiares ou amigos contando os acontecimentos que estavam em curso nas missões nessa metade do século XVIII. Um último grupo teria que produzir uma filmagem em que fosse apresentado o filme a partir de um telejornal ou de um programa de entrevistas.
Os resultados?
Depois de 3 semanas fomos constatar o que havia sido produzido. Durante esse meio tempo começamos a desenvolver outros temas e projetos. Trocamos idéias e acompanhamos a evolução dos trabalhos a uma certa distância. Quando chegou o dia da apresentação dos grupos todos estavam um pouco preocupados. Apesar disso, estavam confiantes de que tinham feito o melhor que podiam.
Estavam certos. Recebi diários que foram envelhecidos ou produzidos como se tivessem sido concebidos em condições pouco propícias, no meio da floresta (com a capa cheia de folhas coladas). A caligrafia desses documentos, assim como das cartas foram feitas de acordo com o modelo de letras que os grupos acreditavam prevalecer nesse período. As folhas todas estavam amareladas ou haviam sido produzidas em papel pardo para dar a idéia de um outro tempo, passado e remoto.
O story-board conseguiu sintetizar a história do filme em algumas imagens. Poderia ter ficado um pouco melhor se tivesse mais imagens, no entanto, para os fins que queríamos atingir, ficou bem interessante. O programa de televisão se apropriou do modelo do talk-show apresentado por Soares e um pretenso especialista foi entrevistado pela . A rádio-novela, com 10 minutos e dois capítulos, contou resumidamente a história do embate entre jesuítas e colonizadores com direito a efeitos sonoros e tudo o mais.
O conteúdo dos trabalhos variou em qualidade de acordo com a mídia disponível. O maior aprofundamento ficou por parte de quem produziu os diários. O formato de diário foi plenamente respeitado e os estudantes conseguiram nos contar a história dos jesuítas como se realmente tivessem vivido naquele período. Ficaram ótimos.
As cartas sintetizaram mas conseguiram apresentar as mais importantes informações. O mesmo tendo ocorrido com a rádio-novela e com o programa de televisão. Parabéns.
O melhor de tudo é constatar que eles realmente aprenderam sobre o assunto de uma forma descontraída e totalmente voluntária. Não se mostraram aborrecidos com um tema que poderia ser pesado e cansativo demais. No final, depois de terem completado a missão, todos pareciam estar muito satisfeitos. Eu ainda mais que eles…

João Luís de Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
Fonte. Acesso: 12/12/2008
Pretendo em outro momento inserir algumas imagens nesse artigo para poder completá-lo.

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