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terça-feira, 12 de junho de 2012

Conselho da Revista de História da BN pede demissão - Prosa & Verso: O Globo

Conselho da Revista de História da BN pede demissão - Prosa & Verso: O Globo

Visões de História (Matéria publicada no Jornal O Globo)


Uma visão bem parcial da História espanhola
Real Academia é criticada por buscar historiadores simpáticos a biografados

 

O ditador Franco, o principal foco de polêmica: Real Academia se negou a reformular verbete em que ele não é retratado como ditador
Foto: AFP
O ditador Franco, o principal foco de polêmica: Real Academia se negou a reformular verbete em que ele não é retratado como ditador

AFP

MADRI — Um monumental dicionário com mais de 40 mil biografias sobre espanhóis que, de alguma maneira, deixaram sua marca entre os séculos III a.C. e XX, em vez de aumentar o crédito da Real Acadêmia da História (RAH) — autora do projeto cujo presidente de honra é o rei Juan Carlos I — está levando seu prestígio a pique. Os duvidosos critérios de escolha de alguns dos mais de cinco mil historiadores para escrever sobre certos personagens — entre eles o ditador Francisco Franco, que não é citado como tal — trouxeram à luz o grande conservadorismo e escasso profissionalismo, segundo críticas de especialistas que, inclusive, assinam o chamado Dicionário Biográfico Espanhol. Procurada pelo GLOBO, a RAH, uma instituição fundada em 1738, que resiste em renovar-se, não quis se pronunciar.

— O critério usado para escolher os autores foi completamente equivocado: encomendaram as biografias às pessoas mais próximas aos biografados. No caso de Franco, foi um franquista, Luis Suárez. No caso do general Alfonso Armada, um dos responsáveis pelo golpe de Estado de 1981, quem escreveu o texto foi seu genro, marido de sua filha. O fundador da Opus Dei, Josemaría Escrivá de Balaguer, teve sua biografia escrita também por Suárez, que é membro da própria Opus Dei. Com esse critério, o resultado tinha que ser, necessariamente, ruim. Não posso colocar em meu currículo que trabalhei neste dicionário porque é um desprestígio — afirma Juan Pro Ruiz, professor de História Contemporânea da Universidade Autônoma de Madri.

As distorções não se limitam a Franco. Outras biografias apelam a elementos subjetivos, como a de Escrivá de Balaguer, que diz que Deus mostrou ao fundador da Opus Dei a solução jurídica para permitir a ordenação de seus sacerdotes. Já verbetes como os do príncipe Felipe e das infantas Cristina e Elena, filhos de Juan Carlos I, em vez de historiadores, foram escritos pela própria Casa Real.

Os historiadores consultados pelo GLOBO afirmam que cerca de 5% das biografias publicadas nos primeiros 25 dos 50 volumes do dicionário minam a credibilidade da obra — que custou mais de 6,4 milhões aos cofres públicos de um dos países mais combalidos pela crise econômica global — por estarem escritas como “pura propaganda política de ultradireita”. Mas, considerando o estudo minucioso feito pela Associação de História Contemporânea com 50 personagens de grande relevância, 20% dos textos precisariam ser “substancialmente revisados”.

— A RAH era uma instituição franquista, e neste aspecto não houve nenhuma mudança substancial. O sistema de cooptação, herdado do franquismo, se mantém. Continuam cooptando membros que representam o lado mais conservador da profissão. Seu funcionamento é muito obsoleto — opina o catedrático de História Contemporânea Carlos Forcadell Álvarez, que biografou personagens do século XIX para o dicionário.

Até 20% dos textos precisariam ser refeitos

Mas o problema vai além do conservadorismo político dos membros da RAH. A questão mais destacada é que, entre seus membros estão, principalmente, velhos especialistas em História Medieval, que, como Luis Suárez, de 88 anos, assinam resenhas de personagens de épocas mais recentes.

— Nós avaliamos que o problema é mais profissional do que ideológico. Um historiador pode ser conservador, mas não pode ser mau profissional. A maior parte dos acadêmicos da RAH são professores aposentados há muito tempo e parecem desconhecer os consensos estabelecidos pela geração de historiadores nos últimos 30 anos, fossem conservadores, radicais, liberais ou progressistas. É uma instituição envelhecida que não acompanha os tempos. É um problema de profissionalismo — afirma Focadell, que é presidente da Associação de História Contemporânea, da qual fazem parte mais de 700 historiadores.

A enorme polêmica desatada, principalmente, com a biografia de Franco, quando há um ano foram publicados os 25 primeiros volumes do dicionário, fez com que a Real Academia da História reagisse, desde o primeiro momento, de forma contrária a qualquer correção. No entanto, chegou a ser cogitada pela própria RAH, em maio, a possibilidade de publicar duas versões sobre o mesmo personagem. Numa, Suárez manteria o Franco não ditador, e, em edição alternativa, outro historiador retrataria à sua maneira o “generalíssimo” — ideia que já foi abandonada. Apesar das negativas da RAH quanto à possibilidade de corrigir o texto, o ministro da Educação, Cultura e Esportes, José Ignacio Wert, anunciou, sem especificar quais, que 14 biografias serão profundamente revisadas, uma será suprimida e 16 serão ligeiramente modificadas.

Uma visão bem parcial da História espanhola

Luis Suárez, especialista em Idade Média, criou o verbete sobre Francisco Franco


MADRI — Aos 88 anos, o historiador Luis Suárez, especialista em Idade Média, se transformou no centro das críticas feitas ao Dicionário Biográfico Espanhol, publicado pela Real Academia da História, da qual é acadêmico desde 1994. Seu verbete sobre o ditador Francisco Franco causou especial indignação. Entrevistado pelo GLOBO, Suárez defendeu seu ponto de vista.

O GLOBO: O ministro José Ignacio Wert anunciou que haverá mudanças em algumas biografias...
LUIS SUÁREZ: Não haverá mudança alguma. Não se mudará absolutamente nada.

O GLOBO: A biografia de Francisco Franco, escrita pelo senhor, foi a que criou maior polêmica, principalmente por não citá-lo como um ditador...
SUÁREZ: É uma polêmica puramente política. A esquerda não quer que se fale a verdade sobre esta época e quer que se contem somente os efeitos e não as outras coisas. Cada historiador tem que explicar com a maior objetividade possível e não julgar. Procurei fazer um texto sumamente objetivo, que não tem por que incomodar ninguém.

O GLOBO: Franco não foi um ditador?
SUÁREZ: Era mais do que ditador. Um ditador é simplesmente um funcionário provisório que em um momento determinado toma o poder enquanto se suspendem as leis. Franco, no entanto, uniu em uma só as chefias do Estado, do governo e do Exército. Isso é o que nós historiadores chamamos autoritarismo, no qual o Estado, além do mais, domina os partidos políticos. Enquanto o totalitarismo é o contrário, segundo definiu Lenin: submeter o Estado ao poder de um partido. Então, agora, nós utilizamos mais normalmente este termo porque é muito mais explicativo e justo. Não se trata de um governo puramente provisório, senão de uma forma de ir mudando as coisas para conseguir o restabelecimento da monarquia, que, no final, é o que conseguiu, sem dúvida alguma.

O GLOBO: Por que o senhor não mencionou em seu texto os julgamentos sumários e as penas de morte do período franquista?
SUÁREZ: Na biografia não falo disso, mas em minhas outras publicações faço uma extensa alusão a tudo isso. Não sei por que repararam exclusivamente neste texto, que é um breve artigo para um dicionário que, além do mais, é puramente biográfico. É preciso ter em conta que Franco tinha poder para indultar, mas não assinava penas de morte, o que é uma das mentiras que se diz. Como em qualquer outro país, as penas de morte eram decididas por tribunais. Franco podia indultar e concedeu um enorme número de indultos. Este é um dado objetivo: foram pelo menos 26 mil indultos.

O GLOBO: E as sentenças de pena de morte? Quantas foram?
SUÁREZ: Ao redor de 20 mil. Mas sobre isso não tenho certeza. O ruim de uma Guerra Civil é que além das sentenças, há represálias de grupos pessoais que são tremendas. Isso foi terrível na zona vermelha (zona republicana). Mas disso prefiro não falar. Ao final das contas, sou espanhol e sofro muito com isso.

Na enciclopédia oficial, Franco não será ditador

Espanha decide não alterar biografia do general em 50 livros financiados com dinheiro público



Francisco Franco e o príncipe espanho Juan Carlos de Bourbon, em 1975
Foto: AP
Francisco Franco e o príncipe espanho Juan Carlos de Bourbon, em 1975

AP

MADRI — Depois de um ano de polêmica, a Real Academia da História bateu o pé e decidiu nesta quarta-feira, de forma definitiva, que não fará qualquer mudança no chamado Dicionário Biográfico Espanhol. Ou seja: apesar da avalanche de críticas, a obra de 50 volumes — 25 já publicados — financiada com fundos públicos para ser a máxima referência sobre a História de personagens espanhóis continuará a não se referir a Francisco Franco, no poder entre 1936 e 1975, como ditador.

O autor da biografia de Franco é o historiador Luis Suárez Fernández, presidente da irmandade do Vale dos Caídos (monumento construído a mando de Franco por prisioneiros republicanos e onde ele está enterrado), membro da Fundação Francisco Franco e ex-alto integrante do regime franquista. Desde maio de 2011, quando foram publicados os primeiros volumes, Suárez defendeu seu texto como objetivo e baseado em “notícias e documentações”.

Nele, o autor escreve que “uma guerra longa, de três anos, permitiu que Franco derrotasse um inimigo que, a princípio, contava com forças superiores. Para isso, na falta de possíveis mercados e contando com a hostilidade da França e da Rússia, teve que estabelecer estreitos compromissos com a Itália e com a Alemanha”. Suárez prossegue dizendo que Franco “montou um regime autoritário, mas não totalitário”, e sequer cita os julgamentos sumários, com pena de morte, impostos pelo ditador.

Suárez é um dos mais de 5 mil historiadores que participaram da obra, e a biografia de Franco é uma das 43 mil escritas desde que, em 1998, o então presidente do governo, José María Aznar (1996-2004), encomendou o minucioso dicionário à Real Academia da História. A instituição, com dois séculos e meio de existência, considerou, desde o início da polêmica, que as controvérsias tinham como base “detalhes insignificantes”.

As críticas, no entanto, vieram de dentro e de fora da Espanha. Alguns historiadores disseram considerar a biografia do ditador como uma “ofensa à inteligência e à cultura democrática”.

O historiador José Manuel Azcona Pastor, que participa do dicionário com resenhas sobre alguns políticos espanhóis, disse ao GLOBO que respeita o critério de Suárez, mas ressalta que, se fosse ele o responsável pela biografia de Franco, não usaria o tom adotado pelo colega

— É uma decisão (da Real Academia da História) que eu não compartilho nem contradigo. Cada um é responsável pelo que escreve e cada uma das biografias está assinada. Por um escândalo com uma ou duas resenhas não se pode injuriar ou criticar uma obra coletiva deste porte. É um esforço ciclópico, um magnífico dicionário, impressionante e imprescindível e de enorme qualidade, que consegue reunir milhares de personagens históricos desde Felipe II a, por exemplo, um prefeito de uma cidade com certa importância, açambarcando todas as épocas da História espanhola — opina Azcona.

Entre 1998 e 2011, a obra recebeu dos cofres públicos 6,4 milhões, mas a subvenção foi suspensa no ano passado pelo então presidente de Governo, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, pressionado por diferentes grupos parlamentários.

Uma nova injeção de dinheiro ficou condicionada à retificação da biografia de Franco. Mas o aspecto financeiro deixou de ser, poucos meses depois, uma forma de pressão. Com a volta do Partido Popular ao governo, foram destinados 193 mil do Orçamento, aprovado em março, para a conclusão dos livros. Quando a obra for integralmente publicada, data que ainda não foi divulgada, a Real Academia de História se limitará a fazer erratas sobre datas e denominações.

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