Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Aula interativa.

A narração interativa no ensino de história
Palavras Chave: Narração Interativa, Ensino de História, Uso de Documentos, História de Longa Duração e de Curta Duração, Processos Históricos Por Leandro Villela de Azevedo

Há vários anos venho utilizando a técnica da narração interativa, originada dos jogos de RPG, em minhas salas de aula. Há menos tempo, entretanto, venho acompanhando o uso desta técnica em diversas disciplinas e todo o campo teórico que vem sendo tecido a este respeito. Um campo pioneiro e com orgulho, de origem nacional.
Entretanto, talvez por mero egocentrismo, gostaria de ressaltar as vantagens deste método especificamente no ensino de história. De certo, seus frutos gerais são incríveis, como o despertar pela paixão do estudo e cooperação entre alunos, como a interação e sociabilização e o uso do raciocínio aplicado. A meu ver, porém, o ensino de história é o que mais tem a ganhar com a Narração Interativa.
Rubem Alves em seu livro “Conversas sobre a Educação”, chega a propor que a escola ideal seria a construção de uma casa, onde a matemática seria aplicada ao cálculo dos materiais, preços, escala, etc. A física nas ferramentas utilizadas e nas instalações hidráulicas e elétricas, o português nos contratos, a geografia no estudo do solo, mapa, etc. Entretanto, a escola perfeita em sua concepção de ensino prático, não possuiria a disciplina de história.
Isso demonstra a dificuldade de se definir uma função pragmática da história. Como mensurar a influência do conhecimento do passado para o entendimento do presente e planejamento do futuro?
Talvez uma citação mais simples deva então abrir essa discussão. Um aluno da 7ª série, há 4 anos, me perguntou. “Mas professor, se Napoleão sabia que na Rússia fazia um frio danado, se todo mundo sabia que ele ia fazer o exército dele sofrer pra caramba lá, por que motivo ele foi mesmo assim?”
Como deixar claro que o nosso passado um dia foi presente e que o nosso presente um dia será passado? Interessantemente a Narração Interativa tem esse poder. Uma vez que os alunos assumem papéis de personagens de uma determinada época, eles começam a “encarnar” aqueles personagens. Viver situações como se estivessem acontecendo naquele momento, conhecer apenas o que eles conheciam e entender as suas limitações. Interessantemente todas as 6 vezes que eu apliquei a atividade de Napoleão, os alunos, interpretando soldados, sempre escolheram avançar Rússia adentro apenas repetindo a história.
Se através desta técnica é possível entender os “porque sim”s da história, ela também faz entender os “e se não”s .
Um dos cenários históricos que ao serem transformados em atividade de narração interativa mais tendem a sofrer tentativas de mudança na história é a crucificação de Jesus. Por mais que se queira criar o clima entre os alunos demonstrando que um soldado romano que nunca viu Jesus não teria motivo nenhum para não o matar, afinal eles estavam cumprindo ordens, e ordens cotidianas até, pois mais de 4000 crucificações ocorreram naquela época, tal tentativa sempre termina na questão da liberdade do aluno em fazer o que bem entender com seu personagem. Lembrando que o livre arbítrio é uma das principais vantagens desta técnica. Ao mesmo tempo precisamos ser bem cuidadosos. O que aconteceria a um soldado que se negasse cumprir uma ordem de execução? Provavelmente ele seria condenado a corte marcial. Quando o aluno percebe que seu personagem sofre esse tipo de punição ele consegue compreender melhor o motivo pelo qual as pessoas faziam o que faziam. A história não é motivada apenas por ideais elevados, mas também pela fome, pelo medo, pela vingança, entre tantos outros. Assim como entender o outro é um passo para podemos nos entendermos melhor. Conjecturar, através deste jogo, o que poderia ter acontecido, é um passo a mais para podermos entender os motivos do que realmente aconteceu.
Outra questão que a Narração Interativa pode auxiliar no ensino de história é a experimentação. A princípio todas as outras matérias podem ter laboratórios, onde a teoria é transformada em prática. Experiências de física, química e biologia, laboratório de línguas conversando pela Internet com nativos, jornal da escola como laboratório de português, visitas de campo para geografia. Mas e como pensar em um laboratório de história, onde os alunos possam colocar na prática aquilo que aprenderam? A Narração Interativa entra de mão dupla nesta questão. Primeiramente ela permite que se recrie uma determinada época, colocando o aluno para viver na prática algum período, interagir com ele e, assim, poder aprender muito mais do mesmo. Mas também permite que ele aja como fator de mudança social de nossa sociedade. Talvez ainda seja muito cedo e difícil para alunos de 5ª série conseguirem realmente se manifestar politicamente, mas é possível, através desta técnica, laboratórios que vão ensinando como fazê-lo.
Por último ainda temos o trabalho com documentos. Quanto vou conversar com um coordenador de outra escola e digo para ele que trabalho com documentos com meus alunos ele sempre se assusta e pergunta se sou fanático pela história tradicionalista. Infelizmente a idéia de documentos históricos como documentos oficiais do governo ainda permeia nossa sociedade, mesmo nas instituições educacionais. Quando trabalho com documentos tento fazer com que o aluno a partir de uma pintura rupestre descubra elementos do cotidiano pré-histórico, perceber como é possível esconder mensagens em pinturas renascentistas, perceber como a música do desenho Aladin pode ter segundas intenções ligadas À Guerra do Golfo. As atividades de Narração Interativa de história são aventuras lotadas de mistério, e decifrar as pistas através de mensagens, figuras e quadros é parte do jogo. Isso faz com que a análise documental se torne rica e divertida e não tenha mais qualquer relação com o rigor positivista do século XIX. A atividade “Assassino na Corte de Elisabeth” (presente no livro Escola Lúdica, ed. Devir, lançamento dezembro de 2007), consegue em uma mesma atividade juntar a Rainha Elisabeth, Shakespeare e Francis Drake; e para conseguir desvendar quem é o assassino antes que ele cumpra seu objetivo é preciso pegar pistas pelo palácio, que passam por diversos documentos.

Fonte. Acesso: 26/12/2008.

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