"Mass Murder" “Assassinato em massa”
nas escolas: aconteceu...mais uma vez!
Historiador Francisco Carlos Teixeira,
professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa os
“mass murder” nas escolas americanas.
POR FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA*
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! Imprimir ! As notícias chegadas nas últimas horas ( 14/12/12) nos dão conta
de mais um ataque massivo – “mass murder” - de um atirador contra civis
inocentes nos Estados Unidos. Desta feita o massacre, atingindo crianças, foi
em Sandy Hook, Connecticut. A imprensa norte-americana, notável por seus meios
e equipamentos, transmitiu do local desde cedo e assinalou, com um traço
vermelho, que era hora de oferecer solidariedade aos familiares e evitar
quaisquer debates políticos sobre. A polícia prometeu, por sua vez, “esclarecer
todos os fatos”. Será isso mesmo?
Caso de Polícia, saúde mental e fenômeno
social
O mais
notável no massacre de Sandy Hook, e tristemente notável, é a repetição dos
acontecimentos narrados pelas agências internacionais. No caso atual um
atirador mata um familiar, possivelmente em casa, e então busca a escola em que
ela trabalha – ainda falta apurar detalhes - , e ele mesmo estudara, e inicia
um ataque em massa contra os pequenos alunos. O saldo ainda não confirmado
aponta para possivelmente mais de trinta pessoas mortas, a maioria crianças.
Sandy Hook é uma “elementary school”, sendo seus alunos crianças e
pré-adolescentes. O atirador, Adam Lanza, morto no local, tinha 20 anos e
estava pesadamente armado com armas automáticas compradas por sua própria mãe.
Os
ataques desse tipo, em especial contra escolas, são repetitivos no caso
americano, a ponto de contarmos 177 ataques contra “High Schools” (a partir de
1853) e 111 outros contra “Elementary schools”, incluindo o atual ataque contra
Sandy Hook. Alguns destes ataques, como Sandy Hook ou Bath School, em 1927,
foram verdadeiros banhos de sangue. Outras, poucos, infelizmente, foram
frustrados, deixando feridos e mereceram pouco destaque na mídia. Um bom número
atingiu apenas um aluno ou um professor, sendo tratado com forte indiferença. A
maioria absoluta deles foi cometida por alunos (e/ou funcionários) que
estudavam/trabalhavam na mesma escola atacada e, ainda uma vez, a maioria dos
atacantes, bem como de suas vítimas, tinha entre 14-18 anos de idade. Grande
parte dos perpetradores deixou relatos – como no caso brasileiro da escola de
Realengo (RJ) em 2011-, ou colegas relataram, um perfil solitário, inteligência
média-alta, dedicação aos estudos e grande dificuldade de estabelecer e/ou
manter relacionamentos. A grande maioria dos adolescentes e jovens sofreu
alguma forma de assédio e de exclusão social, algumas vezes publicamente e de
forma violenta (ainda uma vez como no caso da escola em Realengo, RJ).
Neste
contexto – como também dos assassinatos de massa na Noruega e na Alemanha – os
“especialistas” trataram de construir, rapidamente, análises e perfis
“pessoais”, buscando descobrir o que, na personalidade do perpetrador, originou
os ataques. Assim, uma “cliniquização” ( ou uma explicação psicologizante ) do
atacante – família desfeita, distúrbios mentais, uso de drogas – é
imediatamente aventada. Embora, paradoxalmente, os próprios colegas digam que
eram “excêntricos” talvez, mas não mais do que boa parte do alunado – e que não
mata colegas!
Assim,
a sociedade e suas instituições, em especial as escolas, seriam poupadas de
quaisquer responsabilidades na irrupção de um surto psicótico na pessoa do
atacante. Em suma, estaríamos verdadeiramente buscando as respostas certas no
lugar/pessoas certas? Ou, num movimento rápido de ocultamente do massacre que
se passa nas escolas, estaríamos ocultando a dimensão social dos “mass murder”
e de seus íntimos imbricamentos com o clima mental e emocional existente nas
escolas?
É comum
ouvirmos, e depois de 38 anos de magistério pude, eu mesmo, vivenciar e
acompanhar casos seguidos de stress coletivo, cólera, mágoas e ira entre alunos
e seus colegas, professores e alunos, bem como professores e seus colegas,
funcionários e, até mesmo, pais e professores. Algumas vezes, incluindo o
Brasil, com desdobramentos de violência física.
Não
seria o caso de pensarmos a instituição escolar em seu conjunto? E isso seria
muito especialmente verdadeiro para o caso norte-americano.
Um massacre oculto
Desde o
ataque de Columbine High School (que não foi nem o primeiro e nem o mais letal
dos ataques) até o atual ataque em Sandy Hook, as escolas são palco, alvo e/ou
causação de súbitas explosões de raiva e ira. Sabemos todos – e isso não é um
apanágio dos Estados Unidos – a escola, mesmo com escolas de ensino básico, e
particularmente nas escolas para adolescentes – como as chamadas “High school”
norte-americnas – são lugares onde o assédio moral, social (e mesmo sexual)
pode ser intenso, cruel e, mesmo, levar a uma aniquilação do próprio eu de
indivíduos mais fragilizados por sua aparência física, opção de gênero, timidez
ou qualquer outro atributo pessoal correlacionado com uma vaga e cruel
categoria de “losers”, os perdedores na “corrida” social pelo sucesso.
Nem
sempre os professores e os profissionais de apoio e orientação – como pedagogos
e psicólogos – tem a chance de acompanhar alunos – ou seus parentes – de forma
adequada para prever ataques de “mass murder” como os ocorridos. Da mesma
forma, não é possível “cliniquizar” todas a sociedade e manter um psicólogo de
plantão dentro de cada sala de aula. Assim, tais ataques – malgrado suas
particularidades e do seu desenho – não são, e dificilmente poderiam ser,
previstos e, logo, prevenidos. Mas, por outro lado, a determinação da polícia
de Newtown, Connecticut, em explicar a razão do ataque seja inútil. Poderão
explicar, em detalhes, como seu “deu” o ataque. Mas, sua “explicação” escapa a
Sandy Hook, em Newtown, Connectcut – há uma razão maior, mas ampla, insidiosa, que
paira sobre todo o sistema educacional norte-americano.
Da
mesma forma, nem só escolas são alvos de ataques. Cinemas e shoppings foram
alvo de atos de assassinos de massa, tanto nos Estados Unidos quanto em outros
países. No entanto, mesmo nestes casos há um claro elo de ligação: escola,
cinema e shopping são locais de reunião de jovens ou, ao menos, há sempre uma
maioria de jovens. De certa forma, são continuidades dos grupos de
companheirismo que se formam nas escolas. Os ataques representam, mais uma vez
reconhecidas as especificidades, um notável acúmulo de frustrações, mágoas e
perda que se expressam, então, em violência cega e bruta – em pleno local
socialização e entretenimento dos jovens, que o perpetrador pode sentir como
recusado a ele mesmo.
Da mesma
forma os ataques na Noruega, em 2011, organizado em detalhes por um
supremacista branco ou o ataque contra as crianças judias em Toulouse, em 2012,
foram atos de terrorismo ideologicamente motivados. Cruéis e brutos tinham uma
direção e mostram a face da intolerância de tipo racista e religioso. Os
ataques como de Sandy Hook são cruéis e cegos, não visam uma pessoa ou um
conjunto de pessoas realmente existentes, concretas. Visam “uma situação” que
exaspera, por motivações diversas, o perpetrador.
O grande massacre dos inocentes
Também
devemos reconhecer que os Estados Unidos não possuem o monopólio do “mass
murder” (cabe diferenciar de “serial killer”, que, em regra, agem durante longo
tempo escolhendo vítimas a partir de critérios diversos, conforme cada caso).
Nos últimos anos assistimos, como já destacamos, a assassinatos em massa na
pacata Noruega e na organizada e politicamente correta França. Mesmo no Brasil
tivemos tristes episódios de ataques em cinema (São Paulo) e em uma escola (Rio
de Janeiro), com um perfil muito próximo dos casos norte-americanos. Nos
últimos anos a autoritária China Popular, com seus critérios draconianos de
justiça, tem assistido, para perplexidade de suas autoridades, a vários ataques
em escolas, com uso de armas brancas ou utensílios de trabalho transformados em
armas.
No
entanto, no caso dos Estados Unidos as estatísticas compilados pela Secretaria
de Estado de Justiça, reunindo dados completos e pormenorizados dos ataques é,
simplesmente, estupeficante. A mais antiga referência a um ataque em escolas
norte-americanas data de 1764, antes mesmo da independência do país em 1776.
Daí em diante as ocorrências são quase epidêmicas, com o século XIX marcado por
ataques sucessivos em 1867, 1868, 1871, 1889, 1891 e 1898, perfazendo neste
período pelo menos 19 vítimas infantis. A precisão das armas ainda precária e
sua natureza obrigando o recarregamento davam, então, chances aos
administradores de deter o atacante.
Com a
chegada das armas automáticas e aquelas de fácil, e rápido, recarregamento, os
ataques, e número de vítimas, cresceram. No século XX tais ataques tornaram-se,
então, verdadeiramente epidêmicos, ocorrendo massacres nas “Elementary School”
nos anos de 1902, 1906, 1907, 1909, 1912, 1919 e culminado no terrível massacre
de 1927, quando Andrew Kehoe, após matar a esposa, ataca, com bombas caseiras,
a Bath Elementary School, causando 45 mortes, no maior massacre escolar da
história dos Estados Unidos. Andrew Keohoe era funcionário da escola de longa
data.
Os anos
seguintes assistiram a continuidade dos ataques: 1933, 1940, 1944, 1959, 1960 e
1961, com pelo menos 16 crianças mortas – lembremo-nos que em média a
“Elementary school” americana abriga crianças entre 4 e 11 anos de idade. Mas,
se juntarmos às estatísticas de ataques às “Elementary school” os ataques
havidos contra as “High school”, que recebem adolescentes na faixa de 12-18
anos, em média, os ataques crescem de forma exponencial: são 24 ataques entre
1903 e 1968, com a morte de 27 adolescentes. Ainda uma vez a qualidade das
armas e a prontidão de inspetores e funcionários faz com que a maioria dos
ataques tenha em média 1-2 mortos, evitando o caráter cataclísmico do
“bombardeamento” de Bath School em 1927.
A massificação do “Scholl Mass Murder”
A
partir dos anos de 1970, contudo, os ataques se multiplicam e as “high school”
substituem, apenas parcialmente as “elementary scholl”, como cenário principal
dos ataques. Nestes anos temos 7 ataques, com 7 mortes; nos anos de 1980 são 13
ataques, com 15 mortes; nos anos de 1990 já são 60 ataques, com exatos 93
mortes de adolescentes. Entre os ataques da década de 1990 inscreve-se o
tristemente célebre ataque de 1999 contra a Columbine High School, no Colorado,
matando 15 alunos e professores. Os atiradores, que ensaiaram o massacre
repetidas vezes, estavam envoltos – além das condições de frustração e mágoas
acumuladas – numa espécie de cultura “dark”, valorizando a morte falsamente
“heroica” muito comum nos vídeos games que eles assistiam e verdadeiramente
cultuavam, tais como “Dom” e “Wolfstein 3D”. Eric Harris tinha 18 anos e Dylan
Klebold 17 anos e relataram, em seus documentos deixados como “memorial” do
massacre, casos de “bullying” e exclusão.
Nos
anos 2000 até 2012 foram 68 ataques contra High School, com 74 mortes de
estudantes. Nesta lista dolorosa encontramos o massacre de 2005 contra a Red
Lake High School, em Minissota, atacada pelo jovem Jeffrey Weise, de 17 anos,
que após matar os avós, ataca os colegas na escola. Também está nesta relação o
ataque do estudante aos colegas da Virgínia Tech, universidade no estado da
Virgínia, e formalmente uma faculdade e não uma “escola”, daí o expurgo dos
seus 33 mortos das estatísticas do Departamento de Justiça dos Estados Unidos
no âmbito de “school´s mass murder”.
Infelizmente
os ataques centrados nas “High School” não afastaram o risco das “Elementary
school” e no ano de 2010 deram-se 10 ataques, com 31 mortes; em 2011, foram 5
ataques e 16 mortes e em 2012, antes do ataque contra a escola de Sandy Hook
(em 14/12/2012), já haviam ocorrido dois ataques, felizmente frustrados.
Embora
este quadro seja verdadeiramente assustador, a mídia americana e influentes
políticos – e mesmo especialistas universitários – insistiram, no dia de ontem
(quando se deu o ataque, 14/12/2012) que não se deveriam “fazer política com o
sofrimento das famílias”. Ora, há alguma coisa muito errada aqui.
Mass Murder e Política
Um dos
mais importantes, e progressistas, sociólogos dos Estados Unidos –especializado
na análise das contradições, projetos e frustrações do homem comum na sociedade
de massas americana – Charles Wright Mills (1916-1962), num pequeno manual de
sociologia, tornado um clássico introdutório da disciplina – “A Imaginação
Sociológica” -, advertia os colegas sobre a diferença entre um “problema
social” e uma “questão social”.
Wright
Mills, num linguagem precisa, insistia que processos que se repetem no conjunto
da sociedade e causam enorme dano e dor, mesmo mal-estar social, não podem, de
forma alguma, ser atribuídos a motivos ou causas pessoais do tipo preguiça,
baixo esforço ou baixa estima, ausência de talento ou incapacidade social ou
distúrbios mentais. Bem ao contrário, o quanto de tais “distúrbios” tem origem
em processos sociais cruéis e excludentes? Ao seu tempo, Wright Mills combatia
o brutal individualismo liberal e o darwinismo social que explicava sucessos e
insucessos das pessoas, num a sociedade altamente competitiva, exclusivamente
através da “garra” e vontade de vencer de cada um. Colocando-se na contramão
dos mitos americanos do “self made men” e da ideia de que todos vencem, se
trabalham o suficiente para isso, na América, Mills vislumbrava uma sociedade
já atingida por frustrações e pelo mal-estar que podia rapidamente expressar-se
em repentinas explosões de ira.
A
divisão popular da sociedade entre “pessoas de sucesso” e “losers”, os
perdedores, já se expressa, assim, nos primeiros anos de vida e nas primeiras
escolhas de jovens adolescentes, em especial num clima de competição – muitas
vezes, vezes demais, desleal e cruel – no interior da própria escola. Eleições
e concursos frequentes, mobilizações em torno de competições e torneios, o
incentivo a mostrar um perfil de vencedor e de celebridade “popular” criam, no
conjunto da sociedade, mas em especial na escola, um clima de verdadeira guerra
social. O romance, de terror note-se bem, de Stephen King, chamado “Carrie, a
estranha”, ambientado numa “high school”, de 1974, consagrou, de forma
alegórica, o clima exacerbado e cruel de exclusão das diferenças no sistema
educacional norte-americano, a cegueira de mestres e funcionários e o clima de
linchamento moral. Quando tais pessoas tem acesso fácil e livre – como Adam
Lanza – a um arsenal de armas automáticas são dadas as condições básicas para o
desastre.
Mills,
com sua delicadeza incisava – bem ao contrário de Stephen King - afirmava:
aquilo que se repete e atinge amplas camadas sociais não é um problema
“pessoal” e, sim, uma questão social.
A
teimosia dos políticos, e dos especialistas americanos, em não discutir a livre
venda de armas, a segurança nas escolas e programas de educação que valorizem o
trabalho social, os objetivos de equipe e que diminuam as “guerras” entre
grupos de “losers” e de “populars” nas escolas é, claramente, parte causal dos
massacres.
O
recuo, durante a campanha eleitoral de 2012, do Presidente Obama em colocar com
clareza a questão da livre venda e porte de armas automáticas – algumas com
capacidade de luta em campos de guerra total -mostra uma tremenda e
indesculpável rendição perante os mitos da direita conservadora e reacionária
norte-americana. Além, é claro, do lucrativo negócio de armas.
Lobbies e Mitos da Direita
Para a
direita mais reacionária norte-americana, como se expressa, por exemplo, no
grupo denominado “Tea Party” – núcleo duro do reacionarismo republicano – as
armas, sua livre venda e posse, são uma garantia de liberdade. Voltam-se, todo
o tempo, e de forma totalmente inadequada, para uma apropriação ideológica das
guerras de Independência dos Estados Unidos, quando milícias de fazendeiros
pegavam suas armas, atacavam repentinamente os britânicos – os “Minutmen” – e
então retornavam às suas atividades rotineiras de bons fazendeiros. Assim,
manter suas armas, treinar pré-adolescentes em tiro – incluindo a caça – seria
manter, pura e simplesmente, a tradição dos “Pais Fundadores” da Nação.
Nem a
história foi assim – já que George Washington montou exército profissional
regular e os colonos americanos receberam forte auxílio do exército real
francês – como, é claro, os Estados Unidos de 2012 não são as Treze Colônias de
1776. Talvez resida aqui a melhor definição de fundamentalismo: apegar-se, de
forma peremptória, a um traço, narrativa ou fato do passado como uma verdade
imutável. Além disso, numa cultura fortemente dividida entre noções de o que é
bom e justo e aquilo que é o mal, a frustração e fragilidade identitária
apegam-se em armas como muletas psicológicas. Para muitos jovens a arma é um
prolongamento, capacitante e potente, de suas próprias fraquezas, substituindo
sentimentos de impotência pelo poder absoluto de vida e morte.
Cabe
agora às autoridades norte-americanas olhar em perspectiva: examinar esta
imensa lista de mortes – em especial de crianças e adolescentes – e se
perguntar se estamos, verdadeiramente, em face de atiradores “com problemas
pessoais” ou em face de uma “questão social”.
Discutir
a política de venda e posse de armas, melhorar a segurança das escolas – como
os mesmos conservadores não duvidam em “securitizar” os bancos onde guardam
seus bens – e, acima de tudo, rever os parâmetros pedagógicos que criaram uma
escola competitivamente extremada, individualista e voltada para a geração
contínua de “celebridades” é uma ação que se impõe com urgência.
E que
as tragédias alheias, que já nos tocaram, sirvam também de lição para nós
brasileiros.
* Este texto foi publicado originalmente na “Carta Maior” e sua republicação no Café História foi
autorizada (e encorajada) pelo autor.
Fonte: http://cafehistoria.ning.com/mass-murder-nas-escolas. Acesso:18/12/2012
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