Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Reportagens da Revista Veja (Bomba Atômica)



Artigos publicados na Revista Veja.
Abaixo encontramos uma série de artigos publicados na Revista Veja e que poderão lhes ajudar na avaliação do 2° Trimestre.
Um grande abraço.
Sugestão: procure sempre, outras fontes de informações, para comparar os dados, impressões e ideias presentes nos textos que você lê.

O japonês que amava a bomba
O ministro da Defesa do Japão renuncia depois de dizer que os ataques atômicos a Hiroshima e Nagasaki foram inevitáveis
No início do século passado, impulsionado por um militarismo agressivo, o Japão lançou-se numa ofensiva de conquistas na Ásia só encerrada com a derrota para os Estados Unidos, em 1945. A brutalidade do imperialismo nipônico ainda azeda as relações do país com a China e a Coréia. Dentro do Japão, contudo, o assunto é tabu. Ao contrário da Alemanha, o Japão tende a negar seus crimes do passado. As bombas atômicas que mataram mais de 200.000 civis nas cidades de Hiroshima e Nagasaki no fim da II Guerra Mundial – um dos mais tristes episódios da história moderna – permitiram ao país cultuar uma visão unilateral dos acontecimentos, a de que a hecatombe faz do povo japonês uma vítima especial do conflito. No início da semana passada, o ministro da Defesa, Fumio Kyuma, fugiu ao padrão ao sustentar que as bombas atômicas foram inevitáveis.
Em palestra numa universidade, Kyuma disse que, se o ataque atômico não tivesse ocorrido, a guerra teria se prolongado e permitido à União Soviética ocupar metade do arquipélago japonês. Não importa que tal visão seja compartilhada por muitos historiadores. O ministro foi massacrado pela oposição, por acadêmicos, jornalistas e forçado a renunciar. Fiel à tradição nipônica, ele terminou por curvar-se num pedido público de desculpas. Talvez a única convicção compartilhada pela direita e pela esquerda japonesa seja a de que o Japão está marcado para sempre pelo horror do ataque atômico. Após a derrota da Alemanha, os Estados Unidos tiveram de decidir entre duas estratégias para a guerra no Pacífico. A primeira seria um conflito convencional. Pelas estimativas do Pentágono, levaria à morte de 1 milhão de pessoas, sendo 200.000 soldados americanos, e prolongaria a guerra por um ano. O presidente Harry Truman optou pelo uso da arma atômica, recém-desenvolvida. A escolha de cidades com grandes populações civis foi proposital, para ampliar o efeito psicológico do ataque. O Japão rendeu-se seis dias depois da bomba de Nagasaki.
Um ataque nuclear é hoje visto como moralmente inaceitável em qualquer situação. Isso não era tão evidente nos anos 40. Mesmo os efeitos da radiatividade só seriam plenamente conhecidos na década seguinte. Mais tarde, a ameaça de destruição mútua durante a Guerra Fria ajudou a produzir os tratados de não-proliferação nuclear e, de forma torta, inibiu o uso de bombas atômicas. Infelizmente, a cautela está agora ameaçada pelos esforços de dois países párias, o Irã e a Coréia do Norte, para entrar no clube das armas nucleares. Deles só se pode esperar o pior.

Pesadelo que não tem fim
Vinte anos depois do acidente de Chernobyl, a radioatividade ainda faz vítimas entre a população e na natureza do Leste Europeu
A energia nuclear é responsável por 16% da eletricidade consumida no mundo – e também por alguns dos piores pesadelos da humanidade. A concretização de um deles, o acidente na usina de Chernobyl, na Ucrânia, completou vinte anos na semana passada. A data foi lembrada em cerimônias na capital, Kiev, e em várias cidades do país. Procissões saíram às ruas para homenagear os milhares de pessoas mortas de doenças relacionadas à radiação nuclear desde que um reator da usina explodiu, liberando 100 vezes mais radioatividade do que a bomba lançada pelos americanos em Hiroshima na II Guerra. Nas regiões contaminadas na Ucrânia e nas vizinhas Bielo-Rússia e Rússia, hoje a incidência de câncer na tireóide e de mama é excepcionalmente alta, assim como as anomalias genéticas em recém-nascidos. A população sob risco, estimada em 7 milhões de pessoas, vive sob o impacto psicológico do medo: é possível que os efeitos da radiação perdurem por décadas, ou séculos, e que no futuro possam causar outros tipos de doença.
O acidente de Chernobyl, que se tornaria o maior desastre nuclear da história, ocorreu na madrugada do dia 26 de abril, durante um teste de rotina do reator número 4 da usina. Por um erro dos técnicos, o processo de reação nuclear em cadeia se descontrolou, aquecendo a água que deveria resfriar o reator. Seguiram-se uma explosão e um incêndio que durou dez dias, espalhando toneladas de material radioativo por uma área de 150.000 quilômetros quadrados. Nada menos de 3.500 homens participaram do combate às chamas, tentando apressadamente isolar o material radioativo com areia e chumbo. No dia seguinte à explosão, 350.000 pessoas foram evacuadas das áreas de mais alto risco, inclusive na cidade de Pripyat, erguida nos anos 70 para abrigar os trabalhadores da usina. Na época do desastre de Chernobyl, a Ucrânia fazia parte da União Soviética. Apesar da gravidade da situação, o Kremlin, que tinha por norma ocultar as más notícias sob o tapete, demorou três dias para admitir que o acidente havia acontecido. Só o fez depois que satélites espiões americanos identificaram o incêndio e a nuvem radioativa alcançou os países escandinavos.
A usina de Chernobyl tornou-se uma assombração nuclear para a Ucrânia e para o mundo. Os escombros do reator número 4 – e parte do material radioativo que ele abrigava – foram selados com uma enorme estrutura de cimento, batizada de sarcófago, que agora começa a apresentar rachaduras. Quando chove, as substâncias radioativas vazam para fora da construção. Como a retirada desse material seria uma empreitada de altíssimo risco, há em curso um projeto, bancado por um consórcio de países, para construir um sarcófago mais moderno e seguro. Ele teria o tamanho de um ginásio de esportes e custaria 1,1 bilhão de dólares. A área num raio de 30 quilômetros em torno de Chernobyl continua interditada e cercada de arame farpado. Muita gente que morava no local, no entanto, principalmente os que hoje são idosos, desafia a proibição e se instala na chamada área de exclusão, plantando em terra ainda contaminada e bebendo água radioativa. Em grande parte, ao retornar a seus antigos lares, essas pessoas fogem das comunidades formadas nas regiões vizinhas pela população evacuada da área de Chernobyl vinte anos atrás. Hoje, segundo estatísticas da Agência Internacional de Energia Atômica, há nessas comunidades graves problemas sociais. Os índices de alcoolismo, desemprego e divórcio são altíssimos. Um número elevado de seus integrantes sofre de problemas emocionais causados pela possibilidade iminente de contrair câncer e outras doenças provocadas pela radiação nuclear a que foram – ou ainda são – submetidos.
Na área em volta de Chernobyl, a natureza pouco a pouco volta a ocupar seu espaço. Sem a presença do homem, árvores, plantas e animais se multiplicam com um vigor que espanta os cientistas e ao mesmo tempo os preocupa, já que várias espécies sofreram mutações. "Nas áreas mais contaminadas, 20% dos pássaros apresentam despigmentação na plumagem, causada pela morte das células responsáveis pela cor das penas", disse a VEJA o biólogo americano Timothy Mousseau, da Universidade da Carolina do Sul, que há seis anos estuda a natureza na zona de exclusão de Chernobyl. "Além disso, os galhos das árvores crescem num padrão desordenado", ele completa. Ainda é cedo para medir a dimensão exata dos estragos que o desastre de Chernobyl causou e vai continuar causando. A contaminação nuclear é um fenômeno relativamente novo, e parte de seus efeitos ainda é desconhecida. Quando os americanos fizeram os primeiros testes com bombas nucleares, nos anos 40, sabia-se tão pouco sobre os riscos de contaminação que o espetáculo do cogumelo atômico se erguendo rumo ao céu tinha como testemunhas soldados que não usavam nenhum tipo de proteção contra a radiação.
A ação da radioatividade em seres humanos só pôde ser plenamente avaliada a partir das bombas lançadas pelos americanos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, em 1945. As explosões mataram instantaneamente 120.000 pessoas. Nos anos seguintes, a ação residual da radiação causou mortes por cânceres e por doenças cardiovasculares e respiratórias. Os efeitos da radioatividade dissiparam-se desde então, e as duas cidades são hoje localidades prósperas em que a mortandade provocada pelas bombas sobrevive apenas na memória. O mesmo ocorre com o Atol de Bikini, um grupo de 23 ilhas no Oceano Pacífico que nas décadas de 40 e 50 foi palco de uma série de testes com bombas nucleares. Em 1954, os Estados Unidos detonaram nas Ilhas Bikini sua mais poderosa bomba nuclear, 1.000 vezes mais potente que a de Hiroshima. A Bravo, como era chamada, espalhou radiação por uma área de 8.000 quilômetros quadrados, atingindo nativos e militares. O local permaneceu isolado até 1996, quando relatórios de instituições como o Departamento de Energia dos Estados Unidos declararam o atol livre de radiações perigosas. Hoje, as Ilhas Bikini são um excelente local para a prática de mergulho esportivo e atraem turistas do mundo inteiro.
Os cientistas avaliam que o caso de Chernobyl é completamente diferente. Se uma bomba atômica é lançada sobre uma cidade, a população imediatamente é exposta a uma combinação de raios gama e nêutrons – todos os tecidos do corpo recebem essa carga de maneira uniforme. Em Chernobyl, à exceção do que ocorreu com aqueles que se encontravam próximos à usina no dia do acidente, a contaminação ocorre nos órgãos internos, por isótopos radioativos. Dessa forma, cada um dos tecidos recebe uma dose diferente de radiação. "É preciso um estudo exaustivo dos casos de contaminação e morte em Chernobyl para que se possa prever o que vai acontecer no futuro com as populações atingidas", alertam os biólogos Dillwyn Williams e Keith Baverstock numa recente edição da revista científica Nature. Até hoje, porém, muito pouco foi investigado sobre as conseqüências da radiação de Chernobyl. No Japão, a partir dos anos 50, a fundação Radiation Effects Research examinou mais de 100.000 sobreviventes das bombas de Hiroshima e Nagasaki para entender seus efeitos no organismo humano. No caso de Chernobyl, não se tem sequer uma estatística confiável sobre o número de vítimas fatais que o acidente provocou.

Encontro marcado
O mundo dá sinais de que a paciência com o Irã está chegando ao fim. Afinal, o que os aiatolás querem com o seu programa nuclear?
Informações da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) sugerem que o Irã está tendo problemas com a sua tecnologia de enriquecer urânio. O país, se for assim, só poderia fabricar uma bomba atômica a partir de 2010, quiçá em 2015. A conclusão não é suficiente para causar alívio. A mera hipótese de os aiatolás xiitas um dia terem o domínio dessa tecnologia bélica coloca o mundo em suspenso. Em princípio, a bomba nuclear iraniana é uma ameaça para todos os países do Oriente Médio – mas, evidentemente, alguns estão mais preocupados que outros. Um tema freqüente dos discursos do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad é o projeto de riscar Israel do mapa. O Irã também provoca os Estados Unidos fornecendo armas e explosivos para ser usados contra as tropas americanas no Iraque. Por fim, confronta as Nações Unidas, que querem que Teerã permita a inspeção internacional em suas instalações nucleares e suspenda o enriquecimento de urânio, material que pode ser usado numa arma nuclear.
Neste mês, vários foram os sinais de que a paciência ocidental para com o Irã está no fim. A possibilidade de uma ação militar torna-se mais concreta. O ministro das relações exteriores da França, Bernard Kouchner, foi um dos mais enfáticos. "Temos de nos preparar para o pior. E o pior é a guerra", disse ele. Rudolph Giuliani, o candidato do partido republicano com mais chance de enfrentar Hillary Clinton nas eleições americanas, defendeu um ataque preventivo para evitar que o país se torne uma potência nuclear. No Irã, comitês de crise organizados pelo governo já traçam planos de emergência para uma guerra. Rádios e estações de televisão foram orientadas a gravar programas antecipadamente, de forma que tenham o que transmitir caso seus estúdios sejam destruídos ou seus empregados não consigam chegar ao trabalho.
Israel é a nação que mais tem motivos para temer a posse de armas nucleares pelos aiatolás. Não bastassem as ameaças verbais de seus líderes, o Irã dispõe de mísseis capazes de alcançar Israel. Há cinco anos, o ex-presidente iraniano Hashemi Rafsanjani afirmou que bastaria uma única bomba nuclear para liquidar o estado judeu. Ele tem razão. O temor de um ataque arrasador e a dificuldade de os Estados Unidos ingressarem em mais uma empreitada militar antes de resolver a encrenca no Iraque tornam Israel o mais forte candidato a empreender um ataque preventivo às instalações nucleares iranianas. Nesse cenário, os Estados Unidos poderiam entrar mais tarde com bombardeiros B-2 Spirit, que transportam bombas de alto poder destrutivo e não são detectados pelo radar. Poderiam ser usados para persuadir os aiatolás a limitar o alcance de suas represálias a um ataque israelense.
O Irã argumenta que seu programa nuclear tem fins exclusivamente energéticos. O país também é um dos signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o que, a princípio, confirmaria suas intenções pacíficas. O interesse premente do quarto maior produtor de petróleo do mundo no enriquecimento de urânio, no entanto, é algo mais difícil de ser compreendido. Também se sabe que os países candidatos a se tornar potências nucleares não anunciaram suas ambições bélicas antecipadamente. Desde que, em 1968, as cinco potências nucleares da época, Estados Unidos, União Soviética (Rússia), China, Inglaterra e França, assinaram com dezenas de países o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, outras quatro nações passaram a deter armas atômicas. Nenhuma pediu licença para fazer isso. Uma delas é exatamente Israel, que até hoje não admite, mas tampouco desmente, que tenha bombas nucleares. Índia e Paquistão, dois inimigos históricos, também surpreenderam o mundo com seus primeiros testes atômicos. O último foi a Coréia do Norte, que há um ano explodiu uma bomba de pequenas dimensões. Em fevereiro, os norte-coreanos concordaram em retroceder nos seus planos em troca de ajuda econômica. Por que o armamento atômico é aceitável em alguns países, mas não no Irã? A resposta está nas características fanáticas do estado teocrático xiita. "Esses quatro países estão hoje com boas relações com os Estados Unidos e não são considerados uma ameaça", disse a VEJA o cientista político sul-africano Jean du Preez, diretor do Instituto de Estudos Internacionais Monterey, na Califórnia. "O Irã, ao contrário, é a bola da vez."
A partir do momento em que um país consegue enriquecer o urânio de forma controlada, são necessários entre três e quatro anos para que possa ter uma bomba nuclear. O Irã afirma que já cumpriu satisfatoriamente a primeira etapa, um feito desacreditado por inspetores. A posse de armas nucleares pelo Irã, caso venha a ocorrer, mudaria brutalmente o equilíbrio de poder no Oriente Médio. Não apenas Israel correria perigo. O poder militar crescente dos aiatolás espalha o pânico entre seus vizinhos árabes de maioria sunita, a vertente majoritária do Islã. Em setembro, o egípcio Mohamed El-Baradei, diretor da Aiea, deu um prazo de mais três meses para que o Irã finalmente elucide a parte secreta de seu programa nuclear. Em um discurso proferido na Assembléia-Geral da ONU, em Nova York, na semana passada, Ahmadinejad deu de ombros e considerou a discussão um "caso encerrado". Por enquanto, governos europeus e o americano planejaram sanções econômicas mais firmes para pressionar os iranianos. O Congresso americano aprovou uma punição para empresas estrangeiras com filiais nos Estados Unidos que decidam investir no Irã. O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, anunciou uma lei que proíbe investimentos de empresas do seu estado no país dos aiatolás. Na sexta-feira, dia 28, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha declararam que vão esperar até novembro para decidir se adotam sanções mais severas. Ahmadinejad terá, assim, mais algum tempo para convencer todo o mundo de que não alimenta más intenções. Ou, então, para preparar uma surpresa.

Mais um maluco com a bomba
O ditador norte-coreano Kim Jong-II fez seu primeiro teste nuclear e pode desencadear uma corrida armamentista se a ONU não o punir como exemplo
A Coréia do Norte testou sua bomba nuclear no domingo 8. A comunidade internacional reagiu com furor, num raro consenso de que o regime de Pyongyang deve ser punido pela ousadia. Como fazer isso é outra história. Exceto pelo Japão, que cortou de imediato o comércio bilateral, é difícil um acordo sobre a resposta adequada. Na sexta-feira passada, o Conselho de Segurança das Nações Unidas examinava uma resolução impondo sanções econômicas à Coréia do Norte. Proposto pelos Estados Unidos, o texto é relativamente ameno (não sugere ações militares, por exemplo), mas a China e a Rússia ainda querem mais tempo para negociações diplomáticas. O que se tem agora são dois problemas num só. O primeiro, mais geral, diz respeito à proliferação de armas nucleares – os entraves existentes simplesmente não estão funcionando. O segundo é a Coréia do Norte propriamente dita. Ninguém sabe a que grau de insanidade os caciques desse país miserável e sem amigos estão dispostos para manter em pé seu modelo excêntrico de comunismo.
Não se deve confundir a aparência amalucada de Kim Jong-II, o ditador norte-coreano, com falta de determinação. Seu cabelo pintado é penteado em forma de penacho. Usa saltos altos para disfarçar a pouca altura. Ele é tratado como "Estimado Líder" (seu pai, de quem herdou o poder, era o "Grande Líder"). Há uma década, o ditador usa com habilidade seu programa nuclear para obter vantagens dos Estados Unidos, do Japão e da Coréia do Sul. A estratégia transformou seu país no maior receptor de ajuda internacional em alimentos. Para acalmá-lo, o Japão aumentou o comércio bilateral e fez por lá alguns investimentos. A Coréia do Sul adotou uma política de aproximação e ajuda econômica chamada de "Raio de Sol". A China, o único amigo do regime norte-coreano, fez o que pôde para convencê-lo a moderar o comportamento.
Há algumas explicações para, apesar de todos esses benefícios, Kim Jong-II ter decidido desafiar a comunidade internacional. A primeira é a hostilidade do presidente americano George W. Bush, que o identifica como um dos vértices do eixo do mal. É fácil imaginar o susto que a deposição de Saddam Hussein causou em Pyongyang. O regime norte-coreano vive um dilema causado pelo próprio anacronismo. Mesmo que disso dependa sua sobrevivência, não tem coragem sequer de cogitar de uma abertura econômica sob o rígido controle do Partido Comunista, como fez a vizinha China. Prefere rugir e ameaçar os vizinhos. Em julho, já tinha demonstrado seus maus modos com testes de mísseis capazes de atingir o Japão.
O que fazer? Sanções econômicas não dão bons resultados contra regimes fora-da-lei. A possibilidade de os chineses cortarem o envio de comida para a Coréia do Norte teria efeitos desastrosos para a população – metade dos alimentos consumidos no país vem da China –, mas isso não parece preocupar o governo norte-coreano. "Kim Jong-Il não vai desistir da bomba porque acredita que a sobrevivência de seu regime depende da demonstração de força", disse a VEJA o historiador americano Ted Galen Carpenter, autor do livro O Enigma Coreano. Uma ação militar é impensável. Não há como os Estados Unidos localizarem e destruírem todas as instalações nucleares norte-coreanas. Em caso de guerra, Seul, a capital sul-coreana, localizada a 50 quilômetros da cerca que divide as duas Coréias, seria facilmente arrasada pela artilharia norte-coreana.
O teste subterrâneo realizado a 110 quilômetros da fronteira com a China foi registrado pelos sismógrafos como muito fraco, colocando em dúvida a qualidade da bomba nuclear norte-coreana ou até mesmo sua existência. De qualquer forma, o artefato deve ser grande e pesado. Serão necessários alguns anos de trabalho para que seja reduzido de forma a caber num míssil de longo alcance. No momento, o maior perigo é o mau exemplo. A experiência norte-coreana e a reação internacional ao desafio estão sendo acompanhadas atentamente pelos aiatolás do Irã, outro regime fora-da-lei ansioso por se armar com ogivas nucleares. Entre todos os países que realizaram testes nucleares, apenas a África do Sul desistiu da bomba atômica. Em vão, Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra e França – os sócios originais do clube atômico e, não por coincidência, também os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas – tentam impedir a proliferação do armamento nuclear. Com a Coréia do Norte, sobe para nove o número de países com esse tipo de arsenal. Israel e Índia armaram-se nos anos 70, seguidos pelo Paquistão, que testou sua bomba em 1998. Foi o Paquistão, por sinal, que vendeu tecnologia nuclear à Coréia do Norte e ao Irã. As maiores potências acabaram por aceitar o arsenal de Israel (o país, que se estima ter 200 ogivas, jamais admitiu ter armas nucleares), da Índia e do Paquistão. Em parte, isso se deve ao fato de esses países terem se armado contra inimigos bem definidos e possuírem governos respeitáveis. Com a Coréia do Norte e o Irã, ambos ditaduras imprevisíveis, a situação se torna muito mais perigosa.
O temor causado pelos norte-coreanos pode levar a Coréia do Sul e o Japão a procurarem armamento equivalente. Os aiatolás atômicos provocariam uma corrida armamentista no Oriente Médio. Turquia e Egito já anunciaram planos de construir reatores nucleares, teoricamente para fins pacíficos. "A partir do momento em que uma nação sabe fazer o combustível nuclear, o custo para construir a bomba é de apenas algumas dezenas de milhões de dólares", disse a VEJA o americano Henry Sokolski, diretor executivo do Centro para Educação em Política de Não-Proliferação, em Washington. O maior incentivo para a popularização dos arsenais nucleares é justamente o fato de serem uma opção barata em comparação ao custo de montar e treinar um enorme Exército com armas modernas. A Coréia do Norte tem um Exército de 1,1 milhão de homens, o equivalente a 5% de sua população. Mas os soldados são mal armados e mal alimentados. Com a bomba, Kim Jong-II ganha poder de barganha contra a pressão internacional para abrir seu regime fracassado.

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