CONTANDO E RECONTANDO A GUERRA DO PARAGUAI
Desde o fim da Guerra do Paraguai, sua História vem sendo contada de diferentes formas, não havendo, por vezes, consenso entre elas. As primeiras narrativas historiográficas sobre o conflito foram feitas por militares logo após o fim dos combates, nos últimos anos do Império, e foram exaltadas depois da Proclamação da República, em 1889. As forças armadas republicanas elegeram como heróis alguns oficiais monárquicos, como o Duque de Caxias e o Barão de Tamandaré.
Segundo o historiador Mario Maestri, ”(...) para apoiar a ideia de que a intervenção militar constituiu uma reação ao ataque dos territórios brasileiros, esses relatos propuseram comumente como ponto zero do confronto o aprisionamento do vapor brasileiro Marquês de Olinda, em 12 de novembro de 1864, e não a intervenção brasileira, um mês antes, contra o governo constitucional uruguaio, apoiado pêlo Paraguai. A historiografia nacional-patriótica brasileira propôs que a guerra fosse contra a ditadura de Solano López, e não contra o povo paraguaio. Mesmo se o Império e a Argentina tenham anexado parcelas dos territórios paraguaios, transformando o país em uma verdadeira republiqueta, dizimando literalmente sua população. (Mas...) Como explicar o imenso esforço militar, as baixas multitudinárias e os mais de cinco anos necessários para vergar, em aliança com a Argentina e o Uruguai, uma nação de importância regional menor? Em geral, explicou-se a paradoxal resistência como resultado de preparação militar prévia e do fanatismo guarani, promovidos por Solano López. A indiscutível marcialidade paraguaia prosseguiu como espécie de Esfinge exigindo decifração e dificultando que a guerra galvanizasse o imaginário patriótico brasileiro".
Já nas décadas de 1960 e 1970, outras narrativas foram propostas. Dois livros marcam essa nova interpretação, conhecida como revisionismo: A guerra do Paraguai: um grande negócio (1968), de León Pomer; e Genocídio americano: a Guerra do Paraguai (1979), de Júlio José Chiavenato. Ambos os trabalhos criticavam duramente a Tríplice Aliança, mostrando a guerra como ação imperialista e·genocida apoiada pelos ingleses e explicando a resistência paraguaia a partir do caráter modernizador do Paraguai de López, que teria se industrializado e ameaçando os interesses econômicos da Inglaterra das Américas. Foi essa historiografia que ressaltou importância dos escravos libertados para lutarem nas tropas brasileiras e que acusou a morte de 98 % dos homens paraguaios e 75% da população total (o genocídio de que falavam). Em um contexto ditadura militar no Brasil e da Guerra Fria, essas teorias fizeram grande sucesso.
Com a abertura democrática dos anos 1980 e com o fim da Guerra Fria, novas narrativas começaram a criticar o revisionismo. O livro Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai, de Francisco Doratioto, lançado nos anos 2000, é o maior expoente dessa nova versão. A seguir, trechos de uma entrevista dada por Doratioto ao jornal A Notícia, de Joinville, Santa Catarina.
Desde o fim da Guerra do Paraguai, sua História vem sendo contada de diferentes formas, não havendo, por vezes, consenso entre elas. As primeiras narrativas historiográficas sobre o conflito foram feitas por militares logo após o fim dos combates, nos últimos anos do Império, e foram exaltadas depois da Proclamação da República, em 1889. As forças armadas republicanas elegeram como heróis alguns oficiais monárquicos, como o Duque de Caxias e o Barão de Tamandaré.
Segundo o historiador Mario Maestri, ”(...) para apoiar a ideia de que a intervenção militar constituiu uma reação ao ataque dos territórios brasileiros, esses relatos propuseram comumente como ponto zero do confronto o aprisionamento do vapor brasileiro Marquês de Olinda, em 12 de novembro de 1864, e não a intervenção brasileira, um mês antes, contra o governo constitucional uruguaio, apoiado pêlo Paraguai. A historiografia nacional-patriótica brasileira propôs que a guerra fosse contra a ditadura de Solano López, e não contra o povo paraguaio. Mesmo se o Império e a Argentina tenham anexado parcelas dos territórios paraguaios, transformando o país em uma verdadeira republiqueta, dizimando literalmente sua população. (Mas...) Como explicar o imenso esforço militar, as baixas multitudinárias e os mais de cinco anos necessários para vergar, em aliança com a Argentina e o Uruguai, uma nação de importância regional menor? Em geral, explicou-se a paradoxal resistência como resultado de preparação militar prévia e do fanatismo guarani, promovidos por Solano López. A indiscutível marcialidade paraguaia prosseguiu como espécie de Esfinge exigindo decifração e dificultando que a guerra galvanizasse o imaginário patriótico brasileiro".
Já nas décadas de 1960 e 1970, outras narrativas foram propostas. Dois livros marcam essa nova interpretação, conhecida como revisionismo: A guerra do Paraguai: um grande negócio (1968), de León Pomer; e Genocídio americano: a Guerra do Paraguai (1979), de Júlio José Chiavenato. Ambos os trabalhos criticavam duramente a Tríplice Aliança, mostrando a guerra como ação imperialista e·genocida apoiada pelos ingleses e explicando a resistência paraguaia a partir do caráter modernizador do Paraguai de López, que teria se industrializado e ameaçando os interesses econômicos da Inglaterra das Américas. Foi essa historiografia que ressaltou importância dos escravos libertados para lutarem nas tropas brasileiras e que acusou a morte de 98 % dos homens paraguaios e 75% da população total (o genocídio de que falavam). Em um contexto ditadura militar no Brasil e da Guerra Fria, essas teorias fizeram grande sucesso.
Com a abertura democrática dos anos 1980 e com o fim da Guerra Fria, novas narrativas começaram a criticar o revisionismo. O livro Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai, de Francisco Doratioto, lançado nos anos 2000, é o maior expoente dessa nova versão. A seguir, trechos de uma entrevista dada por Doratioto ao jornal A Notícia, de Joinville, Santa Catarina.
A Notícia - Nossos livros escolares dizem o Brasil declarou guerra ao Paraguai porque foi atacado. Já outros autores revisionistas alegam que este conflito foi tramado pelo imperialismo inglês. Afinal, quem é o vilão nesta história?
Francisco Doratioto - O historiador não busca um vilão na história, mas, sim, inserir o personagem histórico em seu contexto. Ninguém duvida, por exemplo, das características perversas de Hitler ou de Stálin. Contudo, não dá para explicar a história daquela época por essas características. Líderes políticos perversos e desequilibrados existiram vários e não promoveram a hecatombe de uma guerra mundial, como Hitler, ou uma ditadura tão dura quanto a de Stálin. Ou seja, "vilões" existem sempre, mas eles somente serão relevantes, terão importância significativa nos acontecimentos de sua época se o contexto histórico em que vivem criar uma situação que Ihes permita essa relevância. Cabe, portanto, ao historiador explicar esse contexto e, nele, compreender a atuação dos seus personagens. No livro Maldita Guerra, não analiso o conflito a partir da dicotomia "vilão" e "mocinho", mas, sim, explico o processo histórico que levou à guerra e à sua longa duração. Não me eximo, porém, de mostrar Solano López como um ditador, nem de mostrar falhas dos comandantes aliados na guerra.
AN - Não resta dúvida da valentia dos soldos paraguaios, lutaram bravamente mesmo quando já não havia mais nenhuma possibilidade de vitória. E como se comportaram as tropas aliadas, particularmente a brasileira?
Doratioto -' É verdade que os soldados paraguaios foram valentes em todos os combates, porque aquele que se recusasse a atacar ou tivesse uma atuação suspeita terminava severamente castigado, sendo mesmo fuzilado. Do lado do Exército Imperial, é difícil generalizar. As tropas brasileiras atuaram com valentia e espírito de sacrifício em diferentes momentos. Para citar dois, lembro os combates de Tuiuti, em maio de 1866, onde os aliados foram vitoriosos, e o de Curupaiti, em setembro desse mesmo ano, onde a vitória coube aos paraguaios, que causaram grande mortandade aos aliados. A longa duração da guerra e a derrota de Curupaiti causaram, porém, um grande desânimo entre as tropas aliadas. Caxias, que assumiu o comando do Exército Imperial no Paraguai no final de 1866, relatou posteriormente que encontrou a tropa brasileira com baixa combatividade. Em dezembro de 1868, quando ocorreram os combates decisivos de Itororó, Avaí e Lomas Valentinas - a chamada "dezembrada" – Caxias escreveu ao 'ministro da Guerra queixando-se amargamente de como soldados, e mesmo oficiais, brasileiros resistiram em exporem-se à luta. Essa situação foi tão grave na batalha de Itororó, que Caxias teve de atacar a ponte, sob balas dos inimigos, para evitar que a tropa fugisse ao combate. Foi um ato de grande heroísmo por parte de Caxias, pois apenas por milagre escapou de ser morto nesse ataque.
AN – O Brasil tem um tradição de resolver as questões de limites com países fronteiriços pela negociação. Por que com o Paraguai a diplomacia fracassou?
Doratioto - Há uma série de fatores. Do lado brasileiro, não se esperava e nem se planejava uma guerra contra o Paraguai, O Partido Liberal, que chegou ao poder em 1862, não tinha uma política externa planejada para o rio da Prata que substituísse aquela elaborada pelo Partido Conservador no final da década de 1840: preservar a independência do Uruguai e do Paraguai, para evitar a reconstrução do antigo reino do rio da Prata na forma de uma república, , sob a liderança de Buenos Aires. Temia-se que uma grande república ao Sul impedisse a livre navegação rios platinos - essencial para o contato entre o Rio de Janeiro e a província do Mato Grosso, isolada por terra do resto do Brasil; se tornasse uma ameaça militar ao Império do Brasil e, ainda, que servisse para inspirar o surgimento de um movimento republicano brasileiro. Os conservadores tinham princípios norteadores de sua ação no Prata, já os liberais não. Ademais, os liberais não tinham unidade interna, havendo feroz luta entre "históricos" e "progressistas", impedindo uma atuação serena externa. Como conseqüência, em 1864, o governo imperial, chefiado pelos liberais, deixou-se envolver na guerra civil do Uruguai, por demanda de estancieiros gaúchos que tinham propriedades e interesses econômicos nesse país. Solano López, por sua vez, carecia de um serviço diplomático - tinha apenas um agente comercial em Montevidéu - que lhe desse informações seguras sobre a região. Ele se deixou convencer pelo governo uruguaio, do Partido Blanco, hostilizado por Brasil e Argentina, de que a independência uruguaia estava ameaçada por esses dois países, os quais, posteriormente, se voltariam contra o Paraguai. Nem uma coisa nem outra correspondiam à verdade, mas Solano López acreditou que sim e buscou antecipar-se a essa suposta ameaça, iniciando uma guerra para bater as tropas do Império no Uruguai e derrubar o presidente Mitre em Buenos Aires. Para Mitre, por sua vez, o ataque paraguaio à Argentina dava a oportunidade para aliar-se ao Brasil e vencer Solano López. Este tinha estreitos vínculos com a oposição federalista argentina, que se opunha à construção do Estado nacional centralizado, defendido pela burguesia mercantil de. Buenos Aires e criado por Mitre em 1862, sob a designação de República Argentina. Esses vínculos tornavam Solano López uma ameaça à consolidação do Estado nacional argentino centralizado. Uma guerra que depusesse o líder paraguaio era, portanto, bem vista por Mitre. Pode-se dizer que a guerra era desejada pelos "blancos" uruguaios, que assim não ficariam sós na luta contra a Argentina e o Brasil e, por motivos diferentes, por Solano López e Mitre. Só não era desejada pelo governo imperial, que não teve condições políticas e nem tinha elaborado uma política externa clara que lhe permitisse resistir à pressão, dos estancieiros gaúchos e da opinião pública do Rio de Janeiro, para que o Império promovesse uma intervenção militar contra o governo uruguaio. Ademais, o governo imperial não suspeitava, pelo menos até outubro de 1864, da firmeza da decisão paraguaia em atacar o Brasil, caso houvesse essa intervenção. Daí não haver, com antecedência, uma ação diplomática no Prata, em lugar de uma ação de força por parte do Império.
AN- Os voluntários da Pátria deram uma importante contribuição para a vitória?
Doratioto – Sim. No início da Guerra, em todas as províncias, cidadãos se apresentaram como voluntários para lutar contra o Paraguai, Na Bahia, por exemplo, o presidente ordenou que não se aceitassem mais voluntários, pois eram tantos que não havia onde aquartelá-los. Era grande a indignação no Brasil contra o ataque paraguaio, visto como injustificado, pois não houvera ameaça brasileira ao Paraguai. A longa duração da guerra e as condições penosas em que foi travada - a longa imobilidade em terreno pantanoso e sob clima rigoroso, diante da fortaleza paraguaia de Humaitá - arrefeceram o ânimo da população brasileira, e os verdadeiros voluntários rarearam. A partir de 1866, muitos voluntários eram, na verdade, pessoas forçadas a ir para a guerra contra a sua vontade. Mas, ainda assim, cumpriram função importante, repondo os soldados brasileiros mortos. Na verdade, os voluntários da Pátria não teriam sido tão importantes se os integrantes da Guarda Nacional tivessem cumprido seu papel legal. A guarda era uma milícia, composta por homens de posse, voltada para a defesa da "ordem interna", ou seja, da estrutura social escravocrata. Em caso de guerra, previa a lei, a Guarda Nacional era reserva do Exército e deveria esforçá-lo. Contudo, os guardas nacionais resistiram em ir para o Paraguai, obrigando o governo imperial a recorrer aos voluntários da Pátria.
AN - O Exército saiu fortalecido da guerra?
Doratioto - Sim. Até a Guerra do Paraguai, o Exército era diminuto - uns 16 mil homens -, mal armado, tendo como soldados, no geral, homens com comportamento anti-social, que buscavam refúgio nos quartéis. A alta oficialidade, por sua vez, não tinha freqüentado a Academia Militar, fundada somente na segunda metade da década de 1850 e, em grande parte, fizera carreira graças a suas ligações políticas. A alta oficialidade era fiel antes à monarquia, ao imperador, do que à Nação. Para enfrentar o Paraguai, porém, o Império teve de montar um Exército moderno que, nos cinco anos do conflito, desenvolveu uma identidade própria, um espírito de corpo. Terminado o conflito, a oficialidade brasileira, principalmente até a patente de coronel, identificava-se antes com a Nação do que com a monarquia, da qual, inclusive, passou a divergir nos anos de 1880. Daí ser possível o Exército dar o golpe de Estado de 1889, que pôs fim à monarquia brasileira, proclamando a República.
AN - O Brasil agiu com dignidade diante dos paraguaios depois de derrotá-los?
Doratioto - Entendendo-se o Brasil como o governo brasileiro, sim. Em 1868, o Partido Conservador retornou ao governo no Brasil e retomou a política de defesa da independência paraguaia. Terminada a guerra, a diplomacia brasileira apoiou o novo governo paraguaio, instalado pelo Brasil, a resistir às pretensões territoriais argentinas - estabelecidas no Tratado da Tríplice Aliança de 10 de maio de 1865 - em relação ao Paraguai. Na verdade, um vencedor, o Império, se aliou ao vencido, o Paraguai, contra outro aliado, a Argentina. Não é exagero dizer que o Paraguai somente se manteve independente no pós-guerra graças ao apoio do Brasil. Já os soldados brasileiros, ao entrarem em Assunção, em 10 de janeiro de 1869, saquearam a cidade. Do saque participaram, também, comerciantes de diferentes nacionalidades e aventureiros que seguiam as forças aliadas.
AN - Solano López é um herói ou ditador megalomaníaco para os paraguaios? Suas atitudes não são semelhantes à de certos ditadores do século XX?
Doratioto - No Paraguai, ele é considerado um herói. Durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), o culto a Solano López era ideologia oficial do Estado, sendo perseguidos aqueles que questionassem. Décadas dessa ideologia criaram raízes profundas na sociedade paraguaia, mesmo após o estabelecimento da democracia. Contudo, hoje, há várias intelectuais que são críticos quanto ditadura de Solano López e sua responsabilidade na guerra. É difícil comparar à ditadura de Solano López com outras no século XX, pois os contextos são diferentes. O certo é que as ditaduras paraguaias do século XX buscaram apresentar de modo positivo a figura de Solano López, como uma forma de obter legitimidade histórica para o autoritarismo.
Francisco Doratioto - O historiador não busca um vilão na história, mas, sim, inserir o personagem histórico em seu contexto. Ninguém duvida, por exemplo, das características perversas de Hitler ou de Stálin. Contudo, não dá para explicar a história daquela época por essas características. Líderes políticos perversos e desequilibrados existiram vários e não promoveram a hecatombe de uma guerra mundial, como Hitler, ou uma ditadura tão dura quanto a de Stálin. Ou seja, "vilões" existem sempre, mas eles somente serão relevantes, terão importância significativa nos acontecimentos de sua época se o contexto histórico em que vivem criar uma situação que Ihes permita essa relevância. Cabe, portanto, ao historiador explicar esse contexto e, nele, compreender a atuação dos seus personagens. No livro Maldita Guerra, não analiso o conflito a partir da dicotomia "vilão" e "mocinho", mas, sim, explico o processo histórico que levou à guerra e à sua longa duração. Não me eximo, porém, de mostrar Solano López como um ditador, nem de mostrar falhas dos comandantes aliados na guerra.
AN - Não resta dúvida da valentia dos soldos paraguaios, lutaram bravamente mesmo quando já não havia mais nenhuma possibilidade de vitória. E como se comportaram as tropas aliadas, particularmente a brasileira?
Doratioto -' É verdade que os soldados paraguaios foram valentes em todos os combates, porque aquele que se recusasse a atacar ou tivesse uma atuação suspeita terminava severamente castigado, sendo mesmo fuzilado. Do lado do Exército Imperial, é difícil generalizar. As tropas brasileiras atuaram com valentia e espírito de sacrifício em diferentes momentos. Para citar dois, lembro os combates de Tuiuti, em maio de 1866, onde os aliados foram vitoriosos, e o de Curupaiti, em setembro desse mesmo ano, onde a vitória coube aos paraguaios, que causaram grande mortandade aos aliados. A longa duração da guerra e a derrota de Curupaiti causaram, porém, um grande desânimo entre as tropas aliadas. Caxias, que assumiu o comando do Exército Imperial no Paraguai no final de 1866, relatou posteriormente que encontrou a tropa brasileira com baixa combatividade. Em dezembro de 1868, quando ocorreram os combates decisivos de Itororó, Avaí e Lomas Valentinas - a chamada "dezembrada" – Caxias escreveu ao 'ministro da Guerra queixando-se amargamente de como soldados, e mesmo oficiais, brasileiros resistiram em exporem-se à luta. Essa situação foi tão grave na batalha de Itororó, que Caxias teve de atacar a ponte, sob balas dos inimigos, para evitar que a tropa fugisse ao combate. Foi um ato de grande heroísmo por parte de Caxias, pois apenas por milagre escapou de ser morto nesse ataque.
AN – O Brasil tem um tradição de resolver as questões de limites com países fronteiriços pela negociação. Por que com o Paraguai a diplomacia fracassou?
Doratioto - Há uma série de fatores. Do lado brasileiro, não se esperava e nem se planejava uma guerra contra o Paraguai, O Partido Liberal, que chegou ao poder em 1862, não tinha uma política externa planejada para o rio da Prata que substituísse aquela elaborada pelo Partido Conservador no final da década de 1840: preservar a independência do Uruguai e do Paraguai, para evitar a reconstrução do antigo reino do rio da Prata na forma de uma república, , sob a liderança de Buenos Aires. Temia-se que uma grande república ao Sul impedisse a livre navegação rios platinos - essencial para o contato entre o Rio de Janeiro e a província do Mato Grosso, isolada por terra do resto do Brasil; se tornasse uma ameaça militar ao Império do Brasil e, ainda, que servisse para inspirar o surgimento de um movimento republicano brasileiro. Os conservadores tinham princípios norteadores de sua ação no Prata, já os liberais não. Ademais, os liberais não tinham unidade interna, havendo feroz luta entre "históricos" e "progressistas", impedindo uma atuação serena externa. Como conseqüência, em 1864, o governo imperial, chefiado pelos liberais, deixou-se envolver na guerra civil do Uruguai, por demanda de estancieiros gaúchos que tinham propriedades e interesses econômicos nesse país. Solano López, por sua vez, carecia de um serviço diplomático - tinha apenas um agente comercial em Montevidéu - que lhe desse informações seguras sobre a região. Ele se deixou convencer pelo governo uruguaio, do Partido Blanco, hostilizado por Brasil e Argentina, de que a independência uruguaia estava ameaçada por esses dois países, os quais, posteriormente, se voltariam contra o Paraguai. Nem uma coisa nem outra correspondiam à verdade, mas Solano López acreditou que sim e buscou antecipar-se a essa suposta ameaça, iniciando uma guerra para bater as tropas do Império no Uruguai e derrubar o presidente Mitre em Buenos Aires. Para Mitre, por sua vez, o ataque paraguaio à Argentina dava a oportunidade para aliar-se ao Brasil e vencer Solano López. Este tinha estreitos vínculos com a oposição federalista argentina, que se opunha à construção do Estado nacional centralizado, defendido pela burguesia mercantil de. Buenos Aires e criado por Mitre em 1862, sob a designação de República Argentina. Esses vínculos tornavam Solano López uma ameaça à consolidação do Estado nacional argentino centralizado. Uma guerra que depusesse o líder paraguaio era, portanto, bem vista por Mitre. Pode-se dizer que a guerra era desejada pelos "blancos" uruguaios, que assim não ficariam sós na luta contra a Argentina e o Brasil e, por motivos diferentes, por Solano López e Mitre. Só não era desejada pelo governo imperial, que não teve condições políticas e nem tinha elaborado uma política externa clara que lhe permitisse resistir à pressão, dos estancieiros gaúchos e da opinião pública do Rio de Janeiro, para que o Império promovesse uma intervenção militar contra o governo uruguaio. Ademais, o governo imperial não suspeitava, pelo menos até outubro de 1864, da firmeza da decisão paraguaia em atacar o Brasil, caso houvesse essa intervenção. Daí não haver, com antecedência, uma ação diplomática no Prata, em lugar de uma ação de força por parte do Império.
AN- Os voluntários da Pátria deram uma importante contribuição para a vitória?
Doratioto – Sim. No início da Guerra, em todas as províncias, cidadãos se apresentaram como voluntários para lutar contra o Paraguai, Na Bahia, por exemplo, o presidente ordenou que não se aceitassem mais voluntários, pois eram tantos que não havia onde aquartelá-los. Era grande a indignação no Brasil contra o ataque paraguaio, visto como injustificado, pois não houvera ameaça brasileira ao Paraguai. A longa duração da guerra e as condições penosas em que foi travada - a longa imobilidade em terreno pantanoso e sob clima rigoroso, diante da fortaleza paraguaia de Humaitá - arrefeceram o ânimo da população brasileira, e os verdadeiros voluntários rarearam. A partir de 1866, muitos voluntários eram, na verdade, pessoas forçadas a ir para a guerra contra a sua vontade. Mas, ainda assim, cumpriram função importante, repondo os soldados brasileiros mortos. Na verdade, os voluntários da Pátria não teriam sido tão importantes se os integrantes da Guarda Nacional tivessem cumprido seu papel legal. A guarda era uma milícia, composta por homens de posse, voltada para a defesa da "ordem interna", ou seja, da estrutura social escravocrata. Em caso de guerra, previa a lei, a Guarda Nacional era reserva do Exército e deveria esforçá-lo. Contudo, os guardas nacionais resistiram em ir para o Paraguai, obrigando o governo imperial a recorrer aos voluntários da Pátria.
AN - O Exército saiu fortalecido da guerra?
Doratioto - Sim. Até a Guerra do Paraguai, o Exército era diminuto - uns 16 mil homens -, mal armado, tendo como soldados, no geral, homens com comportamento anti-social, que buscavam refúgio nos quartéis. A alta oficialidade, por sua vez, não tinha freqüentado a Academia Militar, fundada somente na segunda metade da década de 1850 e, em grande parte, fizera carreira graças a suas ligações políticas. A alta oficialidade era fiel antes à monarquia, ao imperador, do que à Nação. Para enfrentar o Paraguai, porém, o Império teve de montar um Exército moderno que, nos cinco anos do conflito, desenvolveu uma identidade própria, um espírito de corpo. Terminado o conflito, a oficialidade brasileira, principalmente até a patente de coronel, identificava-se antes com a Nação do que com a monarquia, da qual, inclusive, passou a divergir nos anos de 1880. Daí ser possível o Exército dar o golpe de Estado de 1889, que pôs fim à monarquia brasileira, proclamando a República.
AN - O Brasil agiu com dignidade diante dos paraguaios depois de derrotá-los?
Doratioto - Entendendo-se o Brasil como o governo brasileiro, sim. Em 1868, o Partido Conservador retornou ao governo no Brasil e retomou a política de defesa da independência paraguaia. Terminada a guerra, a diplomacia brasileira apoiou o novo governo paraguaio, instalado pelo Brasil, a resistir às pretensões territoriais argentinas - estabelecidas no Tratado da Tríplice Aliança de 10 de maio de 1865 - em relação ao Paraguai. Na verdade, um vencedor, o Império, se aliou ao vencido, o Paraguai, contra outro aliado, a Argentina. Não é exagero dizer que o Paraguai somente se manteve independente no pós-guerra graças ao apoio do Brasil. Já os soldados brasileiros, ao entrarem em Assunção, em 10 de janeiro de 1869, saquearam a cidade. Do saque participaram, também, comerciantes de diferentes nacionalidades e aventureiros que seguiam as forças aliadas.
AN - Solano López é um herói ou ditador megalomaníaco para os paraguaios? Suas atitudes não são semelhantes à de certos ditadores do século XX?
Doratioto - No Paraguai, ele é considerado um herói. Durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), o culto a Solano López era ideologia oficial do Estado, sendo perseguidos aqueles que questionassem. Décadas dessa ideologia criaram raízes profundas na sociedade paraguaia, mesmo após o estabelecimento da democracia. Contudo, hoje, há várias intelectuais que são críticos quanto ditadura de Solano López e sua responsabilidade na guerra. É difícil comparar à ditadura de Solano López com outras no século XX, pois os contextos são diferentes. O certo é que as ditaduras paraguaias do século XX buscaram apresentar de modo positivo a figura de Solano López, como uma forma de obter legitimidade histórica para o autoritarismo.
Ferreira, João Paulo Hidalgo
Nova História Integrada: Ensino Médio:Volume Único. Campinas, SP: Companhia da Escola, 2005, pp. 313,314,315 e 316.
Nova História Integrada: Ensino Médio:Volume Único. Campinas, SP: Companhia da Escola, 2005, pp. 313,314,315 e 316.
DESAFIOS
1) Compare as teorias de Doratioto à primeira historiografia sobre a Guerra do Paraguai. Qual o posicionamento de ambas a respeito: da imagem dos heróis de guerra brasileiros; das causas do conflito; e sobre Solano López?
2) Agora compare as teorias de Maldita Guerra como revisionismo da década de 1960 e 1970, ressaltando divergências e aproximações entre as duas nos mesmos três itens: a imagem dos heróis de guerra brasileiros; as causas do conflito; e Solano López.
3) Segundo o seu material de consulta, qual das versões é apresentada. Justifique com elementos do texto.
1) Compare as teorias de Doratioto à primeira historiografia sobre a Guerra do Paraguai. Qual o posicionamento de ambas a respeito: da imagem dos heróis de guerra brasileiros; das causas do conflito; e sobre Solano López?
2) Agora compare as teorias de Maldita Guerra como revisionismo da década de 1960 e 1970, ressaltando divergências e aproximações entre as duas nos mesmos três itens: a imagem dos heróis de guerra brasileiros; as causas do conflito; e Solano López.
3) Segundo o seu material de consulta, qual das versões é apresentada. Justifique com elementos do texto.
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