Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

sexta-feira, 30 de julho de 2010

RECUPERAÇÃO DA SINAGOGA DE NILOPOLIS.

O vídeo abaixo foi uma indicação do Marcos Davi Duarte da Cunha, membro do Café História

PROJETO JUDEUS EM NILÓPOLIS
Radamés Vieira

Próximo Shtetl: Nilópolis
A partir de 1920, um grupo de cerca de 300 famílias judias se instalou em Nilópolis, na Baixada Fluminense no Estado do Rio de Janeiro. Ali reconstruíram suas vidas em uma colônia, de uma forma muito assemelhada aos Shtetl, aldeias judaicas da Europa oriental, que podem ser muito bem visualizadas na obra do Nobel de literatura Isaac Bashevis Singer.
“Desde os primeiros escritos ficou claro que a literatura de Singer era, antes de tudo, um reflexo de sua infância e adolescência na Polônia. O shtetl é o cenário preferencial, mas os personagens estão longe de ser caricaturais ou ingênuos; o que temos aqui são pessoas à mercê de paixões e fantasias poderosas, inspiradas pelo misticismo e pelo folclore judaicos.” [Moacyr Scliar, in prefácio de 47 contos de Isaac Bashevis Singer (Companhia das Letras,2004)]. Nilópolis não foi muito diferente, apesar de clima e (paisagem) idiossincrasias distintos.
Em Nilópolis, onde essas famílias permaneceram por quase seis décadas, não poderiam deixar de ter os conflitos entre tradição e modernidade, homens e mulheres, riqueza e pobreza, depressão e entusiasmo, razão e misticismo. Diferenças políticas e de interpretação das leis divinas também marcaram encontros e desencontros, amizades e rixas que seriam sempre mediadas por um rabino da capital, o Rio de Janeiro.
A chegada dessas famílias à cidade de Nilópolis coincidiu com o crescimento urbano da cidade, para o que as famílias judias contribuíram em sua efetiva consolidação. Com uma participação ativa na economia da localidade, médicos, alfaiates, pequenos comerciantes, vendedores de porta-em-porta, chamados pelos seus conterrâneos de “clienteltchiks”, cruzavam a rua Mena Barreto, então a principal da cidade, falando Iídiche e oferecendo seus serviços e produtos a outra gente que também chegava àquela época, os migrantes internos, vindos principalmente do interior dos Estados de Minas Gerias, Espírito Santo e do Nordeste do Brasil.
Vamos mostrar também que, na mesma época, floresceu em Nilópolis uma comunidade sírio-libanesa, com basicamente duas grandes famílias, os Sessim David e os Abraão David, que, por características culturais de seus povos mais liberais, se miscigenaram com mais facilidade, tendo inclusive entrado para a política (foram e são vereadores, prefeitos, deputados e líderes de agremiações sócio culturais, como a G.R.E.S. Beija Flor de Nilópolis). Os judeus e os árabes em Nilópolis, conviveram em paz e harmonia, não permitindo que conflitos religiosos e de vizinhança de suas origens afetassem o bem estar comum.
A maioria dos judeus que viveu em Nilópolis já morreu, alguns foram para Israel, e outros se mudaram para Tijuca ou Zona Sul do Rio de Janeiro. Existem poucos remanescentes, (geralmente filhos dos que ali chegaram e acabaram nascendo na cidade), que ainda vivem e têm lembranças desse período. Alguns ilustres, como é o caso da atriz Tereza Rachel e de um dos maiores cancerologistas do Brasil e atual secretário municipal de saúde do Rio de Janeiro, o médico Jacob Kligerman. Outra famosa moradora foi a artista plástica Fayga Ostrower, que faleceu em 2001.

TRADIÇÕES E CULTO
Para manter as tradições magnificamente cantadas pelo personagem central Tevye, [no musical concebido a partir de um conto do escritor ídiche Sholem Aleichem], “Um Violinista no Telhado” (premiado com o Oscar), foi fundada em Nilópolis a sinagoga Tiferet Israel (Beleza de Israel), em fins dos anos 20.
Ela era fundamental para a prática religiosa e aulas da Torá. Nela funcionavam também as escolas de hebraico, Iídiche, além de cultura judaica, que dava um suporte educacional aos filhos dos imigrantes que estudavam em escolas convencionais junto com os não judeus. Era desenvolvida também a pratica de esportes e, em um terreno contíguo, chegou a funcionar um clube esportivo chamado Macabi.
O prédio da sinagoga, construída no estilo holandês pelo Rav Moshe Grymberg, em 1928, apesar de se encontrar em estado de abandono, ainda poderá ser recuperado para a construção de um futuro centro cultural e esportivo, idéia já apoiada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Cultural do Estado do Rio de Janeiro, além de vir a constituir um forte atrativo turístico na cidade.
A Sinagoga Tiferet Israel foi fundada pelo rabino Isaias Rafaelovistsh, um dos que recebeu o cientista Albert Einstein por ocasião de sua visita ao Brasil, em 1925. Ele era o representante no Rio de Janeiro da JCA ou ICA (Jewish Colonization Association), entidade criada em fins do século XIX em Londres, pelo Barão Maurício Hisrsh, que apoiava as populações judaicas pobres perseguidas, principalmente em suas emigrações.
A passagem desse rabino pelo Brasil também deixou outra marca indelével entre os judeus; a união dos ashkenazim (vindos do centro e leste europeu) com os sefaradim (da península ibérica e que já se encontravam por aqui há mais tempo). Ele foi o responsável pela criação da Comunidade Judaica oficial do Rio de Janeiro, no ano de 1924. Até então havia pouco contato entre eles.
Isaias Rafaelovistsh foi por isso o pioneiro na organização da comunidade judaica como um todo no Brasil.Para entendermos melhor essa dispersão, lembrou a pesquisadora Suzane Worcman em seu livro “Heranças e Lembranças”, (da coleção Quase Catálogo, ARI, CIEC e MIS, 1991) o seguinte:
“A imigração judaica deste período (até a década de 30), não se deu de uma forma organizada, tendo um caráter aleatório e familiar; vinha primeiro um irmão, um pai de família, seguido ou não por outros membros da família. Era uma emigração sem retorno, pois nem as primeiras gerações nem as segundas pensavam em voltar”

MORRER PARA VIVER
Como bem relata em seu livro Os Judeus no Brasil (ed. Civilização Brasileira, 2005), a doutora em História Keila Grinberg fala particularmente de uma grande dificuldade na instalação das comunidades judaicas até o início do século XX. “Um dos aspectos mais difíceis da vida cotidiana dos judeus no Brasil do século XIX era a morte. A morte e as questões práticas a ela relacionadas... A dificuldade maior estava no fato de os cemitérios públicos, constituídos a partir da década de 1850, serem de uso exclusivo dos católicos... Resultado: Os judeus não tinham onde ser enterrados”.
Para resolver essa questão, foi criado, em um terreno separado por um muro contíguo ao cemitério municipal já existente, o cemitério comunal Israelita de Nilópolis, que teve seu primeiro sepultamento em 1935 e até hoje é onde, junto com o Cemitério Israelita do Caju e o Cemitério Israelita de Vila Rosali, descansam os judeus que por aqui morrem. Depois da criação do Estado de Israel em 1948, alguns, por desejo manifestado ainda em vida ou de parentes, foram transladados para Jerusalém.

UM GUETO LIVRE NOS TRÓPICOS
O bairro da Praça Onze, no Rio de Janeiro, teve uma vida judaica dinâmica e ativa no início dos anos de 1920 até fins dos anos de 1940. Samuel Malamud, primeiro Cônsul honorário do Estado de Israel no Brasil, descreve em seu livro Memórias da Praça Onze (Kosmos editora, 1988):
“Dava a impressão de um enorme gueto, sem muralhas ou restrições... Naquele período, a população judaica do Rio de Janeiro crescia diariamente, devido ao enorme afluxo imigratório procedente dos países da Europa Oriental. Aos poucos os imigrantes foram se fixando em todos os bairros da cidade, principalmente da Zona Norte... Chegou, inclusive, a surgir uma comunidade bastante numerosa, formando um vilarejo judaico, no município de Nilópolis, a uma hora de trem do Rio, pela Central do Brasil.”
A relação dos judeus de Nilópolis com os da Praça Onze era muito forte, inclusive em inúmeros casos de parentesco. A praça onze funcionava como uma espécie de matriz para os judeus de outros bairros e cidades próximas ao Rio de Janeiro.Era lá que se instalavam em primeiro lugar os que chegavam da Europa.
Cerimônias religiosas, conflitos, consultas ao rabino, sede de instituições culturais e beneficentes e até mesmo relações comerciais eram ali estabelecidas. Essa comunidade teve fim com a demolição no local para a abertura da Avenida Presidente Vargas em fins dos anos de 1940.

O LIVRO DE ADOLFO
Em seu livro ainda inédito “Judeus no Braisl”, o professor titular de História Medieval da USP, Nachman Falbel, revela que o primeiro livro escrito em iídiche no Brasil “Neie Heimein” – Novos Lares-, do escritor Adolfo Kischinevisky, foi editado em Nilópolis no ano de 1932. Adolfo, que na verdade se chamava Yudel, nasceu em Tiraspol, na Rússia, e veio para o Brasil em 1918, tendo tido uma passagem de nove anos pela Argentina onde exerceu o trabalho de relojoeiro.
Morreu aos 46 anos, em 1936 de infecção generalizada, mas chegou a morar e desenvolver várias atividades sociais, políticas e culturais no Brasil. Além de ter participado ativamente da imprensa judaica do Rio de Janeiro como colaborador. Foi presidente do Centro Israelita de Nilópolis e tomou parte em diversas iniciativas comunitárias. Em seu livro de contos, que pretendemos mostrar no documentário, o autor reflete vários aspectos da vida de imigrantes judeus no Brasil que transmite em sua obra literária.

O LIVRO DE ESTHER
Vivência Judaica em Nilópolis é o título do livro de Esther London, (editora Imago, 1999); uma judia nascida em Ostrowiec, na Polônia e que com apenas 19 anos, em 1935, chegou ao Brasil e em 1939 casou-se com Mojza London, de Nilópolis, onde foi morar e constituiu sua família. Morou lá até 1952, onde teve dois filhos, Pedro e Jack London, e participou ativamente da vida comunitária.
A partir do relato desse livro é que vai se desenrolar o documentário e posteriormente um filme de ficção, com argumento inédito do acadêmico Moacyr Scliar e escrito especialmente para cinema. A direção será do cineasta Roberto Farias, com roteiro de Geraldo Carneiro.
Neste livro constatamos depoimentos pungentes de pessoas que lá viveram. De uma forma simples e direta, a autora reproduz diversos momentos de uma vida que hoje só resta na memória de uns poucos.
Sem explicações acadêmicas ou a pretensão de um estudo de comportamento, a senhora Esther London, uma nonagenária lúcida e com incrível poder de articulação de pensamentos e lembranças, desenhou no livro uma tela literária tal qual Carlos Scliar, outro imigrante judeu no Brasil, fazia com seus pincéis em suas telas.
Apesar de ter sofrido um AVC em 2003, e de ter dois filhos e netos, faz questão de morar só (em Copacabana) e continuar a administrar a própria vida, bem no estilo matriarcal comumente encontrado no povo Judeu. E é com ela que tomaremos o primeiro depoimento de um documentário para televisão que servirá de base para o roteiro do filme.

Para maiores informações acesse o site: Judeus em Nilópolis.
http://www.judeusemnilopolis.com.br/release/detalhes-offline.htm

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