Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

sábado, 25 de abril de 2009

O PROCESSO DE EXTINÇÃO DA ESCRAVIDÃO


Fonte: Holanda, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. RJ. J. Olympio, 1956.p. 92
O aumento da importação de escravos nos anos imediatamente anteriores à Lei Eusébio de Queirós decorreu da preocupação dos senhores brasileiros com o esperado desfecho das pressões inglesas. A lei, por sua vez, não extinguiu completamente o tráfico, que continuou ilegalmente, mas de forma bastante reduzida e em declínio. Contudo, se o tráfico negreiro declinava, o tráfico interno ganhou impulso, abastacendo as áreas produtoras de café.
A tabela acima é só para complementar as informações do infográfico, já que é bem mais completa.
Na tabela a seguir, podem-se observa os preços médios dos esravos antes da Lei Eusébio de Queirós e após, permitindo-se a constatação de que os custos operacionais dos fazendeiros que utilizam a mão-de-obra escrava tornaram-se inviáveis.

A respeito do encarecimento da mão-de-obra escrva e de seu impacto sobre a própria escravidão, os historiadores Hilário Franco Júnior e Paulo Pan Chacon observaram:
"O desenvolvimento do capitalismo industrial central, gerando a necessidade de uma contínua expansão dos mercados, pressionava no sentido do desaparecimento da mão-de-obra escrava nas suas áreas periféricas. O interesse em ganhar esse mercado potencial é que explica a mudança de posição da Inglaterra diante do escravismo, defendido por ela na época mercantilista e combatido no século XIX.
Além disso, é precisso notar que, apesar da resistência que as idéias abolicionistas provocaram, o fato é que elas foram presentadaas e reivindicadas no Parlamento em que dominava a classe escravista, o que nos leva a perceber que ela própria, ao longo do século XIX, começa a perceber a necessidade de mudar o regime de mão-de-obra. (...)
Dessa forma a escravidão estva condenada a desaparecer em pouco tempo, pois, no Brasil, ao contrário do que aconteceria nos EUA, nunca se conseguiu com sucesso a reprodução do plantel de escravos; as grandes propriedades norte-americanas especializadas na criação não tiveram similares no caso brasileiro. A alta taxa de mortalidade entre os escravos, agravada por uma baixanatalidade, reduzia constantemente a população cativa - ela representava 74% da população total no início do século XIX, 31% em 1850, 15& em 1872 e somente 5% em 1887 - provocando naturalment, a elevação de seu preço, que em média subiu de 300 dólares por escravo em 1835 para 650 em 1875."
Hilário Franco Júnior e Paulo Pan Chacon . História Econômica Geral e do Brasil. São Paulo: Atlas, 1980. p. 269.
A Inglaterra e o fim do tráfico negreiro
"A Inglaterra, até o século VIII, era a grande beneficiária do tráfico negreiro. (...) Os traficantes ingleses vendiam escravos não apenas aos plantadores das colônias britânicas, mas também aos franceses e espanhóis. (...) O retorno era altamente lucrativo, pois os espanhóis pagavam em ouro e prata de suas colônias. (...)
Com a Revolução Industrial, os interesses econômicos ingleses privilegiaram a ampliação de mercados consumidores pra suas manufaturas. Com o objetivo de diminuir o custo de produção, a burguesia, ligada às atividades industriais, desejava que os produtos coloniais fossem vendidos na Grã-Bretanha a preços reduzidos porque poderia pagar salários mais baixos. Por conta deste processo, o tráfico negreiro não ocupava mais o lugar de destaque que outrora alcançara na economia brtânica.
(Neves e Machado, 1999)
As duas visões acima reflentem posições historiográficas onde certos autores estabelecem vínculos diretos entre a campanha abolicionista e os interesses dos grupos industriais ingleses.
Os artigos abaixo fora extraídos do site da Revista de História da Biblioteca Nacional. Edição maio de 2008, número 32. Acesso 26/04/2009
GUERRA DE VERSÕES
Robert Daibert Jr.
Desde a metade do século XIX a monarquia mostrou-se disposta a aprovar projetos abolicionistas. Em meio ao aumento da violência em conflitos entre escravos e senhores, as leis do Ventre Livre (1871) e dos Sexagenários (1885) buscavam manter a grande produção agrícola e preservar a ordem social.
Este processo fez crescer a oposição dos proprietários escravocratas, que engrossavam as fileiras republicanas. Ao afastar-se deles, a monarquia se preparava para construir uma nova base de legitimidade, sintonizada com grupos emergentes (como os setores médios urbanos) e com as expectativas gerais da população. Para isso, investiu pesado na propaganda que associava a abolição a uma ação exclusiva da princesa Isabel. Uma espécie de febre monarquista, de natureza cultural e religiosa, foi difundida naquele momento. Valendo-se de concepções de realeza herdadas da África, foi natural para os negros adotar essa idéia da abolição como uma redenção concedida pela monarquia. Ela se espalhou pelos espaços da cultura popular, fortalecida em seu caráter místico e africanizado.
Após a queda da monarquia, a República tentou ligar-se à memória da abolição. Seu principal argumento era a recusa do Exército em capturar os escravos fugidos. Reivindicava-se, assim, o reconhecimento dos republicanos militares como atores da abolição e redentores da pátria livre. Nos manuais escolares, o ensino da história da abolição exaltava como heróis republicanos Silva Jardim e Deodoro da Fonseca. Nas comemorações oficiais da abolição, o 13 de maio e o 15 de novembro eram apresentados como datas complementares de um mesmo processo de modernização do país, marcos de uma nova era que proporcionou o exercício pleno da cidadania, abrindo as portas do Brasil ao progresso e à civilização. De modo complementar, ligavam o sistema monárquico à escravidão e ao atraso do país, além de silenciar o nome da princesa Isabel no processo de aprovação do projeto convertido em lei.
Mas a estratégia não conquistou os libertos e os afro-descendentes. Houve derramamento de sangue e tentativas de resistência após a proclamação da República. O novo regime foi assombrado por fuzilamentos em massa, espancamentos de negros fiéis à sua “Redentora”, prisão e deportação de líderes da Guarda Negra (espécie de milícia organizada para defender a monarquia e a princesa Isabel) e conflitos com ex-escravos que se recusavam a trabalhar para fazendeiros republicanos. Muitos negros, convencidos de que deviam sua liberdade ao trono, tornavam-se mártires pela monarquia. Conseqüentemente, foram esquecidos pela República.
ROBERT DAIBERT JÚNIOR é professor do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e autor de "Isabel, a "redentora" dos escravos: Uma história da princesa entre olhares negros e brancos (1846-1988). (Bauru: Editora do Sagrado Coração - EDUSC, 2004)"

EM NOME DE DEUS
José Murilo de Carvalho
Foi muito diferente o papel exercido pela religião e pelas igrejas nos movimentos abolicionistas dos Estados Unidos e do Brasil.
O mais forte componente dos abolicionismos britânico e norte-americano foi justamente a convicção religiosa. Os quakers foram pioneiros na luta contra a escravidão na Grã-Bretanha. Esse grupo religioso puritano, conhecido como Sociedade dos Amigos, engajou-se na luta desde o final do século XVII. Apesar de não haver condenação da escravidão na Bíblia, eles decidiram que sua prática era incompatível com o princípio da igualdade de todos os homens perante Deus. Aliados a outros religiosos, organizaram-se em sociedades abolicionistas, mobilizaram a opinião pública e pressionaram o Parlamento para aprovar medidas contra a escravidão. Em 1807, esses militantes conseguiram sua primeira grande vitória quando o Parlamento decretou o fim do tráfico de escravos.
A atuação dos quakers estendeu-se aos Estados Unidos, onde a luta foi muito mais dura, pois lá a escravidão estava dentro do país. Mesmo assim, na década de 1830 já funcionavam várias sociedades abolicionistas, todas movidas por valores puritanos e organizadas por quakers, metodistas e batistas. A mais importante foi a American Anti-Slavery Society, criada em 1833. No Brasil, nem o pensamento abolicionista se baseou na religião, nem a Igreja Católica se empenhou na causa. Pelo contrário, padres e ordens religiosas eram coniventes e cúmplices da escravidão. A Bíblia, argumentava-se, não proibia a escravidão e, afinal, o que importava era a liberdade da alma livre do pecado, e não a liberdade civil. Além disso, padres eram empregados do Estado, cujos interesses tinham dificuldade em contrariar. Nosso abolicionismo baseou-se antes em razões políticas e humanistas.
Esse contraste ajuda a entender por que, nos Estados Unidos, a abolição foi seguida de forte ação a favor dos ex-escravos, sobretudo nos campos da educação, dos direitos políticos e do acesso à propriedade da terra. Entre nós, nada foi feito, nem pelo Estado, nem pela Igreja, nem pelos particulares.
José Murilo de Carvalho é professor titular da UFRJ e autor de Dom Pedro II: Ser ou não ser (São Paulo: Companhia das Letras, 2007).

SENSIBILIDADE INGLESA
Manolo Florentino
Quando se trata de avaliar os motivos da pressão inglesa pelo fim do tráfico atlântico de escravos, paira nos bancos escolares do ensino médio o estigma do “Ocidentalismo” – crença que reduz a civilização ocidental a uma massa de parasitas sem alma, decadentes, ambiciosos, desenraizados, descrentes e insensíveis.
Não podem ser levadas a sério teses que vinculam a ação britânica a imaginárias crises econômicas do cativeiro no Caribe na passagem do século XVIII para o seguinte. O tráfico seguia lucrativo e não passava pela cabeça de nenhum líder inglês sério que a demanda americana por bens britânicos pudesse aumentar com o fim da escravidão. Mas tudo isso continua a ser ensinado aos nossos filhos e netos.
O abolicionismo britânico tinha natureza cultural e política. Na vanguarda do movimento estavam ativistas que não abriam mão da crença na unidade do gênero humano, com destaque para os quakers, que rejeitavam o uso da violência com o mesmo empenho com que recusavam qualquer sacramento ou hierarquia eclesiástica.
Tratando-se de convencer por meio da palavra e de petições antiescravistas, ajudava contar com uma sólida tradição parlamentar, desfrutar de liberdade de imprensa e circular pela eficiente rede inglesa de comunicações. Mas o pulo do gato do mais ambicioso projeto de persuasão política surgido no Ocidente antes do advento do marketing moderno foi insistir no sofrimento do africano como metáfora do arbítrio vivido pelo inglês comum – o único meio de escamotear o fator racial que os apartava.
O rapto de cidadãos reproduzia as tripulações da mais poderosa Marinha do mundo – dezenas de milhares de homens foram capturados por gangues armadas do serviço naval durante as guerras napoleônicas. Do mesmo modo, ainda no plano das sensibilidades, as terríveis condições materiais das primeiras gerações de operários britânicos estabeleciam pontes entre as trajetórias do inglês comum e as dos milhares de escravos capturados na África. Eis o fermento para a abolição do tráfico em 1807, da escravidão na década de 1830 e da legitimação moral dos aprisionamentos feitos pela Royal Navy até a segunda metade do século.
Claro que tudo isso justificou as posteriores conquistas coloniais na África e na Ásia. Mas a aventura abolicionista britânica bem merece uma estátua em cada uma das praças mais importantes das antigas sociedades escravistas das Américas.
MANOLO FLORENTINO É professor de História da UFRJ e autor do livro "Em costas negras: Uma história do tráfico entre a África e o Rio de Janeiro (São Paulo: Companhia das Letras, 2002, 2ª ED.)"

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