Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Oficina de História


Visões historiográficas. Oficina: O Reverso das Versões
Quem conta um conto aumenta um ponto...
E quem conta a História do nosso país, quantos pontos aumenta?
É no mínimo intrigante o contraste entre a eterna polêmica historiográfica presente nos meios acadêmicos e as certezas históricas que chegam às escolas.
Por que não dividirmos com nossos alunos não apenas as certezas, mas também as polêmicas?
Esta oficina apresenta três diferentes versões para um dos mais conhecidos episódios da História do Brasil. Compare-as para saber se a proposta é viável para trabalhar com suas turmas.

A independência se fez "no grito"?
Apesar de muito questionada, a versão mais conhecida do processo de independência do Brasil é aquela que apresenta D. Pedro I como nosso herói redentor. Outras interpretações pensam em forças sociais mais amplas e analisam conflitos de interesses desses grupos.
Onde está a verdade? Existe uma verdade? Como nossos alunos podem se posicionar diante de diferentes análises desse e de outros momentos históricos?
Vamos aqui discutir três exemplos de interpretação da independência brasileira, buscando a construção de critérios para o questionamento de diferentes versões historiográficas
DICA
Os textos propostos para análise só farão sentido se os alunos já tiverem discutido o retorno de D. João VI para Portugal e a política de recolonização que a metrópole tenta impor a partir de então.

Versão Pedro Américo
Imagem também conta história?


Em diversos livros e sites há confusão sobre o nome desta tela: alguns autores a chamam de "O Grito do Ipiranga". O nome correto é mesmo Independência ou Morte. Esta pintura encontra-se atualmente no Museu da Cidade de São Paulo.
Óleo sobre tela, 900x510 cm, 1888, de autoria do pintor brasileiro Pedro Américo (1843-1905), feita na cidade italiana de Florença, por encomenda do governo imperial brasileiro.
Segundo essa fonte, como se deu nossa independência?
Já leu as outras versões?
Baú de Ideias
A inclusão de imagens como fonte historiográfica não chega a ser novidade entre historiadores, mas só recentemente chegou à sala de aula...
Bem, antes tarde do que nunca!
Vivemos em uma cultura predominantemente visual: televisão, cinema, revista, computador, internet, jornal, outdoors, cartazes de todos os tipos - enfim, somos bombardeados diariamente por uma quantidade enorme de informações visuais. Todas tentam seduzir - seja para nos convencer de alguma ideia, seja para nos vender alguma mercadoria. A escola não pode mais deixar de incluir a educação do olhar como conteúdo prioritário, até porque os livros didáticos são uma importante fonte de imagens para os alunos. Estas não devem ser apresentadas apenas como ilustração, e sim como mais um recurso para reflexão. Contribuiremos, então, para a formação de um cidadão mais crítico, menos passivo diante das estratégias dos especialistas em sedução pela imagem.
Vale destacar que essa capacidade crítica que estamos nos propondo a estimular não se restringe à comunicação visual. Um exemplo: a prática de apresentar partes selecionadas de um texto, usando reticências (como nos textos analisados nesta oficina), pode ser comparada à edição de imagens pela televisão. Em ambos os casos, estamos recebendo uma mensagem trabalhada segundo a interpretação de uma pessoa. Por mais bem-intencionada que seja a edição, ela não é "a verdade" e sua credibilidade deve sempre ser questionada.
DICA
É importante que os alunos busquem justificar sua interpretação esclarecendo que elementos presentes na pintura permitem essa leitura.
Versão Emília Viotti
O texto apresentado a seguir não está em sua versão integral: retiramos partes que traziam outras discussões paralelas ao tema central. Mesmo que ninguém repare nas reticências, isso pode e deve ser discutido em sala. Será que nos parágrafos omitidos existe alguma informação que mudaria nossa análise? Pode ser interessante disponibilizar a versão integral http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/historia/versoes/downloads/Emiliaviotti.pdf
dos textos discutidos ou, pelo menos, indicar a fonte com clareza. É importante também que o professor explique por que o texto não está completo e que critérios foram utilizados nessa seleção de parágrafos.
Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil
"(...) O temor da população culta e ilustrada diante da perspectiva de agitação das massas explica por que a ideia de realizar a independência com o apoio do príncipe pareceria tão sedutora: permitiriam emancipar a nação do jugo metropolitano (opressão, dominação por parte da metrópole, no caso, Portugal) sem que para isso fosse necessário recorrer à rebelião popular. (...)
A série de medidas tomadas pelas Cortes, a partir de julho de 1821, tinha revelado uma mudança na orientação política, econômica e administrativa em relação ao Brasil, denunciando as intenções recolonizadoras das Cortes. Algumas tentavam anular as regalias que o Tratado de 1810 e outros dispositivos subsequentes tinham concedido aos comerciantes ingleses. (...)
No Rio de Janeiro, já em outubro de 1821, começaram a aparecer pregadas pelas esquinas, "décimas" (estrofes de 10 versos de 7 sílabas, muito populares na época), persuadindo o príncipe que era melhor ser já Pedro I que esperar para ser Pedro IV. (...)
Para D. Pedro havia apenas duas atitudes possíveis: ou obedecia às Cortes e voltava degradado para Portugal, ou rompia definitivamente com eles proclamando a independência. D. Pedro preferiria esta solução. Tomando conhecimento das novas das Cortes, proclamou a 7 de setembro, em São Paulo, a independência do Brasil. (...)
O estudo das biografias dos homens que assumiram a direção do movimento da independência no Rio de Janeiro vem confirmar que representavam as categorias mais importantes da sociedade. Nem todos eram brasileiros de nascimento. Alguns tinham ligações com a Corte de D. João VI. Sua formação se fizera em Portugal. Eram em maioria homens de mais de cinquenta anos. Estavam empenhados em manter a ordem, evitar a anarquia e os "excessos do povo". (...)
A emancipação política realizada pelas categorias dominantes interessadas em assegurar a preservação da ordem estabelecida, cujo único objetivo era romper o sistema colonial no que ele significava de restrição à liberdade de comércio e à autonomia administrativa, não ultrapassaria seus próprios limites. A ordem econômica seria preservada, a escravidão mantida."
COSTA, Emília Viotti da - Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. SP: Ditel, 1982.
Jugo metropolitano: opressão, dominação por parte da metrópole. No caso, por parte de Portugal.
Tratado de 1810: reafirmando a abertura dos portos (1808), porém privilegiando o comércio com a Inglaterra, determinou a abertura de um porto franco na ilha de Santa Catarina (o que facilitaria o comércio da Inglaterra com Buenos Aires), com alíquota alfandegária de 15% para produtos britânicos, 16% os produtos portugueses e 24% para os demais países.
Décimas: estrofe de 10 versos de 7 sílabas, muito popular na época.
DICA
É importante que os alunos busquem utilizar suas próprias palavras nessa síntese. Trata-se de uma estratégia para evitar a cópia sem compreensão - quem entende uma ideia deve ser capaz de expressá-la com autonomia.

Baú de Ideias
Fazer a síntese de um texto historiográfico pode não ser tarefa simples para nossos alunos. Afinal, em que momento a leitura é objeto de estudo nas aulas de História? Raramente ensinamos, mas com frequência cobramos, não? Partimos do pressuposto de que o aluno já foi alfabetizado, portanto sabe ler e escrever. Mas sabe mesmo? Todos os tipos de texto?
A proposta é incorporar técnicas de leitura e escrita como conteúdos procedimentais de História. Se for possível levar esse trabalho em parceria com Língua Portuguesa, os resultados podem ser ainda melhores.
Obs.:Conforme sugerem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), além dos conceitos e discussões historiográficas, devem fazer parte dos conteúdos de aprendizagem de História o "saber fazer", isto é, habilidades e estratégias que permitam o estudo daquela disciplina de forma autônoma. Aprender a aprender é a ordem do dia!
Todos sabemos da dificuldade de concretizar parcerias com outros professores da equipe - falta tempo, falta tempo -, mas os ganhos talvez compensem o sacrifício. Não somente o conteúdo de Língua Portuguesa fará mais sentido quando tiver aplicação imediata no estudo de outra disciplina, como também esse trabalho será mais produtivo se os professores - incluindo outras disciplinas como Geografia e Ciências - estiverem caminhando com um mínimo de unidade.
Na
página de downloads, disponibilizamos os seguintes textos:
"Conhecimento dos meios social e cultural", de Jaume Rios, sobre conteúdos procedimentais na área de ciências sociais.
"Fatores determinantres na elaboração dos resumos: maturação ou condições da tarefa?" e "Extraindo informações do texto - algumas considerações sobre marcação formal do tema e legibilidade", ambos de Ângela Kleiman.

Versão Oliveira Lima
O texto apresentado a seguir não está em sua versão integral: retiramos partes que traziam outras discussões paralelas ao tema central. Mesmo que ninguém repare nas reticências, isso pode e deve ser discutido em sala. Será que nos parágrafos omitidos existe alguma informação que mudaria nossa análise? Pode ser interessante disponibilizar a versão integral http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/historia/versoes/downloads/OliveiraLima.pdf dos textos discutidos ou, pelo menos, indicar a fonte com clareza. É importante também que o professor explique por que o texto não está completo e que critérios foram utilizados nessa seleção de parágrafos.

O Grito do Ipiranga
"Dom Pedro partiu para São Paulo com uma mui pequena comitiva: acompanharam-no Luís de Saldanha da Gama, depois marquês de Taubaté, filho do conde da Ponte, veador da Princesa Real, e que lhe servia de secretário político, como na viagem a Minas Gerais; Estevão Ribeiro de Resende, o gentil-homem da câmara Francisco de Castro Canto e Melo, irmão da que foi mais tarde marquesa de Santos e toda poderosa favorita; o já infalível Chalaça - ajudante Francisco Gomes da Silva - que tantos dissabores acarretou a seu amo pela impopularidade que o cercava, e os criados particulares do Paço, João Carlota e João Carvalho. Na Venda Grande juntaram-se ao séquito o tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo, que o príncipe fez em caminho governador da praça de Santos, e o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, de Minas Gerais, muito seu confidente. (...)
O motivo que se aguardava para o rompimento definitivo, o impulso necessário para esse instante decisivo, foi fornecido pela chegada ao Rio de Janeiro, a 28 de agosto, do brigue Três Corações, trazendo notícias de Lisboa até 3 de julho. (...)
Reunido o conselho de ministros sob a presidência da regente, assentou-se sem discussão ter chegado a hora precisa e almejada e foi despachado para São Paulo o correio Paulo Emílio Bregaro, com a recomendação de José Bonifácio, que bem traduz a impaciência que o dominava, de arrebentar quantos cavalos quisesse para o mais depressa possível alcançar lá o príncipe, sob pena de perder o lugar. Aos papéis oficiais de Lisboa, entre os quais vinha também uma carta de Antônio Carlos, de 2 de julho, muito desanimada com o andamento dos negócios pela atitude hostil das Cortes e da população, juntou José Bonifácio uma carta sua e juntou a Princesa Real outra que Drummond conta haver lido e que diz ter agido poderosamente sobre o espírito de Dom Pedro. (...)
Sabendo por Canto e Melo, que tinha de São Paulo, da chegada dos emissários do Rio, os quais de perto seguiam o gentil-homem da câmara, Dom Pedro adiantou-se ao seu séquito para receber os despachos que lhe foram apresentados pelo oficial portador. Comunicando então à comitiva que as Cortes queriam 'massacrar' o Brasil, arrancou o tope de fita azul claro e encarnado (as cores constitucionais portuguesas antes do azul e branco) que ostentava no chapéu armado, lançou-o por terra e, desembainhando a espada, bradou - 'É tempo! ... Independência ou Morte! ... Estamos separados de Portugal!'"

LIMA, Oliveira - O movimento da Independência, 1821-1822. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997 (1ª edição: 1922)

Veador: como eram chamados os caçadores que atuavam nos montes.
Gentil-homem: um dos cargos da corte imperial do Brasil.
Brigue: antigo navio a vela.

Segundo esta fonte, como se deu nossa independência?

DICA
Em História trabalhamos frequentemente com textos de época, de difícil linguagem. Para não afastarmos nossos alunos, pode ser interessante que o primeiro contato com o texto seja uma leitura conjunta, em sala de aula, com bastante calma. Um bom glossário também pode ser muito útil. Além disso, é importante também que os alunos busquem utilizar suas próprias palavras nessa síntese. Trata-se de uma estratégia para evitar a cópia sem compreensão - quem entende uma ideia deve ser capaz de expressá-la com autonomia.

Análise Crítica dos Textos
Já leu as três versões?
Para melhor compararmos as versões apresentadas, devemos ir além da identificação da ideia principal do texto - devemos analisá-las criticamente. Estaremos tentando desvendar pontos de vista, tendências e interesses políticos e pessoais, confiabilidade das fontes mencionadas, entre outros fatores. Certamente, isso só poderá ser praticado em sala de aula de forma limitada, dada a pouca bagagem de leitura de nossos alunos e mesmo sua pouca experiência de vida. Mas vejamos se o que é possível ainda vale a pena.

Duvidar
Podemos começar nosso questionamento tanto pelo conteúdo do texto historiográfico quanto pelo contexto em que foi produzido.
É um trabalho menos óbvio do que pode parecer à primeira vista. A maior parte dos textos historiográficos apresenta a sua versão como a única verdadeira. E quem é você para duvidar de uma informação que foi publicada e distribuída?
É muito provável que os alunos sintam-se inicialmente incapazes de fazê-lo. Por isso devemos ter cuidado ao escolher os textos a serem trabalhados. É interessante que tenham linguagem relativamente acessível e que suas ideias centrais sejam facilmente identificáveis, e contrastantes com as de outro texto.

DICA
É bom lembrar que quando definimos etapas na análise do texto, estamos apenas usando um artifício para organização do trabalho. É importante ficar claro para os alunos que autoria e contexto são, na prática, inseparáveis, relacionando-se de forma dialética. Esse tipo de abordagem tem a vantagem de destacar que todo texto tem um autor e que sua visão da História nasce de um contexto social e pessoal

Duvidar do autor
Nesta etapa, questionaremos o autor e o contexto histórico de produção do texto. Estaremos, basicamente, tentando compreender o ponto de vista a partir do qual a realidade histórica em discussão foi interpretada.
Algumas perguntas possíveis:
Quem é o autor desse texto?
Tem ligações políticas conhecidas?
Onde trabalha? Onde trabalhou?
Foi financiado por alguma entidade pública ou privada?
Se foi, qual o posicionamento político dessa entidade?
Quando e onde a obra foi escrita? Qual era o contexto político?
Procuramos listar algumas questões possíveis para esse tipo de trabalho. Algumas servirão para analisar as três interpretações desta oficina, outras não. Tente respondê-las e imaginar como os alunos se sentiriam fazendo o mesmo.

Dica
Muitas dessas perguntas não poderão ser respondidas em todas as análises de fontes historiográficas - especialmente pelos alunos, que provavelmente estarão sendo apresentados ao autor pela primeira vez. Também é possível que o próprio professor não tenha essas informações, o que não é vergonha nenhuma: é importante compreendermos a riqueza deste tipo de trabalho, mas também estarmos conscientes das suas limitações no trabalho real do dia-a-dia de sala de aula.

Duvidar das informações
Vamos agora pensar um pouco mais detidamente no conteúdo de cada versão.
Algumas perguntas possíveis:
A argumentação é lógica e coerente?
O autor justifica as afirmações que faz?
Discute outras explicações para o tema?
Nessa versão, quem participa do evento histórico em discussão?
Que papel têm esses personagens?
Que momento do evento histórico é priorizado?
Os dados em que se baseia o trabalho são confiáveis?
O texto é claramente parcial?
Procuramos listar algumas questões possíveis para esse tipo de trabalho. Algumas servirão para analisar as três interpretações desta oficina, outras não.
Tente respondê-las e imaginar como os alunos se sentiriam fazendo o mesmo.

DICA
Obviamente, no nosso dia-a-dia, não temos condições de checar todas as fontes mencionadas nos textos com que trabalhamos, mas é muito importante que nossos alunos comecem a desconfiar de afirmações vagas do tipo "pesquisas indicam...".

Ideias centrais de cada versão
Temos, na verdade, duas visões conflitantes, já que as versões 1 e 3 apresentam uma mesma interpretação, mas em linguagens diferentes. Ambas centram a explicação na figura de D. Pedro I, que estaria indignado com as intenções portuguesas de "massacrar" o Brasil; na descrição dos fatos, privilegiam o momento da proclamação em detrimento de uma análise da situação social.
É importante que esta síntese seja justificada, pelos alunos, com trechos do texto e destaques na pintura. Por exemplo, o último parágrafo do texto de Oliveira Lima detalha a reação de D. Pedro I às notícias recebidas de Portugal e credita a emancipação política do Brasil à sua decisão pessoal. Já na tela de Pedro Américo, é no lugar que o futuro imperador ocupa na composição, no seu gestual, nas suas roupas e no contraste com os outros personagens retratados, que podemos identificar a intenção de destacar sua participação no processo da independência brasileira.
Na versão de Emília Viotti da Costa, a situação social ganha mais peso. D. Pedro proclama a independência por interesses pessoais (parágrafos 3 e 4) e é apoiado pela elite de então, que quer se separar de Portugal - o que é importante para a continuidade dos seus negócios - mas pretende evitar a qualquer custo uma rebelião popular (parágrafos 1, 5 e 6).
Muitas vezes, já nessa primeira etapa do trabalho - identificação das principais ideias de cada autor - o leitor pode sentir-se capaz de optar por uma das versões apresentadas. No caso das três interpretações em discussão, é bem provável que isso aconteça. Ainda assim, vamos discutir as questões propostas na seção "Duvidar", para uma análise um pouco mais cuidadosa dos textos.

Questionando a autoria
Os autores dos textos escolhidos são bastante conhecidos entre os historiadores, mas suas ligações políticas não são tão notórias (um Benito Mussolini seria mais óbvio!), nem foram publicamente financiados nos seus trabalhos (se fosse uma publicação do DIP de Getúlio Vargas já saberíamos alguma coisa sobre o seu conteúdo). O questionamento da autoria, neste caso, não nos levou muito longe...
Na verdade, se esta fosse uma atividade para professores, poderíamos chegar mais "longe" sim: teríamos de discutir com maior profundidade o conjunto da produção historiográfica desses autores e o contexto dessa produção. Como estamos pensando em uma atividade viável no ensino fundamental, optamos conscientemente por uma abordagem que fosse possível dentro das condições reais das salas de aula.
Já na análise da pintura, podemos descobrir alguns dados simples, mas interessantes: o autor fez o quadro fora do Brasil, por encomenda do governo imperial, em um momento de extremo desgaste daquele governo. A parcialidade deste relato é bastante provável, não?

Questionando o conteúdo
Passemos para o conteúdo: nenhum dos textos tem incoerências gritantes, todos mantêm sua lógica interna. Por outro lado, não são apresentados dados ou pesquisas justificando ideias.
O aspecto que mais diferencia as versões pode ser identificado nas perguntas que se referem aos personagens em ação: tanto na tela de Pedro Américo, quanto no texto de Oliveira Lima, o processo da independência envolve apenas o futuro imperador e seus próximos, sendo D. Pedro caracterizado como herói. Já na versão de Emília Viotti, os personagens não são apresentados individualmente, mas como representantes de grupos sociais; a exceção é D. Pedro, que não age como herói, e sim movido por interesses pessoais.

Conclusão?
E então? Quem tem a verdade? Alguém tem a verdade?
Chegamos a um momento delicado do trabalho. Se perguntarmos a opinião do aluno, teremos uma única resposta correta? Certamente que não. Neste caso, vale a coerência da resposta, a justificativa na argumentação e a qualidade da análise das versões.
Devemos lembrar que estamos discutindo temas para os quais nem os especialistas têm uma resposta fechada, quanto mais nossos alunos!

Baú de ideias
O positivismo historiográfico não se relaciona diretamente com os princípios da doutrina de Augusto Comte, mas faz jus ao nome quando valoriza a ciência positiva, buscando aplicar seus princípios à investigação histórica. Desse modo, vai centrar seu trabalho na objetividade dos fatos e buscar sua reconstituição, privilegiando os documentos escritos. Em geral, prioriza a História política, apresentando-a como uma sequência de fatos e personagens.
O tema da independência é apenas um dos muitos possíveis para esse tipo de trabalho. Podemos encontrar textos positivistas e compará-los com abordagens mais atuais sobre praticamente qualquer tema histórico.
Também podemos discutir apenas alguns aspectos das versões historiográficas trabalhadas. Por exemplo, a maior parte dos livros didáticos refere-se ao período jacobino da Revolução Francesa como "fase do terror". Por que não "fase jacobina"?
Qual era a cara de D. João VI - aquela dos retratos da época ou a versão hilária da diretora Carla Camurati, no filme Carlota Joaquina?
Textos de diferentes livros didáticos também podem render uma boa discussão. Pode-se variar bastante, mantendo-se a ideia essencial da não aceitação imediata da informação recebida, do questionamento da ideologia que está por trás de qualquer versão da História.
Já na
página de downloads, disponibilizamos os seguintes textos:
"
Por que o Brasil foi diferente?", de Kenneth Maxwell
"
Ideias de Brasil: formação e problemas (1817 - 1850)", de Carlos Guilherme Mota

DICA
Você considera válido perguntar ao aluno sobre a interpretação com a qual ele mais se identifica? Que objetivos orientam essa questão?
Essa questão pode enriquecer o debate historiográfico desde que o aluno formule argumentos centrados no reconhecimento da metodologia do autor. Mas o que podemos fazer para não cair no "achismo" vazio, calcado em uma simples valoração negativa ou positiva das versões?
Além disso, seria importante também estar atento para o excesso de relativismo histórico, que esvazia por sua vez a discussão da plausibilidade das versões historiográficas.
Diante desses questionamentos, vamos refletir sobre a validade dessa questão no confronto de diferentes interpretações historiográficas?

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