Há muitos anos, quando ainda na infância, lembro-me de ter assistindo a um filme produzido em 1980, originalmente chamado The Awakening (O Despertar), mas traduzido aqui no Brasil como Reencarnação. Neste, havia uma cena curiosa, que mostrava o instante em que o egiptólogo Matthew Corbeck (interpretado por Charlton Heston) e sua assistente Jane Turner (Susannah York) encontravam uma grande inscrição hieroglífica, que mencionava uma rainha cujo nome havia sido apagado por seus atos malévolos. A leitura dos hieróglifos feita por ela parecia perfeita aos olhos de um leigo, mas grande foi minha surpresa, ao assistir o filme novamente duas décadas depois. As inscrições estavam corretas, mas ela estava lendo o texto de trás para frente! Acredito que os consultores do filme acabaram por esquecer este pequeno detalhe, que seria a primeira regra da interpretação dos hieróglifos: a direção da escrita.
A língua egípcia é formada por um grande número de sinais que no estágio conhecido como Médio Egípcio inclui aproximadamente setecentos hieróglifos. As imagens podem ser agrupadas dentro de diversas categorias, que apresentam figuras humanas, diversas classes de animais, plantas, edificações, objetos inanimados, entre muitas outras. Mas como seria possível, dentre tantos sinais, saber onde começa uma frase? A resposta é algo bem fácil: basta olhar para onde qualquer uma das figuras animadas está direcionada, seja ela uma mulher sentada ou um pato em pé. Assim, se as figuras estão todas voltadas para o lado esquerdo do espectador, lê-se da esquerda para a direita, se apontarem para a direita, lê-se da direita para a esquerda. A mesma situação ocorre para as figuras que se encontram em colunas: basta observar a direção das mesmas. Esta regra possibilitou aos egípcios escreverem em quatro sentidos diferentes na horizontal e na vertical.
O leitor já deve ter observado que, por vezes, os sinais hieroglíficos estão perfeitamente organizados dentro dos espaços das linhas, colunas ou mesmo ao lado das figuras que compõe uma cena. O senso estético dos antigos egípcios era muito apurado e podemos perceber, pelos detalhes das inscrições, que achavam muito estranho a colocação de um símbolo estreito e alto ao lado de um longo e baixo. Para eles a simetria deveria ser quase que perfeita e esta foi conseguida a partir da inserção dos símbolos dentro de retângulos imaginários. Esta harmonia resultou no agrupamento, sobreposição dos sinais e, até mesmo, inversão da ordem dos hieróglifos que compunham uma determinada palavra. Neste último caso é como se pudéssemos, na língua portuguesa, inverter a ordem das letras do substantivo "cabelo", somente para que as consoantes "b" e "l" ficassem juntas, resultando nesta forma: "cableo".
A forma dos sinais hieroglíficos, em geral, pode ser reconhecida sem muitas dificuldades, o que possibilita o seu rápido entendimento se a compararmos com outros sistemas de escrita, cujos símbolos são mais abstratos. Antes da decifração dos hieróglifos por Jean-François Champollion, em 1822, acreditava-se que a escrita egípcia era composta exclusivamente por um único tipo de sinal, o pictográfico. Na realidade, o sábio francês concluiu que os hieróglifos poderiam ser classificados também como ideográficos, fonéticos e determinativos, cada um com um valor gramatical diferente. Vejamos o que significa cada um destes sinais.
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Pronúncia
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Antes de prosseguirmos com os tipos de sinais são necessárias algumas explicações sobre a pronúncia das palavras e a transliteração. Como o egípcio antigo que era falado em tempos faraônicos é uma língua morta, e pelo fato de que as vogais não eram utilizadas na escrita, tal como ocorre na língua árabe, os estudos sobre a fonética egípcia são um campo difícil. Quem assistiu aos filmes hollywoodianos Stargate, A Múmia e O Retorno da Múmia deve ter ouvido algumas palavras que soariam como se escutássemos vindas dos antigos egípcios. Mas na realidade, o único eco que ainda podemos ouvir está presente na língua Copta, que se conservou graças à liturgia da Igreja Copta no Egito, sobre a qual veremos mais neste texto.
A resposta, novamente, é fácil. Os pioneiros da filologia egípcia criaram um sistema para permitir a vocalização das palavras, adicionando um "e" quando temos duas consoantes juntas. Assim, para a palavra "casa", que possui valor sonoro "pr", lê-se "per". No Brasil, todos os pesquisadores que aprenderam a língua egípcia com o Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso, seguem a pronúncia dos egiptólogos franceses para as palavras. Por exemplo, quando aparece um "w" em alguma palavra, pronuncia-se "u". O "a" e o "i", que são semivogais, são lidos como tais. Esta pronúncia é um pouco diferente para os falantes de língua inglesa e alemã. Tais convenções são totalmente artificiais, portanto, para quebrar a monotonia. No caso de algumas palavras ou nomes de reis, optou-se por trocar o "i" pelo "a", além de inserir, às vezes, a vogal "o". Por exemplo, se sempre seguíssemos a convenção egiptológica pronunciaríamos o nome de um rei assim: "Imenhetep", mas na literatura pode aparecer Amenhotep ou mesmo Amonhotep. Isto, sem dúvida, cria certas confusões para os leigos, mas os pesquisadores já se acostumaram com a variedade destas pronuncias em particular, inclusive também pela existência de variantes provenientes da língua grega, como "Amenófis" para Amenhotep.
Ideograma
O segundo tipo de sinal é o ideograma, cujo significado está relacionado à apresentação de uma idéia. Contudo, diferentemente do pictograma, o ideograma não trata do próprio objeto, mas do conceito apresentado por ele. Vejamos um exemplo: a imagem de um homem com a mão na boca pode expressar diversas situações relacionadas ao gesto, tal como o ato de "falar" - mdw, de "ter sede" - ib, e mesmo, de "comer" - wnm. Embora façamos uma distinção entre sinais pictográficos e ideográficos, diversas gramáticas de Médio Egípcio não o fazem. Tratam os pictogramas e os ideogramas como se representassem o mesmo conceito, relacionado a uma idéia. Na língua egípcia quase todos os sinais são fonéticos, isto é, são figuras que representam um som específico e que podem ser divididas em três grupos: uniconsonantais ou uniliterais, biconsonantais ou biliterais, e triconsonantais ou triliterais. A diferença entre os grupos é justamente o número de sons.
O grupo de uniconsonantais são os que representam uma única consoante. Na língua egípcia existem vinte e quatro sinais deste tipo, alguns com diferentes formas, que corresponderiam ao pseudo-alfabeto. Nas tabelas abaixo temos o sinal hieroglífico, sua transliteração e o respectivo valor sonoro:
O segundo grupo de sinais fonéticos é o dos biconsonantais, isto é, daqueles que representam duas consoantes. o número de sinais nesta categoria atinge aproximadamente uma centena. A tabela ao lado apresenta alguns dos mais comuns:
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As palavras que são formadas por sinais biconsonantais ou triconsonantais podem ser seguidas por outros sinais fonéticos. estes são chamados "complementos fonéticos". embora estes hieróglifos tenham um valor sonoro, pois a maioria pertence ao pseudo- alfabeto, no contexto em que aparecem, não devem ser lidos. Sua função nas palavras era de facilitar o aprendizado da escrita e da leitura, além de enfatizar ou preencher espaços se houvesse necessidade. o último tipo de sinal é chamado de determinativo. diferentemente dos demais, ele não possui nenhum valor fonético, quando aparece ao final de uma palavra. Seu uso está restrito a identificar um sentido, ou o seu real significado. os determinativos também servem para localizar o final de uma palavra, já que na língua egípcia não há espaços para a separação entre elas. Na língua egípcia também encontramos algumas particularidades no que se refere à escrita. Algumas palavras relacionadas a nomes de divindades e pessoas importantes, como o rei, são colocadas à frente das demais em sinal de respeito. Esta alteração chama-se inversão respeitosa ou Transposição Honorífica.
Encontramos, igualmente, determinadas palavras que podem sofrer abreviação por falta e espaço no local onde se encontram, seja e uma estela ou em uma parede
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Gênero e Número H á no egípcio dois gêneros: masculino e feminino. Substantivos masculinos não possuem nenhuma desinência, já os femininos contêm um t no final das palavras. Por exemplo:
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Genitivo direto
Já o genitivo indireto possui uma partícula de ligação (adjetivo genitivo) da seguinte forma:
Na escrita egípcia os adjetivos seguem a forma do gênero e do número do substantivo que descrevem e aparecem depois do substantivo. Por exemplo:
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Preposições
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