Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

segunda-feira, 30 de abril de 2012

As Diferentes Formas de Interpretação Sobre a Gênese do Capitalismo

Monografia a ser apresentada ao Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais como atividade integrante do Programa de Educação Tutorial (P.E.T.)
Samuel Alves Barbi Costa

Os Cercamentos e a Revolução Industrial:

Polanyi busca desenvolver em seu texto

a idéia de como teriam os cercamentos influído no perfil da habitação da Inglaterra do período da Revolução Industrial e, como esse novo perfil de distribuição de terras contribuiu para o progresso de tal revolução.A Revolução Industrial do século XVIII trouxe, juntamente com um progresso dos instrumentos de produção, uma extrema desarticulação das condições de vida vigentes. Acompanhada pela questão do pensamento liberal, que assumia as conseqüências sociais desse desenvolvimento dos meios produtivos como insignificantes, as moralidades passavam a ser esquecidas. Ou seja; “O liberalismo econômico interpretou mal a história da Revolução Industrial porque insistiu em julgar os acontecimentos sociais a partir de um ponto de vista econômico.” (Polanyi, 1980, p. 51).
Com a finalidade de exemplificar tal afirmação, Polanyi continua a desenvolver seu raciocínio através de uma análise dos chamados cercamentos (enclosures)
Realizados principalmente na Inglaterra no período Tudor. O grande ponto no qual o autor pretende tratar se achegando ao período dos

Enclosures é:
(...) demonstrar o paralelo existente entre as devastações causadas pelos cercamentos, finalmente benéficos, e as que resultaram na Revolução Industrial e,de outro lado – de uma forma mais ampla-, esclarecer as alternativas enfrentadas por uma comunidade no paroxismo de um progresso econômico não-regulado.(Polanyi, 1980, p.52).

Para Polanyi os cercamentos seriam um desenvolvimento lógico, desde que não ocorresse a transformação das terras cercadas em pastagens. As terras cercadas valeriam entre duas ou três vezes mais que as não cercadas, além do fato de que caso não acontecesse a conversão das terras em pastos, a produtividade dessa mesma terra tenderia a aumentar, mesmo sem a redução de sua empregabilidade. A conversão de terras aráveis em pastagens, ainda não era de todo negativa, já que a lã produzida gerava empregos a pequenos posseiros e agricultores sem terra, e os novos centros da indústria da lã garantiam renda a uma quantidade de artesãos. Na verdade, é nesse ponto que está o aspecto mais relevante, somente em uma economia de mercado é que seria possível tomar uma atitude no sentido de generalizar a criação de carneiros frente à supressão de terras aráveis, com a finalidade da venda de lã para obtenção de lucros. Essa ânsia voraz por lucro era capaz de gerar um comportamento perturbador da ordem social.
Os cercamentos foram chamados, de forma adequada, de revolução dos ricos contra os pobres. Os senhores e nobres estavam perturbando a ordem social, destruindo as leis e costumes tradicionais, às vezes pela violência, às vezes por pressão e intimidação. (Polanyi, 1980, p.52).
Derrubavam casas em terras comuns, que por muitas vezes pertenciam às famílias por diversas gerações, transformavam homens e mulheres decentes numa malta de mendigos e ladrões. O rei e seu conselho lutaram por mais de um século e meio contra esse problema,defendiam o bem-estar da sociedade e lutavam contra o despovoamento, entretanto, muitos historiadores classificavam essa política como demagógica e de nenhuma efetividade prática. A legislação anticercamento jamais conseguiu impedir o curso dos acontecimentos, e o pior, parece nem ao menos tê-los restringido.Os interesses privados prevaleciam sobre a justiça demonstrando completa ineficácia da legislação. O liberalismo, tomado sem restrições e aliado à crença no progresso espontâneo, pode nos cegar quanto ao papel do governo na vida econômica. Este papel é inferir ritmo à mudança, acelerando ou reduzindo sua velocidade conforme cada caso e aceitação social. Esse fato é plenamente desenhado com todos os traços nos cercamentos e na Revolução Industrial. Se pensarmos que os cercamentos das terras comuns não foram acompanhados por uma política de reorganização social daqueles agentes que perdiam seu modo de sobrevivência (ligado diretamente às terras), entretanto, por uma política demagógica de proteção aos inevitáveis Enclosures , veremos que aí se encontram os fundamentos para o caos social e a sobre-exploração gerada com a aglomeração desses agentes nas cidades.
Os ideais liberais cegaram os favoráveis aos cercamentos junto às questões sociais, fazendo-os pensar sob uma ótica individualista extremada e deixando os antigos camponeses jogados à escória da sociedade. As cidades, com a Revolução Industrial, passam a abrigar estes antigos camponeses em uma situação insalubre, recheada de miséria, fome e péssimas condições de vida. Não satisfeito com os ideais de progresso, o liberalismo permite que esta casta de desfavorecidos sejam lançados a uma rotina massante de trabalho e, sem nenhuma proteção da “mão desaparecida” do Estado. De forma unânime, escritores de todos partidos e opiniões referiam-se as condições sociais da Revolução Industrial como que os homens estivessem lançados em um abismo de degradação humana, como que refugos vomitados de “moinhos satânicos”.
A Revolução Industrial foi apenas o começo de uma revolução tão extrema e radical quanto as que sempre inflamavam as mentes dos sectários, porém o novo credo era totalmente materialista, e acreditava que todos os problemas humanos poderiam ser resolvidos com o dado de uma quantidade ilimitada de bens materiais. (Polanyi, 1980, p.57).
Polanyi cita diversas causas da Revolução Industrial na Inglaterra, tais como o clima úmido propício à indústria do algodão, a multidão aglomerada em favelas como mão-de-obra fácil e barata, a existência dos ideais liberais, a invenção de máquinas e aperfeiçoamento de equipamentos, todos cooperando positivamente para o advento da revolução. Porém, nenhum deles pode ser declarado como causa única e mister. Assim, o autor imagina que todos esses elementos foram incidentais frente a uma mudança extremamente relevante: o estabelecimento de uma economia de mercado e seus impactos sobre uma sociedade comercial. Tudo se entrelaça no momento em que os industriais passam a usar máquinas dispendiosas na produção. Por serem muito caras, essas máquinas tem de ser operadas continuamente, com a finalidade de serem amortizados seus valores. Entretanto, para que isso ocorra é necessária a abundância dos fatores mão-de-obra – recheado pela massa de favelizados – e matéria-prima, os quais tem que ser plenamente comercializáveis. Essas circunstâncias foram criadas de forma gradual, mas não deixaram e impactar, já que a motivação maior da sociedade deixa de ser a subsistência e passa para a obtenção de lucro. As transações se alteram de simples (sem intermediação) para monetárias, e o dinheiro assume o papel principal na economia. Nisso consiste o termo “sistema de mercado”, e a maior peculiaridade desse sistema é poder funcionar sem interferência externa, corroborando os pensamentos liberais. Os lucros deixavam de ser garantidos e o mercado se constituía como a mesa do jogo, na qual os preços seriam as cartas a serem distribuídas, podendo ter a liberdade de flutuação e de auto-regulagem frente a nova conjuntura imposta. Como nas palavras do autor:
“É justamente esse sistema auto-regulável de mercados o que queremos dizer com economia de mercado.” (Polanyi, 1980, p.58).

Fonte:
Polanyi. A Grande Transformação: As Origens de Nossa Época. Mais precisamente no Capítulo 3, chamado: Habitação versus Progresso.



Nenhum comentário: