Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

sábado, 14 de abril de 2012

Análise - Planeta dos macacos - revista de História da Biblioteca Nacional









Lutando entre iguais
Novo 'Planeta dos Macacos' discute a violência na contemporaneidade. Em cena, a luta das minorias se estabelece dentro de uma batalha pela aceitação social e respeito mútuo entre as diferentes identidades
Nashla Dahas


Objetos de estudo e curiosidade podem ser repetidos, mas o olhar sobre eles definitivamente não. A afirmação é válida para a História, enquanto disciplina cotidianamente reconstruída à luz dos problemas que se apresentam aos homens com o passar dos tempos. Mas é legítima também para as artes, em especial para o cinema, modalidade invariavelmente completa: imagens, discursos e textos, músicas inesquecíveis e atuações assustadoramente semelhantes ao real. Não seria difícil escolher em qual destes aspectos Planeta dos macacos: a origem foi mais bem sucedido.
Em 1968, a versão de Franklin J. Schaffner levou às telonas a aterrissagem de um grupo de astronautas em planeta desconhecido e habitado por macacos inteligentes que tornaram os homens escravos e cobaias de experimentos, tal como ratos. Eram tempos de guerra fria e de revolução cultural. À violência das guerras e ditaduras espalhadas pelo mundo em nome do progresso e do desenvolvimento, o filme respondeu com o sutil escárnio do entretenimento. A vitória não era do herói capitalista e democrático, ou do revolucionário socialismo libertador, triunfavam os macacos, considerados por um e outro lado do globo como raça inferior. A subversão estava também no cinema, e assustava tanto quanto na vida real.
No Brasil, em momento de recrudescimento da ditadura militar, o “gorila” tornava-se uma das principais armas discursivas recorrentemente usadas pelas esquerdas para atacar os seus adversários. Na tradução da metáfora de aceitação popular da época, as direitas no poder possuíam grande semelhança com o símio: brutalidade, estupidez, atraso e mesmo burrice, mas venciam pela força, pela repressão, pela censura. Anos antes, na década de 1950, o gorila já havia sido usado pelas esquerdas peronistas para atacar seus inimigos fardados. Tratava-se de um rebaixamento grotesco, de um deboche humilhante representar o outro, nestes casos considerados opressores, como um animal, uma verdadeira besta.


Humildade que choca
Ao assistir o novo Planeta, em 2012, é curioso pensar como o gorila, ainda visto entre os seus e entre os humanos, como símbolo maior de força e brutalidade, é o principal aliado de César, o chimpanzé inteligente, em sua revolução. Pelo novo amigo, que o libertou do aprisionamento, o gorila oferece sua vida em sacrifício e compõe cena que provoca mais compaixão, ternura e desesperadora identificação, do que medo. A discussão da violência não tem o mesmo apelo dos anos de 1960, e em parte banalizada, perdeu o posto de questão central. O apelo está na humildade, do latim, húmus, terra, referência ao que se situa abaixo, característica de quem, ao menos diante da projeção na telona, não se sentirá raça superior. A humildade sim, choca.
Na nova versão, escrita por Rick Jaffa e Amanda Silver, James Franco, jovem galã de talento reconhecido em Hollywood, vive um cientista à procura de uma cura para o mal de Alzheimer do pai. A descoberta de um tipo de vacina de inteligência que ajuda na recuperação da doença é testada no protagonista símio, César, em homenagem a Júlio César, o Imperador romano. Certamente, a honraria é retribuída ao longo da saga dos macacos em busca de liberdade. O recrutamento e a organização do exército e das estratégias de luta há de lembrar o mais conhecido dos chefes militares da Roma Antiga, vencedor nos campos de batalha e na memória política, dilacerado por razões e conspirações pessoais emblematicamente representadas pela frase “Até tu, Brutus?”.
Como num sopro gigante, daqueles cujas forças vem da ponta dos pés e do fundo da alma, César, o macaco, pronuncia sua primeira palavra: Não! Não à civilização? À dominação? O conflito do símio contemporâneo parece ir além da lealdade marcada pelo gesto de estender a palma da mão, levemente acariciada quando a resposta é uma permissão. A discussão desloca-se para um aspecto mais identitário, de inclusão ou exclusão, de um pertencimento que não se liga exclusivamente a raça, cor, aparência física, ou grau de inteligência, mas associa-se, sobretudo, ao olhar acolhedor, ao se sentir em casa independente do lugar de origem ou da família de sangue.


A guerra muda de foco
O raciocínio humano adquirido pelo animal não o faz autoritário, arrogante, ou o afasta dos espécimes “burros”. Não é este o critério decisivo para a escolha que pauta o destino do personagem. O caminho da selva é a opção do reconhecimento como igual, que proporciona liberdade e estima longe dos olhares constrangedores e constrangidos. Diferente dos anos de 1960, quando ainda havia alternativas ao modo de viver democrático, ocidental, liberal, e por que não, judaico-cristão, talvez a necessidade de criar e redefinir identidade e ideologia individuais nos dias de hoje seja a questão em causa. Não sem suas razões, guerras étnicas e religiosas insistem em perturbar a humanidade do mundo global.
Por fim, é preciso mencionar as atuações impecáveis do elenco humano do filme. James Franco, Freida Pinto e John Lithgow compreendem a função e o sentido de seus papeis. Gentilmente, suas interpretações cedem espaço aos macacos e posicionam-se no limite entre a perfeita naturalidade e a displicência. Destaque para John Lithgow, o pai doente do cientista, que carrega o peso de demonstrar toda a vulnerabilidade do homem, prestes a perder exatamente aquilo que lhe distingue dos animais. Coerente, não?

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/cine-historia/lutando-entre-iguais

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