Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

domingo, 14 de novembro de 2010

Resenha, 1822

1822, Laurentino Gomes. Ed. Nova Fronteira.
O livro 1822 desconsidera investigações e questionamentos que há mais de 30 anos vêm sendo desenvolvidos e divulgados por centenas de pesquisadores brasileiros e portugueses sobre o tema da Independência, dos quais resultaram não só profunda ampliação dos conhecimentos sobre a época como a superação de interpretações correntes.
Dedicado a "professores de História no seu trabalho anônimo de explicar as raízes de um país sem memória", o livro banaliza Saiba a versão mais conservadora e simplificada das complexas circunstâncias nas quais foram delineadas a separação de Portugal e a fundação do Império do Brasil. O fio condutor da narrativa é, aparentemente, a vida de D. Pedro. Entretanto, para fazer uma "reportagem" e contar como o Brasil conseguiu "manter a integridade de seu território e se firmar como nação independente", o autor se fundamentou em duas premissas: para ele, a
Independência foi produto de "sorte, acaso, improvisação", pois a desorganização interna era tamanha que só um "milagre" faria "dar certo" um país "que tinha tudo para dar errado"; desta forma, as decisões cruciais só poderiam ser tomadas por estrangeiros e portugueses -uma princesa austríaca, um militar mercenário inglês, D. Pedro, os deputados das Cortes em Lisboa e um "homem sábio", José Bonifácio, inspirado pelos padrões europeus. Como o próprio autor afirma, o livro é um "mosaico" de personagens e episódios, mas não está livre de equívocos: na cronologia, por exemplo, 12 de outubro de 1823 aparece como data do fechamento da Assembleia Constituinte pelo imperador, quando o correto é I2 de novembro.
Os capítulos não formam propositadamente uma sequência, havendo idas e vindas no tempo e no espaço, e, além disso, a composição do texto pressupõe que a História seja um grande depósito de dados, que o observador arrebanha como quer, e com eles monta um tabuleiro manipulando fragmentos e dando-Ihes a fisionomia que considerar mais adequada ou palatável. A "técnica jornalística" que o autor diz adotar, contudo, não o inocenta do partido que tomou. O enredo apresentado - desmentido por obras que ele mesmo cita e pela literatura atualmente disponível -sugere que o voluntarismo de indivíduos comanda a História, que a sociedade brasileira, tanto no passado quanto no presente, é incapaz de se autogovernar, e que ainda estão por nascer o povo e a nação brasileiros. Edições como esta disparam, sobretudo, um alerta: não educam, desinformam, são conformistas e encontram espaço nos
meios de comunicação.
CECÍLIA HELENA DE SALLES OLIVEIRA É DIRETORA DO MUSEU PAULISTA EPROFESSORA DA USP.
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 6, n° 62, novembro de 2010. p. 92.

4 comentários:

Janaína Bento disse...

Bem, o autor é um jornalista e não historiador. Ele também comete os mesmos "erros" de abordagem no 1808. Contudo, o que deve ser questionado é por que esses livros fazem tanto sucesso. Deve ser pelo fato da escrita ser mais "digerível" que as acadêmicas. Vamos combinar que os historidores escrevem p/ historiadores. Deveríamos escrever p/ que o povo pudesse compreender a História e não complicá-la. Por isso q a população se apega a essas produções e as tomam como verdadeiras.

História agora disse...

Este livro é bem interessante,além disso segue bem o estilo do ''1810'',n sei sevc ja leu mas é excelente.

. disse...

Recalque socialista de quem mostra o lado da verdade. O Brasil era (é?) incompetente até hoje para se "autogovernar".

Se esses professores que adoram o tecnicismo parassem de reclamar da vida, e se propusessem a tornar a história efetivamente agradável aos jovens, teriam apoio meu e dos jovens, hoje iletrados a maioria.

Sou um dos que só aprendeu a gostar de História, quando conheceu um professor louco que adorava tornar a história divertida, em linguagem atual e descontraída, como admita, Laurentino FAZ.

Triste ver a patrulha ideológica que adora muito crítica, mas não sabe o que fazer de melhor.

Observa-se por exemplo um apoio a igualdade racial na educação. Quando nosso problema não é racial, é desigualdade econômica. Falar em etnias em um país colonizado por portugueses, com quase 70% da população colona de escravos é no mínimo uma hipocrisia desmedida.

Gigio disse...

Um erro de data mencionado...mas com certeza a essência da obra e o prazer da leitura foi captado por todos aqueles que leram...
Agora, falar que o livro desinforma você pegou pesado, hein "fessora"? Não sei se é ego ou inveja mesmo...