Vida de professor da rede pública

Súplica Cearense

domingo, 31 de janeiro de 2010

PRÉ-HISTÓRIA - O FOGO

Esse material é uma indicação da professora Jana do blog SÓ PRA HISTORIAR.





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sábado, 30 de janeiro de 2010

História II

A CRIAÇÃO DA HISTÓRIA
Alberto Lins Caldas
Professor de Teoria da História - UFRO
Centro de Hermenêutica do Presente - UFRO
caldas@unir.br

A história se confunde com a própria sociedade, com o real que temos a certeza de ser o único real possível, fundado nas nossas mais corretas percepções, com o planeta inteiro que dominamos senão objetivamente, mas pelo menos teoricamente. A história existe “desde o aparecimento do homem sobre a terra”, e a tentação se completa: perdemos a historicidade das idéias e do nosso mundo, logo ele que criou tanto a história quanto a História.Nosso entendimento das coisas se descolou de uma consciência comunitária, que sentia e afirmava não haver “outro mundo além do nosso”, outra língua além da nossa, outro homem senão nós mesmos, e tudo girava no eixo do deus que era o único. Dessa maneira, incontáveis sociedades sempre garantiram tanto sua identidade quanto sua diferença. Na verdade nunca existiu, como “agora” na ocidentalidade e nas suas extensões hegemônicas, um Homem só, uma Humanidade, um planeta, uma terra para todos, um tempo, uma corrente única de fatos ou eventos ou motores que arrola todos como frutos de uma mesma espécie, mesmo que tudo isso seja uma das matrizes do próprio cristianismo, sua boa nova e o caráter do deus que o sustenta.A historicização daquilo que entendemos como história não nos faz encontrar o “mundo”, o “homem”, o “tempo”, mas de como a ocidentalidade (esse termo não quer dizer que exista uma orientalidade, criação colonial) cria e projeta um mundo, um homem, um tempo como se fossem os únicos, fazendo de uma universalização, antes impossível, a realidade enquanto totalidade de uma tribo que se tornou, miticamente, o Mundo. O fundamento, por exemplo, da Humanidade não é sua existência real num planeta e num tempo, mas um tipo de etnocentrismo cavalar moldando “todos” à sua imagem e semelhança, passando por cima de tudo e de toda diferença. Aquilo que criou a idéia de Homem não partiu do “conjunto das sociedades”, mas de um determinado sistema lógico ligado, primeiro, ao pensamento cristão (determinada virtualidade escravista e servil), depois ao “pensar industrial” das sociedades capitalistas, sua expansão e suas maneiras de tornar tudo igual às suas mercadorias: o Homem é, antes de tudo, o assalariado.Depois disso seria impossível aceitar o “homem ocidental” somente como homem. A antropologização acompanha o longo processo das expansões comerciais, industriais e bélicas das ocidentalidades. Sem essas expansões não seria possível ter-se nem a “noção” nem a “realidade” do humano, que é, na verdade, a expansão da perspectiva de poder de uma grande tribo sobre todas as outras e sobre si mesma, caindo, com o tempo, nas suas ilusões como se tivesse numa realidade-real, parâmetro de tudo, tanto antes quanto depois de si mesma, criando uma metafísica difícil de distinguir e superar, metafísica que nasce das rodas das suas produções gerais e torna-se não somente as lógicas dominantes mas também a única grande maneira correta de pensar.A criação tanto da história quanto da História se dá no processo de solidificação virtual dessa metafísica (essa metafísica é o real, o natural) e não tem sentido fora das suas coordenadas. A entrada dos indivíduos, dos grupos, das consciências familiares, das memórias, de tudo aquilo que era somente íntimo, no que entendemos como história foi, em cada comunidade particular, em cada individualidade, parte das transformações das produções e das subjetividades e da inclusão de “todos” os aspectos sociais num mesmo amálgama ilusório (sistema de crenças verdadeiras, reais e naturais) necessário a essa mesma sociedade que jamais se considerou uma tribo para se considerar o Mundo.Essa metafísica confunde-se agora com o próprio modo de pensar e sentir, mas pode ser decomposto em grandes blocos tradicionais como o “senso comum”, o “religioso”, o “filosófico”, e principalmente o “científico”. Mas não se apresenta somente como “sistema de idéias”, mas a própria realidade, criando uma síntese mítica que não consegue tocar seus limites precisamente porque dessa maneira estaria levando a historicização além dos limites seguros de racionalidade, sabendo-se mítica, o que viria a desdizer seu fundamento, criando um curto-circuito entre real e imaginário, entre mitologia e historia, que impossibilitaria a razão histórica de continuar funcionando. As nossas lógicas, ou mesmo nenhum tipo de lógica pode perder seu solo mítico, sua garantia de universalidade, de certeza e poder, de não se considerar mais uma e pura imaginação real. Sair de si seria reconhecer a parcialidade de seus pressupostos, de seu poder, de sua racionalidade e do seu mundo: isso a racionalidade cristã-científica não pode nem conseguiria fazer.Em Homero, “mito” e “história” estariam indissoluvelmente ligados se o canto do aedo revelasse os laços objetivos (o inescapável fantasma do realismo) que o ligavam a comunidade, ao tempo da escritura: mas esse canto é sempre aquilo que funda, antecede e forma a realidade: a Paidéia é criação dos aedos: o mundo grego nasce do canto, da conversa, de uma práxis viva que ainda não separava nem excluía a matéria dos sonhos da substância inescapável do imediato: cantando o que foi os aedos criaram o que seria naquilo que é.Segundo Veyne (1984: 21):Heródoto se compraz em relatar as diferentes tradições contraditórias que pôde coletar; quanto a Tucídides (...) relata tão-somente aquela que considera correta; ele assume suas responsabilidades. Quando afirma categoricamente que os atenienses se enganam no que diz respeito ao assassinato dos pisístrates e quando dá a versão que considera verdadeira, limita-se a afirmar; não fornece prova nenhuma.Essa história ainda não é aquela criada pelo capitalismo: ainda não se tornou objeto arrancado como exterioridade construída pelo trabalho, ser-aí que dissolve o canto. Não há o homem, mas a comunidade, o grupo, a palavra de todos, o vínculo em fluxos vivos de linguagem: tudo ainda estava no entre-nós: não havia o “homem”, sozinho e preso no imediato sonhando um passado imaginário como se fosse verdade, realidade, acontecimento. Havia um ver que não se sabia claro, mas cantava com clareza o que sonhava viver, confundindo vivamente esse sonho com esse viver. O cantado e o vivido, a pele e o mundo, a carne e a terra eram um só.Mas esse “cantor original” não vai muito longe em nossas próprias teorias (ele é criado por nossas teorias). Não vai longe em seu próprio mundo. Tucídides, mesmo longe das fusões homéricas, ainda não descola o narrar daquilo narrado. Ele é, conscientemente, o “histór", o que "salva do esquecimento atos, palavras e monumentos". O que os homéridas faziam sem saber ele fará com uma lúcida consciência, mas não cria a História nem disserta sobre a história, que não é sua realidade ou produto.Principalmente porque a história é uma das grandes resultantes míticas da cristandade. Sua maneira de ser e estar no mundo, o modo do seu deus existir e se expandir: a vocação política da História enraíza-se na politicidade radical da visão mítica cristã de expansão do seu deus (não somente produtos e idéias, mas eixo mítico-religioso que se expandiu monstruosamente, criando no seu “giro” a própria ocidentalidade). A chamada “Antigüidade Clássica” não conheceu aquilo que entendemos por história, seja na “idade média” seja na “modernidade”. Uma possível historiografia greco-romana esbarra na nossa própria concepção de história: falta a concepção cristã de encadeamento de um todo, uma idéia de “história do mundo” com fluxo e sentido. Estruturam suas “visões turísticas ou filosóficas” como coleção de moralidades, estilos e razões. Não há o encadeamento mecânico cristão-científico das realidades-históricas. O vazio predomina, a escuridão circunda tudo (Gagnebin, 1997). O encadeamento se faz internamente a cada caso, a cada fato, a cada história e encadeamento só existe se existe relação entre as particularidades: não há “história do mundo”: um romano não via sua existência ligada por “laços históricos” a gregos ou mesmo egípcios: Roma era Roma. Mas não houve uma “evolução do mítico ao histórico”, ou uma superação dos “vazios” em detrimento de uma concepção “mais avançada”. O nascimento da história nasce e persiste por ser estrutura mítica de compreensão não por ser a realidade, o que seria cair nas armadilhas desse mesmo modo de pensar. É o jeito cristão de ser e conceber.Agostinho põe seu deus e sua providência como substância viva do mundo, seu trajeto e sentido nascendo dai, abarcando o conjunto daquilo que denominaremos humanidade. O mundo pagão e mítico superado pela revelação e morte de deus no mundo. Mas Agostinho ainda é romano e sua historicização pertence ao “mundo romano” e seu medo de chegar ao fim, o que contribuirá também para o sentimento de fim que percorrerá toda a “nossa história” e também deixando suas marcas nas várias “idéias de História”. A “idade média” desenvolverá o sistema que amalgamará homem e história, criando a universalização desses dois conceitos enquanto realidade, processo sagrado da temporalidade da origem (única origem possível) ao fim, tendo Jesus como eixo mítico e episódio central, criando um campo de força onde todas as coisas se remetem e ganham seu significado ou seu mistério devido, seu deve ou não deve, seu pode ou não pode, seu é ou não é, realidade, sonho e limites. A questão não se apresenta como “conquista da realidade” mas de um processo de criação mítica onde é escrito um deus, Jesus (Lentsman, 1963), uma concepção de temporalidade (tempo linear evolutivo, no caso evolução moral, que será substituída por evolução material e geral de tudo na modernidade), uma religião e todas as concepções que a circundam e fundamentam enquanto não mais uma religião mas agora a única religião, com o único deus possível. É o estabelecimento da identidade/diferença daquilo que podemos chamar de ocidentalidade e seus conteúdos mitológicos.A “historicização dos mitos”, no caso a historicização dos mitos hebraicos e romanos, feita pelo cristianismo não torna o resultado histórico, isto é, fora do mítico, mas, ao contrário, confirma o cristianismo como a identidade/diferença mítica da ocidentalidade. Se a sua historicidade tornou-se dogmática e moralista com o tempo, tornando-se exemplo como espécie de fuga ou retorno ao tradicional mítico, foi ainda assim o fundamento e sentido da historicidade como a conhecemos, que não deixou de ser mítica só porque a denominamos de científica e real: faz parte de todo real crer em si como o real, aquilo que não é sonho, não é imaginário: o real das “outras culturas” é que é considerado mítico. A criação da história se deu lentamente nos fundamentos da cristandade. Primeiro como apanhado dos pedaços cronológicos de várias sociedades. Mas aquilo que entendemos como História e como história é resultado do feixe de mentalidades e lógicas do mundo do capital e sua lógica devoradora e universalizante.O mundo industrial tornará essa naturalização metafísica um poder esmagante seja em termos do conhecimento, seja em termos da cognição, seja nos termos do pensamento revolucionário, ou no domínio político, no estraçalhamento de identidades e diferenças. Mas tanto a História quanto a história tomarão outro sentido e razões no capitalismo que escapam à sua “origem e fundamentos” cristãos.Mas ainda há, nessa História, uma questão central, ou melhor, internalizada, que diz muito do trajeto historiográfico, pois são como “sobrevivências” que pode ser compreendida como rede de sustentação. A História sempre foi discurso para honrar, doutrinar, educar, instruir, informar, treinar o Papa, o Rei, o Príncipe, os Ministros, os Generais, a Aristocracia em seus lugares e destinos. Sua função era ser esclarecimento do presente tendo como lição os “grandes feitos do passado”, os erros para não serem mais cometidos, os acertos para novamente alegrar seus promotores; era consolidar, estabilizar, firmar, reproduzir, copiar, reportar, espelhar, abonar, afiançar, aprovar e garantir a visão de mundo que partia de Deus e dos Reis. O sentido dessas palavras foi se internalizando no processo de estabelecimento da História nesses últimos séculos. Deixou-se de fazer uma História em-nome para se fazer uma História em-nome da verdade, do real, do povo, do país.
BIBLIOGRAFIA
BLOCH, Marc. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA. Europa-América, Sintra, 1976.
BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. AS ESCOLAS HISTÓRICAS. Europa-América, Lisboa, 1990.
COLLINGWOOD, R. G. A IDÉIA DE HISTÓRIA. Presença/Martins Fontes, Lisboa, 1972.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. SETE AULAS SOBRE LINGUAGEM, MEMÓRIA E HISTÓRIA. Imago, Rio de Janeiro, 1997.
GARDINER, Patrick. TEORIAS DA HISTÓRIA. Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., Lisboa, 1974.
HERÔDOTOS. HISTÓRIA. UNB, Brasília, 1988.
LENTSMAN, Jacó Abramovitch. A ORIGEM DO CRISTIANISMO. Fulgor, São Paulo, 1963.
RÜSEN, Jörn. RAZÃO HISTÓRICA. UnB, Brasília, 2001.
SCHAFF, Adam. HISTÓRIA E VERDADE. Martins Fontes, São Paulo, 1978.
TÉTART, Philippe. PEQUENA HISTÓRIA DOS HISTORIADORES. EDUSC, Bauru, 2000.
TUCÍDIDES. HISTÓRIA DA GUERRA DO PELOPONESO. UNB, Brasília, 1984.
VEYNE, Paul. ACREDITAVAM OS GREGOS EM SEUS MITOS? Brasiliense, São Paulo, 1984.
VICO, Giambattista. CIENCIA NUEVA. Fondo de Cultura Económica, México, 1993.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Idade Média

Deus e o Diabo no imaginário feudal.

1. A Idade Média
1.1 A Idade das Trevas
É irônica a constatação da diversidade de juízos perante o tema da Idade Média. Como é de se esperar, se escolhermos os dados de modo tendencioso o pesquisador vai fustigar para a pesquisa defeitos e atitudes viciosas. Poderá ser construída uma interpretação que lhe agrada mas não condiz com a verdade. Poderá ser destacado como crítica a falta de objetividade para apreender a realidade, causada pela interferência de elementos puramente subjetivos, como os preconceitos, por exemplo.
Geralmente associa-se a Idade Média um período de obscurantismo, de trevas, de arcaísmo. Essa alcunha latina Aetas obscura ou mesmo inglesa de Dark Age, se difundiu bastante e foi construída pelos humanistas renascentistas, inspirados por novos ideais estéticos. É realmente muito corrente a marca de uma Idade Média imóvel, sem atividades bancárias, estagnada, estacionária economicamente em virtude da condenação da usura e do lucro. Afirmavam “frequentemente que o mercador medieval teria sido incomodado na sua actividade profissional e rebaixado no seu meio social devido à atitude da Igreja para com ele. Condenado por ela, mesmo no exercício da sua actividade, teria sido uma espécie de pária da sociedade medieval dominada pela influência cristã.” (LE GOFF, 1991:55).
Na teoria demoniza-se o labor do mercador, na prática “a Igreja depressa acolheu o mercador, rapidamente admitiu o essencial das suas práticas. Longe de ter sido um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo, devemos perguntar-nos mesmo se ela o terá servido involuntariamente, até pela sua hostilidade." (LE GOFF, 1991: 74). Existem milhares de maneiras de se questionar a ordem vigente. Evidentemente, os mercadores não estavam inclusos no modelo ideológico estabilizador planejado pela Igreja: “Uns rezam, outros combatem, e outros trabalham.” Os trabalhadores estavam na mais baixa camada social entretanto é difícil imaginar um trabalhador medieval , pois “apresentavam uma grande diversidade de condições, desde camponeses livres até escravos." (FRANCO JUNIOR, 1983:38).
"O sistema feudal repousa economicamente na posse da terra e no direito de cobrar um certo número de taxas. Isso gera uma hierarquia social e uma hierarquia de poderes." ( LE GOFF ,2007: 66). O paternalismo deste sistema envolve um intercâmbio de poder e auxílio, obrigações mútuas entre suserano e vassalo, protetor e protegido, senhor e dependentes. Cada indivíduo estava ligado a um senhor por laços de parentesco, obrigações ou interesse. "Institucionalmente, diante da fraqueza do Estado e da necessidade de segurança, desenvolviam-se as relações pessoais, diretas, sem intermediação do Estado. Estreitaram-se assim os laços de sangue, as relações dentro das famílias, das linhagens, grupos cuja solidariedade interior podia melhor proteger os indivíduos em relação ao exterior." (FRANCO JUNIOR, 1983:43). No topo dessa hierarquia vêm o Rei. "Duas funções fundamentais são reconhecidas ao rei: ele deve garantir a paz e a justiça. O cuidado de manter a paz, essencial ao bem público e assegurada pela Igreja durante certo tempo, retorna, pouco a pouco, para os soberanos. Disso decorre, sobretudo, o direito de levar a cabo guerras justas"(BASCHET, 2006: 161). Essa função revela um "traço psicológico: a contratualidade. Presente na verdade em muitas religiões pré-cristãs, esse dado foi reforçado pelo cristianismo e contribuiu para o próprio contratualismo social, político e econômico e militar dos séculos X-XIII, sendo por sua vez influenciado por este. Assim, não é de se estranhar que Deus fosse visto como Senhor e o homem como vassalo" (FRANCO JUNIOR, 1983:60)
1.2 A Bela Idade Média
"A expressão "bela Idade Média" também corresponde à idéia de que houve uma clareira entre duas fases sombrias, nesse longo período de mais de mil anos entre a queda do Império Romano(fim do século V) e o descobrimento da América(fim do século XV). (LE GOFF ,2008: 54).
A clareira do Ocidente encontra-se mais particularmente entre o século XI e o século XIV. Momento de crescimento urbano, populacional, intenso comércio, desenvolvimento da arquitetura.
Até pouco antes das grandes navegações, os valores e o comportamento estavam ligados ao caráter agrícola, característica de quase todas as sociedades pré-industriais. "Sem dúvida, porém, o principal tipo de trabalhador no Feudalismo eram os servos. Contudo, não é fácil acompanhar a passagem da escravidão para a servidão. Ela se deu lentamente, com variações regionais, mas sempre acompanhando o caráter cada vez mais agrário da sociedade ocidental." (FRANCO JUNIOR, 1983:39).
Para os economistas o trabalho é a fonte da riqueza, o trabalho é a condição básica e fundamental de toda a vida humana. Já para os teólogos: o trabalho na Idade Média, hora tinha peso de penitência redentora, hora tinha peso de entusiasmo. "A Bíblia mostra, como se sabe, o homem condenado, por sua própria culpa, a ganhar o pão com o suor de seu rosto. O trabalho é uma maldição. Antes da queda, entretanto, o homem - a Bíblia também o diz - participava com alegria do trabalho do Criador." (LE GOFF, 2008:77 ). A expulsão do paraíso é um divisor de águas na significação do trabalho.
Como visto anteriormente, pela paciência a Igreja dobrou-se para o trabalho dos mercadores, parte do mesmo “fenômeno urbano na Idade Média Central” que está “associada ao desenvolvimento das atividades artesanais e comerciais.” Está também “a função militar e, sobretudo, a presença de uma autoridade episcopal, condal ou principesa, que suscita a manutenção de uma corte numerosa cria um efeito de atração, são igualmente decisivas. (BASCHET, 2006: 145). Esses enxergam o trabalho manual como aviltante, apenas os servos devem trabalhar, pois o trabalho tem uma forte carga negativa. "Seguindo o modelo das cortes terrestres, as cortes celestes se enriqueceram para se debruçar mais sobre os cristãos cá de baixo: os valores do Céu desceram sobre a Terra."(LE GOFF ,2008: 65). "Entretanto, a cidade é, incontestavelmente, a partir do século XII, um mundo novo. Nela, desenvolvem-se atividades novas e esboçam-se mentalidades singulares, ao passo que a Igreja demoniza a cidade, moderna Babilônia, lugar de pecados e tentações." (BASCHET, 2006: 153).
"É preciso evocar, igualmente, a praça pública, onde se erguem a administração municipal e a torre do sino, as numerosas tavernas, os "Banhos públicos" e outros lugares onde as autoridades municipais do fim da Idade Média procuram organizar a prostituição, tida como um "serviço coletivo" útil à paz pública." (BASCHET, 2006: 153). "O controle eclesiástico sobre os valores culturais e mentais era exercido através de vários canais. O sistema de ensino, monopolizado pela Igreja até o século XIII, permitia a reprodução do corpo de idéias que ia sendo selecionado e formulado por ela." (FRANCO JUNIOR, 1983:58) Ergueu-se mesmo uma doutrina corporal que penetrava em diversos segmentos do comportamento humano."Os polemistas cristãos, em virtude da natureza da crença que professavam, não reconheceram qualquer grau de sacralidade, nem reconheceram qualquer vinculação do riso com a divindade, tal qual ocorria na tradição pagã que o tanto procuraram combater. Nos sistemas de valores do cristianismo, este foi dessacralizado e reduzido à categoria de gesto profano." (MACEDO, 1997: 53).
2. O imaginário
Os homens da Idade Média estavam convencidos de que mesmo que a natureza gere todos os homens iguais a criação não deve ser governada em igualdade, pois homologamente a corte celeste, com suas divisões de arcanjos e subdivisões de querubins, atendem o padrão de pureza e perfeição que a sociedade terreal quer se espelhar, logo também vai existir necessariamente uma hierarquia para fundamentar a ideologia de harmonia social fundada na trifuncionalidade de serviços mútuos.
Por volta do ano mil (1023-1025) a literatura ocidental articula a teoria das três ordens do corpo feudal. Postula-se uma explicação naturalista que justifica a desigualdade entre as classes. O autor é o bispo Gerardo de Cambrai, em virtude do seu ofício julga dever demonstrar, perante o mundo, “que, desde a origem, o género ,humano se dividiu em três: as gentes da oração, os cultivadores e as gentes de guerra; forneceu a prova evidente de que cada um é o objecto, por um e outro lado, de certo cuidado recíproco” (DUBY, 1994: 54)
“De passagem, o discurso evoca-a, com o único fim de justificar que os oratores não trabalhem com as mãos e que os pugnatores recebam rendas. De mostrar como a ociosidade e a exploração fazem parte da ordem das coisas. Quer dizer, a expressão mais evidente do modo de produção senhorial.” (DUBY, 1994: 57)
3. Deus
Tudo passa por Deus, principalmente a História passa por Deus, como é possível averiguar em Manuel dos Anjos no século XVI, autor que se propõe a escrever um livro de História Universal. A América já estava descoberta, porém é preciso se utilizar das autoridades, os sábios, a Bíblia é a principal fonte de conhecimento e apreensão da realidade. Motivo pelo qual o autor não se arrisca a fazer uma história do continente americano. Ora, o livro de História era escrito por mandato do reverendo Padre Frei Fernando de Câmara, Ministro provincial da sagrada Ordem de penitência. Certamente, se a História do homem não estivesse em sintonia com a redação do Gênesis, não seria aprovada pelo santo Ofício. Na pior das hipóteses poderia até ser considerado um herege.
A história do Homem começa com a divisão feita por Noé após o dilúvio, que partilha os três continentes entre seus três filhos, Iaphet(Jafé) o filho mais novo e que Noé mais amava ficou com a Europa, Sé o mais velho ficou com toda Ásia e Cam(Cão) ficou com o continente maldito: a África. "O ponto de partida da narrativa nos eventos mítico-religiosos retratados no Gênesis, reproduzindo visão providencialista típica da literatura histórica produzida na cronística medieval." (MACEDO, 2001: 02)
"A imagem de Deus numa sociedade depende sem dúvida da natureza e do lugar de quem imagina Deus." ( LE GOFF ,2007: 11). O lugar e a natureza dos que dominavam o saber teológico era bem reservado socialmente, pertencia apenas aos que conseguiam entender a Bíblia, os letrados em latim. “Entretanto, igualmente óbvias (pelos menos para nós) são as desvantagens de se tentar comunicar com toda a população da cristandade em uma língua entendida apenas por uma minoria dessa população. Alguns leigos acreditavam que o uso do latim era uma artimanha do clero para manter a fé secreta, "e em seguida vendê-la de volta para nós no varejo". Deve-se enfatizar, no entanto, que a minoria que entendia latim excluía muitos membros do clero medieval. Não é de surpreender que muitos do clero paroquial fossem ignorantes em latim, dada a falta de meios para educá-los: mas mesmo no caso dos monges, segundo um medievalista bastante conhecido, "descobrimos as autoridades admitindo vasta ignorância em latim e fazendo traduções especiais para uso dos irmãos incultos". (BURKE, 1995: 55), as traduções começam a se intensificar com o advento da imprensa no século XIV, porém as primeiras casas tipográficas só chegam em Portugal no século XVI. As primeiras traduções do latim para o português vêm desse período. Como pode ser observável no site da Biblioteca Nacional de Portugal. Vários livros do século XVI com uma página em latim e logo em seguida outra em português arcaico.
"O Deus dos teólogos da Idade Média era seguramente o Deus da Bíblia. Sua parte propriamente cristã, o Novo Testamento, introduzia Jesus, o filho de Deus.” (LE GOFF, 2007: 94). Jesus, modelo de conduta a ser venerado, amado e imitado, os teólogos "Enfatizando as glórias da vida eterna” desenvolveram uma ética cristã que “incentivou a renúncia aos prazeres terrenos e inclusive a renúncia ao próprio corpo, valorizando a continência e o rigor moral como condições para a purificação da alma na preparação para o reencontro com Deus." (MACEDO, 1997: 51). O corpo é objeto de grande dignidade principalmente depois que recebe no sacramento da eucaristia o corpo de cristo. Os sentidos do corpo são portas demasiadamente apuradas, através dos ouvidos entram muitas coisas em nossa alma. Os sábios da Igreja costumavam repetir: -Fecha teus ouvidos e não escuta maledicências. É necessária uma vigilância constante para consertar os sentidos do corpo.
Jacques Le Goff é um desses historiadores que atua sem uma parcialidade mal intencionada. Autor que consegue garantir uma distância crítica de defesa para manter a objetividade, sempre com erudição, bom humor e humildade para afirmar somente o que examina. Ele considera o Espírito Santo um palpite até o século XIII, ou melhor, no termo latino que ele usa “Deus ex machina” - É uma locução substantiva referente ao teatro grego, deus ex machina; Sendo alguma entidade paranormal que aparece sem nenhum nexo de causalidade que resolve um problema aparentemente sem solução de maneira mágica. A expressão grega fora latinizada, ao pé dá letra é possível entender “deus da máquina”; faz alusão a um instrumento mecânico utilizado na tragédia clássica, permite que um ser sobrenatural desça sobre o palco, oferecendo uma resolução fácil para uma questão embaraçosa.
"Clericamente, havia no Feudalismo um papel de primeira ordem desempenhado pelo grupo eclesiástico. Papel que extravasa, em muito, sua atividade sacerdotal. Sendo a Igreja a única instituição organizada da época, de atuação realmente católica, que dizer universal, a ela cabia a função de cimentadora, unificadora, naquela Europa fragmentada em milhares de células. (FRANCO JUNIOR, 1983:55).
Na sessão XXIV do capitulo I na página 266 da ata do Concílio Tridentino nos esclarece acerca do procedimento para convocar funcionários da hierarquia como bispos e cardeais. O que é necessário para fazer parte do alto clero? Madureza e Prudência. O processo eletivo deve garantir promoções para espíritos grandes, para os mais dignos e úteis a Igreja. Na teoria todas as pessoas idôneas têm direito de concorrer a qualquer promoção concernente as diligencias da Sé Apostólica. Os concorrentes devem ter nascidos de um matrimonio legitimo, e dotados de vida, idade, doutrina, e todas as mais qualidades exigidas pelos sagrados Cânones, e Decretos do Concilio. A profissão da Fé é autorizada pelo Santíssimo Pontífice Romano. Quem verifica a idoneidade do concorrente a Cardeal? Um consistório. Três Cardeais examinam com diligencia, dentre mais um deles senso o Cardeal Relator do Consistório, se os quatro afirmarem que o promovendo é dotado de qualidade para a profissão, sob pena da sua salvação eterna. A hierarquia da Igreja dá autorização de ordenação aos Bispos. Pode-se celebrar o sacramento da Ordem. Uma vez padre, pode-se retornar a condição de leigo. Não é necessário consentimento do povo, os que ministram alegando que a instrução vem do povo são tidos pelo Concílio Tridentino como salteadores e ladrões. Para Padre a rigorosidade é diminuta, afinal a obrigação dele é ministrar a missa corretamente no mesmo horário, o controle da casa de oração que em partes pode ser difícil, pois a conduta de todos passa por uma codificação, devem-se evitar conversações vãs, coisas impuras e lascivas, passeios, estrépitos, clamores.
"Uma das originalidades do Deus dos cristãos vem do fato de que eles O representam sob a forma de imagem." (LE GOFF ,2007: 69). Diferente dos outros deuses (como o do Judaísmo e do Islame), Jesus foi a imagem e semelhança de qualquer homem do sexo masculino e Deus ao mesmo tempo, o que de certo modo facilita a sua representação, pois justamente "A encarnação é a humilhação de Deus. O corpo é a prisão (ergastulum= prisão para escravos) da alma: mais que a sua imagem habitual, é a sua definição. O horror ao corpo culmina nos seus aspectos sexuais. O pecado original, pecado de orgulho intelectual, de desafio intelectual a Deus, foi transformado pelo cristianismo medieval em pecado sexual. A abominação do corpo e do sexo atinge o cúmulo no corpo feminino" (LE GOFF ,1985: 145). Os sacerdotes seguem a risca os doutores da Igreja, pois como advertiu Jesus Cristo o que seria se um cego guiasse outros cedo, ambos cairiam.
"Durante os sermões fazia-se grande uso de exempla, nos quais apareciam bastante frequentemente prostitutas, quer como personagens principais, quer como figuras de segundo plano, mas sempre com um certo destaque no fim da história." (PILOSU, 1995:79). O destaque no fim da história é sempre atribuir uma maior parcela de culpa para as mulheres. "Enfim, os "exemplos" (exempla) ilustram, sob a forma de relatos breves e concretos, fábulas ou historietas, as vantagens, para o cristão, de uma justa conduta."(SCHIMTT, 1999: 143)
Para os teólogos os outros deuses bem como outras interpretações do cristianismo são folclore, superstição, falsos deuses. "Quando os cristãos se recusavam a rezar aos deuses dos diversos paganismos, geralmente, não era por lhe negarem a existência; eles consideravam-nos como demónios, perigosos, sim, mas no entanto mais fracos do que o único Criador." (BLOCH, 1979: 50)
4. Diabo
A adivinhação, a magia são duas práticas por exemplo que de antemão são conferidas ao Diabo, uma das maiores provas de atuação do diabo, é permitir que pessoas simples e comuns possam controlar as forças da natureza. Eles acreditavam que invocando as forças da natureza a seu favor lhes daria a capacidade de conhecer o futuro, obviamente, uma complexa arte que envolve oração, jejuns e frases sem significação. Os encantamentos, feitiços e agouros podem ser utilizados para atrair um amor, curar uma dor de dentes, ou causar malefícios as fazendas. Esses são aspectos que estão ligados a demonizarão da cultura pagã que antecede a cristã.
Na literatura oral, onde as fontes são riquíssimas em descrições, o Diabo é um personagem inevitavelmente derrotado, ele sempre perde, quer seja para os violeiros, quer seja biblicamente nas tentações a Jesus.No Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente. O autor atribuí a cada personagem que atravessa o além , insígnias materiais. O Judeu chega com um bode nas costas; tal modo de segurar o animal pode revelar uma prática medieval, segundo a Professora Doutora Angélica Varandas do Departamento de Estudos Anglísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em seu artigo na revista de Estudos Antigos e medievais Brathair, intitulado "A cabra e o bode nos bestiários medievais ingleses" mostra que na Idade Média "era costume castigar os judeus de praticas heterodoxas, fazendo-os circular montados num bode ou numa cabra de costas para a cabeça do animal uma posição reservada aos criminosos"(página07). De fato na Idade Media o bode podia representar o judaísmo e o Deus dos judeus. A negação do Diabo no Auto em embarcar o bode significa que o próprio Deus judeu é entendido como um ser demoníaco pelo próprio Diabo.No corpo a corpo com o zooantropoformismo não é de se estranhar que o Diabo fora metaforizado em diversos animais: o porco, o morcego,a mosca.Na Idade Média a iconografia nos mostra que o bode no bestiário medieval personificava a luxuria. É como a figuração desde vicio que o bode se manifesta na iconografia, certamente o bode é um dos vários animais do bestiário, cuja ambivalência de significados fica evidente desde de Moisés em Levíticos. Já o carneiro é o símbolo divino e o bode o símbolo demoníaco, o cordeiro é o símbolo dos justos e dos cristãos fiéis que serão salvos no dia do julgamento como mostra a parábola do bom pastor. O carneiro como referência pode ate mesmo corporizar a cristo. Já o bode encarna características de uma licenciosidade fantásticas, uma libido desenfreada. O Diabo além desses atributos sexuais também partilha de semelhanças a níveis fisionômicos por possuir chifres, barba pontiaguda, cascos de animais e cauda bifurcada.O Bode tambem é um animal contemplado pela imaginação na Europa do Norte, onde o bode é um dos animais que puxam a carruagem de Thor o Deus do relâmpago e do trovão.O bode também é relacionado com as artes da feitiçaria, o próprio Deus Baphomet aparece com cara de bode no livro de magia de Eliphas Levi. O bode aparece no quadro de Goya, o Sabbath das bruxas - o bode é um animal emblematizado diabolicamente, é ao redor dele que as bruxas se localizam, pois simboliza o pecado da concupiscência e se associa a invocação do Diabo e às artes da feitiçaria. O Bode de bruxa era também um instrumento de tortura largamente utilizado pela Inquisição.Vicenzo Bruno, em meditações sobre os mysterios da paixam datado de 1601 editado em Lisboa, impresso pela casa tipográfica Pedro Crasbeeck, a custa de um obscuro mercador de livros Miguel d'Arenas, na página 95 o autor compila: “O demonio meteo primeiro no coração de Iudas o penfamento da treição, & depois entrou nelle per execução da obra. Procuremos refiftir logo nos principios aos máos penfamétos & fuggeftoens do Demonio, porque fe abrimos pouco & pouco por complacencia a porta do confentimento, no mefmo ponto entra o Demonio & esbulha a alma da graça &doés fobrenaturaes de que Deos a tinha enriquecido. Por iffo o Real Profeta no Pfalmo 136 chama bemauenturado aquelle q aos filhos pequenos de Babylonia, que faõ os penfamentos máos, logo em peqnos os mata arremeffandoos a Iefu Chrifto, que hé pedra.””.
Judas é uma figura muito marcante na paixão de Cristo, ele que desencadeia todo o processo, o pensamentos de traição é uma sugestão do maligno, entrega Jesus por algumas moedas influenciado pela força do Diabo, entrando dentro dele para a execução da tarefa. "Os homens e as mulheres da Idade Média estavam persuadidos de que se Deus deixava às vezes Satã ou simplesmente a natureza depravada dos homens semear a desordem sobre a terra, também introduzia nesse momento medidas de ordem." ( LE GOFF ,2007: 75). Recorrendo a Bíblia, Jesus Cristo é o Sumo Sacerdote. Ele é o único mediador entre Deus e os seres humanos (1 Tm 2.5) e o Espírito Santo é seu representante na terra.
"Certamente, as ligações entre Deus e a sociedade feudal estão entre as mais estreitas da história." ( LE GOFF ,2007:58 ). O mais interessante é que o Diabo e a sociedade feudal também se relacionam demais. No mundo feudal tudo perpassa por Deus, seja política, seja social, seja psicológica, seja militar, o que não apetece à Deus certamente estreita-se ao Diabo. Esse imaginário é o produto das composições das formas feudais: "O regime feudal e a Igreja eram de tal forma ligados que não era possível destruir um sem pelo menos abalar o outro." (LE GOFF ,2008: 83). Cada forma de produção gera as suas próprias relações sociais e as suas próprias formas de organização. Na Idade Média o feudalismo era cúmplice da religião.

Referências bibliográficas
BURKE, Peter A arte da conversação; tradução de Álvaro Luiz Hattnhr - São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995
BLOCH, Marc, A sociedade feudal. Tradução de Emanuel Lourenço Godinho. Lisboa: Edições 70, 1979.
BASCHET, Jérôme. A civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006.
FRANCO JUNIOR, Hilário. O feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
GIBBON, E. Declínio e queda do Império Romano. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LE GOFF, Jacques. Mercadores e Banqueiros da Idade Média. Lisboa: Martins Fontes, 1991.
_____.Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 2008.
_____.O Deus da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
_____.O Maravilhoso e o Cotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1985
MACEDO, José Rivair. Christus agelastus: o riso e o pensamento cristão na Idade Média; Veritas: Revista Trimestral de Filosofia e Ciências Humanas da PUCRS, v42 n3 ,1997.
MACEDO, José Rivair. Os filhos de Cam: a África e o saber enciclopédico medieval. SIGNUM: Revista da ABREM, Vol. 3, p. 101-132, 2001.
PILOSU, Mario. A Mulher, a Luxúria e a Igreja na Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa , 1995.
SCHIMTT, Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade medieval. Tradução Maria Lucia Machado. — São Paulo Companhia das Letras. 1999.
Fontes
Azpicuelta Navarro, Martin de, Manual de confessores & penitentes que clara & breuemente contem a vniuersal decisam de quasi todas as duuidas q[ue] em as confissões soem ocorrer dos peccados, absoluições, restituyções, censuras & irregularidades. Coimbra, 1552
BRUNO, Vincenzo, Meditações sobre os mysterios da paixam, resurreiçam, e acensaõ de Christo Nosso Senhor, & vinda do Spiritu Sancto, com figuras & profecias do Testameto Velho, & documentos tirados de cada hum dos passos do Evangelho / recolhidas de diversos Sanctos Padres, & outros devotos auctores pello Padre Vicete Bruno... ; agora novamente traduzidas de lingoagem italiana na portuguesa, & acrecentadas com muytos lugares da Sagrada Escritura pello P. Bras Viegas... - Em Lisboa : impresso por Pedro Crasbeeck : aa custa de Miguel d'Arenas mercador de livros, 1601
IGREJA CATOLICA. Concílio de Trento, 1545-1563, O sacrosanto, e ecumenico Concilio de Trento em latim e portuguez / dedica e consagra, aos... Arcebispos e Bispos da Igreja Lusitana, João Baptista Reycend. - Lisboa : na Off. de Francisco Luiz Ameno
ANJOS, Manuel dos. Historia/ universal,/ em que se descrevem os/ imperios, monarchias, reynos, & provincias/ do mundo, com muitas cousas nota-/veis, que ha nelle/ / copiada de diversos authores,/ chronistas approvados, & authenticos geographos./.../- Em Coimbra : na officina de Manoel Dias, 1651.

História

Problema da história
Neri de Paula Carneiro
Um dos problemas enfrentados por quem estuda a história é que, muitas vezes, se pára na periodização e se estuda o período pelo período; nesses casos a data acaba sendo mais relevante do que os agentes e os processos produtores do fato; briga-se pela denominação do período, sem considerar os agentes históricos que viveram o período. Faz-se necessário estudar o que constitui o período tanto do ponto de vista dos fatos como do ponto de vista das implicações do fato a fim de perceber que ele não ocorreu por acaso nem está solto, mas é resultante de processos específicos... e quase sempre complexos. Sem esquecer que em cada situação ou processo histórico estão presentes os grupos de pessoas que viveram ou vivem os fatos.
Podemos dizer mais: toda leitura ou estudo histórico não é feito pela história ou na busca do passado pelo passado. O "retorno" ao passado ocorre porque o estudioso pretende entender o presente: entender o presente a partir do passado ou iluminado pelo passado. Além disso, nos ensina M. Bloch: "para a maioria das realidades históricas, a própria noção desse ponto inicial permanece singularmente fugaz" (BLOCH, 2001, p. 56)
Tendo isso presente, podemos dizer que os grandes ciclos da história, os grandes fatos, ou os grandes períodos iniciaram ou se encerraram em grandes crises ou grandes superações de crises. E todas foram crises realmente importantes; tão importantes que geraram grandes passos ou processos transitórios na história do desenvolvimento humano. E nisso se constitui a história a ser estudada: a percepção, a partir do olhar do estudante-pesquisador contemporâneo, dos processos que produziram os fatos a serem observados.
Isso nos leva ao período que se convencionou chamar de Idade Contemporânea que tem como pondo de referência inicial a Revolução Francesa. Esse é um marco na história da humanidade. Entretanto, o marco não é o conceito ou o título "Revolução Francesa", como normalmente aparece nos capítulos dos livros didáticos, por exemplo; o que importa da Revolução Francesa são os fenômenos, os processos, as contradições que estavam acontecendo na sociedade capitalista que estava nascendo e que, esses sim, produziram o processo que acabou recebendo o nome de Revolução Francesa. Entretanto não podemos esquecer que para entender esse episódio – ou esse período – precisamos mirar nossos olhos para o que ocorreu antes e as circunstâncias dessa Revolução e, no nosso caso, procurar perceber as implicações que vieram depois. Ao observar tudo isso, perceberemos que os comportamentos, as posturas econômicas e políticas se alteraram tão profundamente que não deixam dúvidas sobre a descontinuidade que se verificou nesse fato. E veremos, também, que esse fato repercutiu para além de seu espaço-tempo localizado, e que continua interferindo na atualidade.
Os estudiosos reconhecem que o fato simbólico da Tomada da Bastilha, que caracteriza a Revolução Francesa, não é estanque. Ele também teve um antes, que foi a tomada de consciência da Burguesia a respeito de seu papel na história. E, como conseqüência, mobilizou-se, organizou suas forças políticas e econômicas a fim de destituir a nobreza e se colocar no poder político. Para concretizar isso a burguesia se aliou a Napoleão que, por sua vez, instalou-se no poder colocando assumindo a condução e a continuidade das aspirações da Burguesia.
Neste ponto temos que considerar, também, que a consciência da burguesia se deu na medida em que, a partir do século XI, as relações econômicas começaram a se alterar, na Europa. O mundo medieval estava gestando o movimento comercial que culminou no Renascimento (realçando que esse momento histórico não se esgota nos aspectos artístico-cultural e urbano, italianos). Se quisermos resumir o movimento renascentista podemos dizer que foi o processo de gestação do modo de produção capitalista. Isso, entretanto, não se resume a uma mudança de conceito, pois a compreensão do processo é mais ampla do que o conceito que expressa o movimento ou o momento. Dizer que ocorreu a superação de um modo de produção por outro não é explicar o que ocorreu, mas apenas assinalar que ocorreram inúmeras alterações tanto nas relações de poder como nas relações de produção, bem como nas manifestações sociais e ideológicas...
A Revolução teve, também, um depois que pode ser entendido a partir das idéias econômicas, sociais e políticas que se difundiram a partir do que ocorreu na França. Em virtude disso podemos dizer que o mundo atual é conseqüência dos processos que produziram aquele mundo de 1789. O liberalismo, o iluminismo, os regimes totalitários, a disseminação do capitalismo, as sementes do socialismo, tudo isso e muito mais se orienta, em nossos dias, a partir do evento Revolução Francesa... mas não se esgota nessa Revolução.
E assim permanece não o problema da história, mas a história como problema de investigação científica.
BLOCH, Marc, Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar. 2001.
CALDAS, Alberto Lins A criação da história. In Primeiro Versão. Disponível em:http://www.primeiraversao.unir.br/artigo180, acessado em:15/01/2010
CARNEIRO, Neri P. História e Tempo. In Artigonal, diretório de artigos gratuitos.
Disponível em http://www.artigonal.com/educacao-artigos/historia-e-tempo-380540.html. acessado em 15/01/2010
Fonte: Webartigos.com Textos e artigos gratuitos, conteúdo livre para reprodução. 1

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Como fazer um resumo.

RESUMO
Percebendo a dificuldade de alguns alunos no processo de elaborar um resumo, pois percebemos que muitos não resumem na verdade as informações ou não entendem a natureza e o propósito de um resumo. Simplesmente repetem as palavras do texto e na realidade não fazem nenhuma tentativa real de traduzi-lo para uma forma realmente sintética.Justificar
Para isso apresento abaixo uma das diversas formas de se resumir um texto. O exemplo abaixo foi extraído do livro: O ensino que funciona: estratégias baseadas em evidências para melhorar o desempenho dos alunos.

Técnicas de resumo.
Para resumir efetivamente, vocês precisam eliminar algumas informações, substituir algumas e manter outras.
Para eliminar, substituir e manter eficientemente a informação, vocês precisam analisar as informações em um nível bastante profundo.
Estar consciente da estrutura explícita da informação ajuda no resumo.

Regras para um bom resumo.
Ø Eliminar o material trivial desnecessário ao entendimento.
Ø Eliminar material redundante.
Ø Substituir termos mais abrangentes para as listas (por exemplo “Atenas, Esparta, Micenas e Trinto” por “Civilização Grega”, “Pólis”).
Ø Selecionar uma sentença principal, ou inventar uma caso ela não exista no texto.

Exemplo.
Exercício de resumo.
A
O PROCESSO FOTOGRÁFICO
“A palavra fotografia vem da palavra grega que significa ‘desenhar com luz’ ... A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. Quase todas as formas de fotografia são baseadas no fato que alguns produtos químicos são fotossensíveis - ou seja , eles mudam de alguma maneira quando expostos à luz. Os materiais fotossensíveis são abundantes na natureza; as plantas que fecham suas flores à noite são um exemplo. Os filmes usados na fotografia dependem de um número limitado de compostos químicos que escurecem quando expostos à luz. Os compostos mais usados hoje em dia são a prata e substâncias químicas chamadas halógenos (em geral bromo, cloro ou ioddo).”

B
O PROCESSO FOTOGRÁFICO (Resumido)
Utilizando a técnica exposta acima o resumo ficaria assim:
A luz é o ingrediente mais essencial na fotografia. A fotografia depende de cristais químicos que escurecem quando expostos à luz.

domingo, 24 de janeiro de 2010

"PRÉ-HISTÓRIA"

Compare as informações do seu material didático, com a narrada no vídeo abaixo e elabore um quadro destacando as semelhanças e as diferenças.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Fascismos. Nietzche e o Nazismo.

O trecho abaixo faz parte do artigo: A Política da Morte do Nazismo. Que analisa a política de eugenia praticada na Alemanha durante o nazismo.
A Nova Raça de Senhores
O mundo do futuro seria controlado pela nova raça de senhores (Herrenvolk) que imporia sua vontade de poder (Wille zur Macht) sobre uma massa submissa, tornada um rebanho (Herde). Dela exigiriam obediência de morte. Somente os fortes teriam "direito à vida", cujos critérios seriam estabelecidos, evidentemente, pelo super-homem. Os demais deveriam ser eliminados. Não eram dignos a ter "direito à existência". O super-homem não teria nenhuma qualidade herdada (sangue nobre por exemplo), sendo reconhecido apenas por sua personalidade de aço, por sua irrevogável determinação e pela entrega total a sua causa, fosse qual fosse a sua linhagem. A sua aristocracia era o caráter - duro, inquebrantável, insensível!
"Algum nunca chega a ficar doce, apodrece já no verão
É a covardia que o mantém dependurado no seu galho
Vive gente em demasia e por tempo demais fica pendurada no seu galho
Possa vir a trovoada que sacuda da árvore todos esses frutos
podres e bichados!
Possam vir os pregadores da morte rápida
Seriam para mim as verdadeiras trovoadas e os sacudidores da árvore da vida."
F. Nietzsche - Assim falou Zaratustra, 1885.
Nietzsche e o Nazismo
A enorme polêmica que envolve até hoje a real importância do pensamento de Nietzsche para o surgimento do nazismo, ou pelo menos fornecendo-lhe o vocabulário estridente e várias expressões ideológicas, nos obriga a arrolar a evidente similitude do pensamento nietzscheano com o que veio a acontecer depois na Alemanha de 1933. Afinal, a irmã dele, Elizabeth Vöster-Nietzsche deu a bengala do filósofo para Hitler quando ele visitou-a em Weimar em 1932. Para ela, aquele presente foi um símbolo que representou a transmissão de uma missão! Do teórico ao prático. Do filósofo que passara os seus últimos anos de vida alienado e entrevado ao homem de ação.
As Teorias Racistas:Gobineau e Chamberlain
A origem dos preconceitos raciais se perdem nos tempos. Modernamente, porém, o racismo adquiriu relevância teórica com a obra de José Arthur, o conde Gobineau - Ensaio sobre a desigualdade da raça humana (Essai sur l'inégalité des races humaines), de 1853-5, considerada a bíblia do racismo moderno.
Afirmava ele a superioridade geral da raça branca sobre as outras, e a dos arianos, identificados como os louros de descendência germânica, sobre os demais brancos. Gobineau interpretou a história pelo prisma do conflito de raças e acreditava, por exemplo, que a Revolução Francesa de 1789 foi uma vitória da raça inferior, a de origem celta-romana que ainda sobrevivia na França e que aproveitou a ocasião do assalto à Bastilha para vingar-se dos francos-germanos que, desde o século V, eram a raça dominante no país. Desde então, para Gobineau a França decaíra. No ensaio, o Conde caiu no inteiro agrado do círculo de Wagner, que o jovem professor Nietzsche então freqüentava.
O mais conhecido seguidor e divulgador do ideário racista na Alemanha foi o inglês Houston S.Charmberlain, membro da Sociedade Gobineau e genro de Richard Wagner, que apesar de ser um gênio musical tornara-se um anti-semita fóbico. Chamberlain, que viveu a maior parte do tempo na Alemanha, onde publicou Os fundamentos do Século XIX (Die Grundlagen des Neunzehnten Jahrhunderts) em 1899 - consagrando-se como o verdadeiro "imperador da antropologia alemã" -, defendia a tese de que era inquestionável a superioridade do ser teutônico, louro, alto e dolicocéfalo, sobre todos os demais. Para ele, o homem perfeito, superior, correspondia em geral ao tipo nórdico.
Os alemães, para ele, eram o povo mais bem dotado entre todos os europeus, estando bem mais acima do restante da raça branca. A enorme acolhida que sua obra teve naquela época na Alemanha explica-se por ela ter sido contemporânea ao império guilhermino, então no seu apogeu. O II Reich alemão, formado em torno da Prússia depois que ela alcançou a vitória na guerra de 1870 contra a França, fez da antiga Germânia a maior potência industrial e militar do mundo de antes da Primeira Guerra Mundial. O livro de Chamberlain, como não poida deixar de ser, inflava de orgulho os alemães ao associar a excepcionalidade do momento em que viviam como resultante de um feliz destino racial, determinado pela própria natureza.
Para ele e para os historiadores racistas que o seguiam, a queda do império de Roma deveu-se aos romanos terem-se descuidado da manutenção e preservação da sua superioridade racial. Ao se miscigenarem (mistische) com os povos vencidos, inocularem-se com sangue da raças derrotadas, o que os levou a um enfraquecimento genético e à inevitável decadência. Uma política que almejasse o apuro racial era a conseqüência lógica a ser rigorosamente adotada por qualquer povo consciente da sua superioridade étnica que desejasse manter elevada a sua cultura e o seu domínio.
Esquema da Transmissão Cultural Racista
CULTURA ANCESTRAL --- SANGUE --- TRANSMISSÃO GENÉTICA --- PATRIMÔNIO CULTURAL HERDADO
A Responsabilidade das Instituições Científicas
A legislação de eugenia adotada pelos nazistas foi decorrência direta dos estudos feitos pelo Instituto Imperador Guilherme de Antropologia, Genética Humana e Eugenia (Forchunginstitut Kaiser Wilhelm), e pela Sociedade Alemã de Pesquisa (Deustche Forschungsgemeinschaft, DFG). Os principais responsáveis que forneceram os argumentos médicos e genéticos para a aplicação da eugenia foram o prof. Eugen Fischer, o chefe do departamento de psiquiatria, prof. Ernst Rüdin, e o chefe do departamento de antropologia, prof. von Verschuer. Tanto o instituto como a sociedade de pesquisa eram respeitáveis instituições científicas - internacionalmente consagradas - que orientaram com seu pessoal a política de esterilização, eutanásia e extermínio praticada pelo regime nazista de 1933 a 1945.
A Comunidade Racialmente Pura
Tratava-se segundo os cientistas de fixar-se quem deveria pertencer à comunidade racial (Volksgemeinschaft), composta exclusivamente de alemães sadios e racialmente inatacáveis, eliminado-se a presença de qualquer elemento poluidor (os insanos, os degenerados, os judeus e os ciganos). Para preservá-los em sua pureza, nenhuma possibilidade de confraternização inter-racial seria permitida. A mistische, a mistura racial era vista como uma ameaça possível de degenerar a raça superior. Segundo um dos pesquisadores anti-semitas, o prof. Clauss, havia um impedimento para esses casamentos mistos porque as "almas raciais", a dos arianos e a dos judeus por exemplo, jamais poderiam compreender-se ou afinar-se, mesmo quando nasciam no mesmo país e falavam ou mesmo idioma.
A Divisão da Política da Eugenia
Dividiu-se a política da eugenia em três grande categorias quanto à sua execução:
1) a esterilização (Sterilisirung) foi aplicada a certas classes de gente: nos insanos, nos idiotas, nos imbecis, nos pervertidos e em criminosos habituais;
2) a eutanásia (Gnadentod, a morte sem dor) nos doentes irrecuperáveis de qualquer idade, nos idosos senis, e em alguns casos de demência, por meio de injeções de fenol, nos asilos ou em sanatórios. Depois no transcorrer da guerra simplesmente deixava-os morrer de fome;
3) o extermínio (Endlösung) teve um alcance bem mais amplo. Inicialmente concentrou-se nos menores excepcionais, nas vítimas do mongolismo (quatro mil) que estavam acolhidos em escolas especiais e em sanatórios e que foram gaseados em caminhões adaptados como câmaras da morte, sendo para tanto utilizado o monóxido de carbono. Em seguida foi a vez dos loucos (70.273 por gás e 120 mil de fome), e, por fim, o holocausto dos judeus (seis milhões) e dos ciganos (200 mil), vitimados em massa pela "solução final" (Endlösung). Depois de terem abandonado os fuzilamentos em massa que ocorreram no Leste Europeu, a partir de 1941 eles foram gazeados e incinerados em campos de extermínio espalhados pela Alemanha e principalmente pela Polônia (em Auschwitz matava-se 4.500 ao dia).
Quem tinha direito à vida
As populações dos países ocupados eram divididas em quatro categorias estabelecidas pela Central de Segurança do Reich (Reischssicherheitshauptamt, RuSHA), um braço da poderosa SS (Shutzstaffel), chefiada por Heinrich Himmler.
Na primeira, eram classificados os alemães e seus descendentes; na segunda - os não-alemães; ao terceiro grupo pertenciam as pessoas consideradas aptas para o trabalho; e na quarta - aqueles que eram enviados para o campo de trabalho/extermínio de Auschwitz.
Em dez de dezembro de 1941, com a crescente dificuldade das forças nazistas no seu avanço na URSS, Heinrich Himmler ordenou que uma comissão de médicos viajasse por todos os campos de concentração a fim de eliminar os doentes e os "psicopatas" (em geral, os comunistas) que fossem considerados incapazes para o trabalho. Doravante bastaria ser idoso, doente, judeu, sacerdote, comunista ou social-democrata para ser assassinado.
Os Selecionadores
Os responsáveis pelo extermínio fixaram a partir de nove de março de 1943, uma equipe permanente de "selecionadores" que aguardavam as vítimas nas plataformas das estações ferroviárias, todos portadores de títulos de doutor (*). O trabalho deles era supervisionar os procedimentos de extermínio. Deviam separar os fracos, os doentes, os velhos, bem como as crianças e enviá-los para as câmaras de gás, enquanto um outro grupo, mais jovem e ainda sadio, seria mantido vivo para os trabalhos na infra-estrutura dos campos e nas fábricas que os utilizava como mão-de-obra.
(*) Uma organização médica reivindicou essa função junto ao comando da SS, em vista, segundo ela, dos selecionadores terem que ter formação acadêmica, com extensão em antropologia racial, para, em meio a multidão semita ou não-germânica, que desembarcava nos campos, poderem identificar um ariano puro e salvá-lo da morte certa.

Bibliografia
Brannigan, Augustine - A base social das descobertas científicas, Editora Zahar, Rio de Janeiro, 1984.
Calic, Edouard - O Império de Himmler, Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1970.
Fest, Joachim
- Hitler, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1976.
Friedländer, Saul -Nazi Germany and the Jews,Harper Collins Publishers, Nova Iorque, 1997, tomo I
Goldhagen, Daniel J. -Os carrascos voluntários de Hitler Companhia das Letras, São Paulo, 1997
Lifton, Robert Jay - The Nazi doctors: medical killing and the Psychology of GenocideHarper Collins Publishers, Nova Iorque, 1986
Müller- Hill, Benno - Ciência assassina, Editora Xenon, Rio de Janeiro, 1993
Rutherford, Ward - Genocídio, Editora Renes, Rio de Janeiros, 1976.
Shirer, William - Ascensão e queda do IIIº Reich, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1967, 4 vols.,5ª ed.
Para saber mais.
A Política da Morte do Nazismo. Site: Educaterra. História por Voltaire Schilling.
Sobre a obra de Nietzche e o nazismo.
As experiências nazistas na medicina atual.
Sobre Hitler.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

"PRÉ-HISTÓRIA"

Artigo publicado na SCIENTIFIC AMERICAN Brasil, (Edição 13 - Junho de 2003) sobre o corpo de um homem que viveu na "pré-história" a aproximadamente 5 mil anos, na fronteira da Áustria com a Itália.


A saga revivida de Ötzi, o Homem do Gelo
Onde ele vivia e o que fazia no desfiladeiro onde morreu? Um estudo meticuloso - principalmente dos restos vegetais encontrados em seu corpo - reformula muitas das especulações iniciais.
por Jim Dickson, Klaus Oeggl e Linda Handley
Num dia claro de setembro de 1991, um casal de montanhistas caminhando pela cordilheira dos Alpes deparou-se com um cadáver. Autoridades locais presumiram ser o corpo de um dos alpinistas que desaparecem todo ano nas fendas entre as geleiras da região. Mas depois de enviarem o corpo para uma cidade próxima, Innsbruck, na Áustria, Konrad Spindler, arqueólogo da universidade local, declarou que o cadáver era pré-histórico. A vítima, um homem, morrera há milhares de anos. Spindler e outros pesquisadores deduziram que o corpo e objetos que ele carregava foram preservados até que uma tempestade de poeira vinda do Saara e um período excepcionalmente quente se combinaram para derreter o gelo, expondo o corpo.
Corpos bem preservados da Europa do Neolítico, até então nunca haviam sido encontrados. O Homem do Gelo é muito mais antigo que os homens da Idade do Ferro das turfeiras da Dinamarca e precede até as múmias egípcias. Quase tão impressionante quanto sua idade, foi encontrar suas roupas e acessórios.
Na excitação que se seguiu à descoberta, sobraram especulações na imprensa e no mundo acadêmico. De acordo com a hipótese de Spindler, o homem teria fugido para a segurança das montanhas depois de ser ferido numa luta em sua aldeia. Era outono, interpretou Spindler, e o homem procurou refúgio nas pastagens elevadas para onde levava seus rebanhos no verão. Ferido e em estado de exaustão, caiu no sono e morreu sobre um rochedo, onde foi encontrado cinco mil anos mais tarde. A impressionante preservação do corpo teria resultado de uma tempestade de neve que o protegeu dos abutres, seguida de rápido congelamento-ressecamento.
Como a singularidade da descoberta não foi imediata, a forma como o cadáver foi retirado do gelo destruiu muitas informações arqueológicas e afetou o próprio corpo. Uma escavação mais completa do sítio foi feita no verão de 1992 e revelou muitas evidências valiosas, entre as quais grande quantidade de material orgânico (sementes, folhas, madeira, musgos). Agora, depois de uma década de pesquisas de laboratório com esses restos, incluindo resíduos retirados dos intestinos do Homem do Gelo, alguns fatos substituem as primeiras impressões por uma história mais consistente.
Quem Era Ele?
O CASAL DE MONTANHISTAS DESCOBRIU o corpo a 3.210 metros acima do nível do mar no maciço de Ötztal (Alpes Orientais), o que lhe valeu o apelido de Ötzi. A apenas 92 metros ao sul da fronteira austro-italiana, a depressão rochosa e superficial que abrigava o corpo fica perto de um desfiladeiro chamado Hauslabjoch, entre o Schnalstal, na Itália (Val Senales, em italiano) e o Vertental na Áustria (ver o mapa da pág. ao lado). Ötzi estava numa posição estranha, caído de bruços sobre o rochedo, o braço esquerdo dobrado para o lado direito, e a mão direita presa embaixo de uma pedra grande. Seus objetos e roupas, também inteira ou parcialmente congelados, estavam espalhados à sua volta, alguns a vários metros de distância. Datações de carbono do material vegetal junto ao corpo e das amostras da pele e dos ossos de Ötzi, feitas por três laboratórios diferentes, confirmam que ele viveu há cerca de 5.300 anos.
Outras características de Ötzi foram relativamente fáceis de descobrir. Com 1,59 metro, era um homem de baixa estatura, como muitos da região de Schnalstal são hoje em dia. Estudos de ossos mostraram que ele tinha 46 anos, idade avançada para as pessoas de sua época. A análise do DNA indica que era originário da Europa Central-Setentrional, o que pode parecer óbvio, mas é um dado que o diferencia dos povos mediterrâneos, cujas terras ao sul não ficam muito longe.
Ö tzi tinha uma anomalia congênita inusitada: faltava-lhe o último par de costelas, o 12º. A sétima e a oitava quebraram e depois colaram durante sua vida. Segundo Peter Vanezis, da University of Glasgow, o lado direito de sua caixa torácica está deformado, com indícios de fraturas na terceira e na quarta costelas. O braço esquerdo está quebrado. O fato de essas alterações terem ocorrido depois de sua morte está entre as consideráveis evidências que lançam dúvidas sobre a teoria de Spindler. Assim como a descoberta de que a perda de uma parte do couro cabeludo foi causada por pressão, e não por um golpe ou decomposição.
Deixando de lado as perguntas sem resposta envolvendo a morte de Ötzi, vários indícios sugerem que ele não estava em seu melhor estado de saúde quando morreu. Embora a maior parte de sua epiderme, os cabelos e as unhas tenham desaparecido, provavelmente deteriorados pela exposição à água durante degelos ocasionais, seus restos oferecem um bom material para pesquisa. O exame da única unha encontrada revelou três linhas de Beau, que aparecem quando o crescimento das unhas é interrompido e depois retomado. Essas linhas mostram que ele esteve muito doente três vezes nos seus últimos seis meses de vida e que o episódio final, cerca de dois meses antes de sua morte, foi o mais grave e durou pelo menos duas semanas. Horst Aspöck, da University of Viena, descobriu que ele foi infectado por um parasita intestinal que pode causar diarréia e até disenteria, embora não saibamos qual foi a gravidade da infecção.
Além disso, muitas tatuagens simples, feitas com pó de carvão, são visíveis na camada de pele por baixo da epiderme desaparecida. Essas marcas certamente não eram decorativas - mas provavelmente terapêuticas. Várias estão próximas ou sobre pontos da acupuntura chinesa, lugares onde ele pode ter tido artrite - a parte inferior da coluna, o joelho e o tornozelo direitos. A coincidência levou alguns pesquisadores a sustentarem hipóteses de um tratamento por acupuntura. Mas, segundo Vanezis e Franco Tagliaro, da Universitá di Roma, os raios X não mostram sinais convincentes de artrite. O dedo mínimo do pé esquerdo mostra evidência de ulceração produzida pelo frio. Os dentes de Ötzi são muito desgastados, um reflexo de sua idade e alimentação. Restos de duas pulgas foram descobertos em suas roupas. Não foram encontrados piolhos, mas, se havia algum, desapareceu com a epiderme.
Que Objetos Usava?
ANALISANDO AS ROUPAS E OBJETOS de Ötzi, pesquisadores puderam conhecer mais sobre ele e sua comunidade. Os objetos são uma prova do conhecimento que tinham das pedras, fungos, plantas e animais. E mostram que também sabiam como obter recursos de lugares mais distantes, como o sílex e minério de cobre. Graças a esses saberes, Ötzi estava extremamente bem equipado. Cada objeto em seu poder fora produzido com o material mais adequado para seus propósitos.
Além disso, ele estava muito bem preparado para enfrentar o frio, usando três camadas de roupas feitas de pele de veado e de cabra, e uma capa forrada da longa e resistente fibra da casca de tília. Seu chapéu era de pele de urso, e os sapatos, forrados de grama, combinavam pele de urso e cabra.
Ötzy levava um machado de cobre e um punhal de sílex oriundo do Lago de Garda, a mais ou menos 150 km ao sul. O cabo do punhal era de uma madeira usada até hoje para fazer cabos, por sua resistência. Seu arco inacabado foi feito com a melhor madeira para esse fim. Uma aljava de pele levava 14 flechas. Apenas duas tinham penas e pontas de sílex, mas ambas estão quebradas. Uma bolsa presa ao cinto continha material para fazer fogo: um fungo que cresce nas árvores, conhecido em inglês como true tinder fungus, pirita de ferro e sílex para produzir faíscas. Uma pequena ferramenta própria para amolar sílex também foi encontrada perto do corpo. Em correias de pele de animal, Ötzi carregava dois pedaços de fungo de bétula. O fungo contém compostos farmacologicamente ativos (triterpenos, e pode ter sido usado como remédio. Também havia fragmentos de uma rede, a estrutura básica de uma mochila e dois recipientes feitos de casca de bétula; um levava carvão e folhas de bordo norueguês ? talvez transportasse originalmente brasas envolvidas por folhas.
De Onde Era?
NESSA PARTE DOS ALPES, os vales situam-se ao norte e ao sul, entre cordilheiras de montanhas elevadas. Por isso a aldeia de Ötzi pode estar entre o norte e o sul. A evidência botânica aponta para o sul. Um sítio neolítico foi descoberto em Juval, um castelo da Idade Média localizado na extremidade sul de Schnalstal, 2 mil metros abaixo, mas a apenas 15 km em linha reta da depressão onde Ötzi foi encontrado. Os arqueólogos não escavaram o sítio nos tempos modernos e não foi feita nenhuma datação com carbono, mas Juval é o lugar mais próximo à depressão em que um grande número de plantas floríferas e fungos associados a Ötzi crescem ainda hoje. Não temos motivo para supor que não crescessem ali no passado. Talvez, por isso, seja o local onde Ötzi vivia.
Quando suas roupas foram analisadas, os exames revelaram muitos fragmentos de plantas, inclusive uma grande quantidade de Neckera complanata. Esse e outros musgos que ele levava crescem ao norte e ao sul do local onde Ötzi foi encontrado, mas as fontes do sul estão muito mais próximas. N. complanata viceja com abundância perto de Juval. Wolfgang Hofbauer, do Fraunhofer Institute for Building Physics em Valley, Alemanha, descobriu que esse musgo cresce - em quantidades menores - em Vernagt (Vernago), a apenas 1.450 metros abaixo do local e a somente 5 km de distância. E, mais recentemente, Alexandra Schmidl, do University of Innsbruck Botanical Institute, descobriu pequenos fragmentos de folhas do musgo Anomodon viticulosus em amostras retiradas do estômago de Ötzi. Esse musgo também cresce em Schnalstal.
Se Juval não for seu lar, vestígios de ocupação neolítica em locais bem próximos de Vinschgau (Val Venosta), o vale do rio Etsch (Adige), oferecem outras possibilidades. Em contraste, ao norte as aldeias conhecidas da Idade da Pedra que ficam mais próximas estão a dezenas de quilômetros, e não sabemos da existência de nenhuma aldeia neolítica no Ventertal ou em qualquer outra região do Ötztal. Se o lar de Ötzi era realmente na parte mais baixa do Schnalstal ou em Vinschgau, então sua comunidade vivia numa região de invernos amenos, curtos e geralmente sem neve, principalmente se, na época, o clima era um pouco mais quente.
Investigações feitas por Wolfgang Müller, da Australian National University, sobre a composição isotópica do esmalte dos dentes de Ötzi, sugerem que ele cresceu numa área, mas passou duas ou três das últimas décadas num outro lugar. Investigando isótopos estáveis e elementos-traço, Jurian Hoogewerff, do Institute of Food Research, de Norwich, Inglaterra, e outros pesquisadores, afirmaram que Ötzi provavelmente passou a maior parte de seus últimos anos no Ventertal ou nos vales próximos ao Norte. Se puderem ser comprovadas, são informações, no mínimo, intrigantes.
O Que Comia?
OS ESTUDOS EM ANDAMENTO sobre os restos de plantas retirados do trato digestivo oferecem evidência direta de algumas das últimas refeições de Ötzi. Um de nós (Oeggl) detectou farelo de um trigo primitivo chamado einkorn, tão fino que pode ter sido moído até virar farinha de fazer pão. Restos microscópicos de substâncias não identificadas até agora comprovam que ele também se alimentava de outras plantas. E Franco Rollo e sua equipe da Universitá de Camerino, na Itália, em seus estudos do DNA de resíduos de alimentos nos intestinos, reconheceram tanto o veado vermelho quanto a cabra montesa alpina (cabra selvagem). Lascas de ossos do pescoço da cabra montesa também foram descobertas perto do corpo de Ötzi. Junto dele também estava um único abrunho, uma fruta pequena e amarga, parecida com a ameixa. Ötzi pode muito bem ter levado uma provisão de abrunhos secos.
Vários tipos de musgo foram retirados do estômago, cólon e reto. Não existe evidência alguma de que humanos algum dia tenham comido musgos, certamente não como um componente importante de sua alimentação. Entretanto, há mais de 5 mil anos, não eram produzidos materiais para embrulhar, embalar, rechear ou enxugar. Os musgos são excelentes para esses propósitos, como revelaram muitas descobertas arqueológicas em toda a Europa: vários musgos encontrados nas fossas vikings e medievais eram claramente usados como papel higiênico. Se as provisões de Ötzi estivessem embrulhadas em musgo, isso explicaria perfeitamente, como uma ingestão acidental, as várias folhas e fragmentos de N. complanata encontrados nas amostras retiradas.
A análise arqueológica dos restos de cabelos e ossos, que examina a quantidade de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio (carbono 13 e nitrogênio 15), pode dar informações sobre a alimentação de uma pessoa. O nitrogênio 15 revela o quanto o indivíduo dependia de proteína animal ou vegetal, enquanto o carbono 13 indica o tipo de planta que a pessoa comia e se os frutos do mar ou os alimentos da terra prevaleciam na dieta.Os dados isotópicos confirmam os outros indícios de que Ötzi tinha uma dieta mista de plantas e animais. Cerca de 30% do nitrogênio de sua alimentação eram de proteína animal, o resto de plantas. Esse valor é coerente com os encontrados entre as tribos de caçadores-coletores atuais. Esses dados indicam também que os frutos do mar não integravam sua alimentação. Faz sentido, devido à distância do mar.
O Que Fazia Ali?
ATÉ HOJE, O QUE PARECE ser um costume antigo, os pastores conduzem seus rebanhos de Schnalstal para as pastagens elevadas do Ötztal no verão e os trazem de volta no outono. O corpo de Ötzi foi encontrado perto de uma das rotas tradicionais, por isso uma das primeiras teorias o tomavam por pastor. No entanto, nada em suas roupas ou equipamento prova que ele tenha feito esse tipo de trabalho. Uma certa base para a hipótese do pastor é dada pela grama e pela capa de fibra, que tem seus equivalentes modernos nas roupas usadas pelos pastores dos Bálcãs, mas só isso não é conclusivo. Até onde se sabe, era a roupa tradicional dos viajantes daquele tempo.
A análise dos poucos fios de cabelo de Ötzi que restaram revela grandes quantidades de arsênio e cobre. A explanação divulgada é que ele teria participado da fundição de cobre. Mas Geoffrey Grime, da University of Surrey, Inglaterra, agora acha que esses níveis excepcionais de cobre podem ter resultado da ação de bactérias fixadoras de metal depois da morte de Ötzi, e que o cobre estava sobre o cabelo, e não no interior do fio. A presença do Mielichhoferia elongata, o chamado musgo do cobre, que se alastra preferencialmente sobre rochas que contêm esse elemento, reforça a possibilidade de o cobre ter se fixado ao cabelo depois da morte. Um de nós (Dickson) descobriu que esse musgo cresce na região onde Ötzi foi encontrado e, de forma independente, a mesma descoberta foi feita por Ronald D. Porley, do órgão do governo inglês English Nature.
Outra possibilidade é a de Ötzi ser um caçador da cabra montesa alpina; o arco e a aljava de flechas podem comprovar essa hipótese. Mas se ele estava ativamente envolvido na caça à época de sua morte, por que o arco estava inacabado e sem a corda e todas as flechas, menos duas, estavam sem pontas e sem plumas? Por que as duas flechas prontas estavam quebradas?
Outras das primeiras idéias sobre Ötzi sustentam que ele era um criminoso excluído do convívio da comunidade, um mercador de sílex, um xamã ou um guerreiro. Nenhuma delas tem bases sólidas, a menos que os pedaços de fungo que ele carregava tivessem uso medicinal ou espiritual para um xamã.
Como Morreu?
EM JULHO DE 2001, Paul Gostner e Eduard Egarter Vigl, do Hospital Regional de Bolzano, Itália, anunciaram que os raios X tinham revelado uma ponta de flecha embaixo do ombro esquerdo de Ötzi. Essa afirmação provocou numerosas declarações da mídia de que Ötzi tinha sido assassinado. Gostner e Egarter Vigl chegaram a dizer que "agora está provado que Ötzi não morreu de morte natural, nem devido apenas à exaustão e a ulcerações provocadas pelo frio". Embora existam reconstruções tridimensionais da ponta da flecha, que tem 27 mm de comprimento por 18 mm de largura, os pedidos feitos por Vanezis e Tagliaro para sua retirada e a comprovação de que se trata realmente de uma ponta de flecha ainda não foram atendidos. Além disso, a remoção deve ser feita de forma a deixar evidente o ferimento fatal que pode ter provocado.
A ponta de flecha pode não ter causado a morte. Muita gente continua viva depois que objetos estranhos - como balas - entram em seus corpos. Um exemplo arqueológico notável é a famosa ponta de lança na pélvis direita do famoso Homem de Kennewick, da América do Norte; ficou ali por tempo suficiente para que o osso começasse a se recuperar à sua volta.
Mais recentemente ainda, Egarter Vigl afirmou que a mão direita de Ötzi revela uma ferida profunda feita por uma punhalada. Até agora, nenhuma publicação científica sobre a descoberta foi feita.
Em que Estação do Ano?
AS PRIMEIRAS INDICAÇÕES SUGEREM que a morte se deu no outono. A presença do abrunho - que amadurece no fim do verão - perto do corpo e pedacinhos de cereais nas roupas de Ötzi, que presumivelmente se alojaram ali durante a debulha que se segue à colheita, constituem a base dessa hipótese. Mas uma evidência botânica convincente indica que Ötzi morreu no fim da primavera ou no começo do verão. Estudos feitos por Oeggl de uma amostra diminuta de resíduos alimentares retirados do cólon de Ötzi revelaram a presença do pólen de uma pequena árvore chamada hop hornbeam em inglês. O impressionante é que esse pólen preservou seu conteúdo celular, que normalmente se deteriora muito rápido. Isso significa que Ötzi pode ter ingerido pólen do ar ou bebido água contendo pólen recém-depositado nela pouco antes de morrer. O hop hornbeam, que cresce até cerca de 1,2 metro acima do nível do mar em Schnalstal, só floresce no fim da primavera e no começo do verão.
Quanto aos abrunhos, se Ötzi estivesse levando frutos secos, a secagem poderia ter sido feita algum tempo antes de sua viagem. Da mesma forma, pedacinhos de cereais preservam-se indefinidamente, e alguns resíduos podem ter ficado em suas roupas durante longo tempo.
O que Sabemos
MAIS DE 10 ANOS DEPOIS da descoberta do corpo humano mais antigo e bem preservado de que se tem notícia, as hipóteses sobre quem ele era e como chegou a uma depressão rochosa no alto dos Alpes mudaram muito. Mas acreditamos que pesquisas cuidadosas ainda devam ser feitas. Os estudos sobre os restos de plantas - o pólen, sementes, musgos e fungos encontrados tanto dentro quanto fora do corpo - revelaram um número surpreendente dos segredos de Ötzi. Sabemos de sua dieta onívora, do conhecimento íntimo que tinha do lugar onde vivia, de seu domicílio no sul, de sua idade e estado de saúde, da estação do ano em que morreu e algumas coisas sobre seu meio. Talvez uma das reinterpretações mais surpreendentes é que Ötzi não morreu no rochedo onde foi encontrado. Ele deve ter sido arrastado até lá por um dos degelos temporários que ocorreram nos últimos 5 mil anos. A posição do corpo, com o braço esquerdo virado desajeitadamente para a direita e a mão direita presa embaixo de uma pedra, assim como a epiderme desaparecida, sugerem essa conclusão, assim como o fato de alguns de seus pertences estarem a vários metros de distância, como se tivessem sido levados para longe do corpo.

RESUMO / Reencontro com o Homem do Gelo
As pesquisas mais recentes indicam que o Homem do Gelo:
Pode ter vivido próximo de onde está hoje o Castelo de Juval, no sul do Tirol (Itália). Alimentava-se de uma dieta variada incluindo uma espécie de trigo primitivo, outras plantas e carne.
Tinha 46 anos ao morrer e não estava em sua melhor forma.
Morreu na primavera e não no outono, como se pensou inicialmente.
Pode ter morrido ao ser atingido nas costas por uma flecha.Não morreu no rochedo onde foi encontrado, e teria sido arrastado para lá durante degelos sucessivos.

O QUE O HOMEM DO GELO E SEUS PERTENCES NOS DIZEM
Ele não era careca quando vivo e provavelmente tinha barba. A epiderme desapareceu e o cabelo, pêlos e unhas caíram. Alguns fios de cabelo, de até nove centímetros, foram encontrados. Análises dos fios indicam que ele se alimentava de diferentes plantas e animais.
O Homem do Gelo era baixo, tinha apenas 1,59 metro de altura. O ressecamento posterior à sua morte encolheu seu corpo, tanto externa quanto internamente. A pressão do gelo deformou seu lábio superior, o nariz e as orelhas.A composição isotópica do esmalte dentário sugere que ele viveu em pelo menos duas áreas diferentes.
O gorro foi feito com pele do urso marrom.
O cabo do punhal é de madeira de alta resistência. A ponta de sílex pode ter sido quebrada no passado, ou durante a escavação.Uma espécie de farelo de trigo primitivo chamada einkorn, foi identificada em seu intestino, moído tão fino que pode ter sido usado para fazer pão. Partículas minúsculas de carvão sugerem que o pão havia sido assado num braseiro.
Folhas do musgo Neckera complanata, também retiradas das vísceras, indicam que ele provavelmente embrulhava sua comida em musgo. No alto, imagem do musgo crescendo sobre uma pedra. Abaixo, um ramo com folhas retirado de suas roupas.Análises com datação de carbono dos tecidos do corpo, plantas e utensílios confirmam que ele viveu há 5.300 anos.
Uma bolsa que provavelmente era presa à cintura, embora não estivesse mais no lugar, continha materiais para fazer fogo, entre os quais o true tinder fungus (abaixo, à esquerda) e sílex (centro). Um instrumento para amolar o sílex está abaixo, à direita. Tatuagens muito simples, mas visíveis na parte posterior do corpo, eram linhas simples e cruzes que podem ter tido função terapêutica.
Processos naturais depois da morte fizeram seus dedos se fechar. Uma das unhas (abaixo) foi recuperada. As linhas (setas) mostram que ele esteve muito doente três vezes nos meses anteriores à sua morte.Estudos dos resíduos de comida nos intestinos indicam que ele era onívoro e revelam detalhes sobre suas últimas refeições (veado vermelho, cabra montanhesa, plantas e grãos), ambiente, domicílio e até de sua última viagem.
Nas amostras retiradas das vísceras, grãos de pólen (esquerda) da hop hornbeam (abaixo) indicam que o Homem do Gelo morreu no final da primavera, quando essa arvorezinha floresce.
O machado intacto mais antigo conhecido, tem uma lâmina de cobre presa a um cabo de madeira com fibras da casca de tília e pele.
Os sapatos, feitos de pele de animais, foram cuidadosamente costurados e forrados com grama. Seu estado de conservação é ruim, talvez em parte pelo desgaste da viagem do Homem do Gelo.

Jim Dickson, Klaus Oeggl e Linda Handley têm um interesse comum pelas plantas que Ötzi pode ter usado em sua vida cotidiana. Dickson, professor de arqueobotânica e de classificação de plantas da University of Glasgow, recebeu a medalha Neill, prêmio da Royal Society of Edinburgh. Escreveu mais de 150 artigos e 5 livros, entre os quais Plants and People in Ancient Scotland (Tempus Publishing, 2000). Oeggl é professor de botânica da University of Innsbruck, Áustria. É especialista em arqueobotânica e um dos organizadores do livro The Iceman and His Natural Environment (Springer-Verlag, 2000). Handley, ecofisiologista do Scottish Crop Research Institute, sediado em Invergowrie, Escócia, especializou-se no estudo de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio em plantas e solosP.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

ENSINO MÉDIO

95% não sabem se vão concluir os estudos
Pesquisa revela que estudantes do Ensino Médio do Rio não veem perspectiva de futuro na escola
POR DIEGO BARRETO
Rio - Só 5% dos alunos da rede pública estadual do Rio têm certeza de que vão concluir o Ensino Médio. O dado foi revelado pela pesquisa ‘O Aluno do Ensino Médio Público Estadual — Percepções, Hábitos e Expectativas’, divulgada pela Secretaria Estadual de Educação (Seeduc). Realizado entre 2008 e 2009 pelo Instituto Mapear, o estudo também mostrou que cerca de 20% dos estudantes interromperam os estudos em algum momento por impedimentos, como trabalho ou gestação. O número de alunos com filhos é expressivo: 15% das meninas já são mães e 8% dos alunos conhecem os desafios da paternidade.
Dentro das estatísticas está o ajudante de cozinha Marcos Vinicius da Conceição, 27 anos, que conta nos dedos os dias para retomar os estudos. Morador do bairro do Galo Branco, em São Gonçalo, ele precisou deixar a sala de aula quando cursava o 1º ano do Ensino Médio para conciliar dois empregos. Quando pensava em voltar para a escola, sua mulher engravidou e ele teve que se preparar para a chegada do pequeno João Victor. “Quando trabalhava em dois empregos, ficava esgotado e acabei deixando a escola. Depois minha esposa engravidou, e não deu para retomar. Agora que meu filho está com 4 anos, quero voltar a estudar. Faz toda diferença no mercado de trabalho”, acredita.Marcos está disposto a dividir seu tempo entre o atual emprego, a família e a escola. “Meu desejo é terminar o Ensino Médio e fazer cursos de capacitação. Mas, para quem trabalha, as coisas acabam sendo mais complicadas. Quero estudar até mesmo para dar exemplo ao meu filho”, conclui.Após o nascimento de seu primeiro filho, em outubro passado, Lorraine Cristina Marinho, 14 anos, também precisou abandonar a escola. Ela cursava o 5º ano do Ensino Fundamental. “Tive que parar. Pretendo voltar no ano que vem. Mas não tenho ideia de qual profissão vou seguir. Depois que o Lorran nasceu eu estou mais com ele, em casa”, conta a adolescente. Lizandra Rodrigues Lima, 15 anos, conseguiu conciliar a maternidade com os estudos. Mesmo com o nascimento do filho Pietro, em setembro, ela concluiu o Ensino Fundamental. Moradora da Tijuca, Lizandra se prepara agora para iniciar o Ensino Médio na Escola Estadual Antonio Prado Júnior. “Às vezes, precisava faltar aulas durante a gravidez. Mas consegui terminar e passar para o 1º ano do Ensino Médio”, orgulha-se. A adolescente quer fazer Enfermagem, mas, embora já tenha ultrapassado diversos obstáculos, não tem certeza se vai concluir o Ensino Médio. “Chegar até aqui foi um sacrifício. Quero seguir com os estudos, mas não sei se consigo concluir. Meu sonho é ser enfermeira”, diz.A subsecretária de comunicação e projetos da Seeduc, Delânia Cavalcanti, ressalta que, apesar de a maioria dos estudantes ter respondido que não tem certeza se concluirá o Ensino Médio, a maior parte dos alunos considera a educação fundamental. “A pesquisa foi muito importante porque passamos a conhecer o que pensam e o que querem os nossos alunos. Havia a necessidade de traçar esse perfil. Realmente, o percentual dos que não têm certeza se vai terminar os estudos é alto. Mas eles querem concluir”, observa. A doutora em Educação Bertha do Valle, da Uerj, ressalta, no entanto, que muitos alunos só consideram o Ensino Médio válido para quem pretende ingressar no Ensino Superior. “Muitos estudantes não chegam a concluir porque acham que o Ensino Médio só tem valor para quem vai prestar vestibular. Esses alunos muitas vezes precisam entrar no mercado de trabalho e, nesse caso, a capacitação profissional é mais interessante”. A assistente social Denise Auvray, da ONG Abraçar, explica que é importante o aluno seguir com estudos mesmo quando ocorre maternidade ou paternidade precoce. “Uma gravidez precoce traz conflitos, inseguranças, baixa auto-estima. A escola tem papel fundamental na acolhida e orientação desses jovens. Esse grupo social será determinante para a aceitação e decisão de permanência no convívio escolar”.Atenção especial para a sexualidade dos alunosA subsecretária Delânia Cavalcanti explica que, com base nos resultados da pesquisa, estão sendo desenvolvidos projetos que atendem aos alunos do Ensino Médio. A sexualidade mereceu atenção especial. “O assunto ainda é tabu em sala de aula e o percentual de estudantes que têm filhos é considerável. Desenvolvemos dois projetos para atender essa demanda. O ‘Verdade ou Consequência’ promoveu oficinas e debates em 12 escolas; enquanto no ‘Festival Sem Tabu’, os alunos assistiam e produziam curta-metragens de animação sobre sexualidade. Capacitamos 4 mil professores das redes estadual e municipal para tratar do tema com os adolescentes”, enumera.Outro aspecto que tem tratamento especial é a conclusão dos estudos. “Queremos tornar a escola um espaço atraente. Estamos trabalhando as linguagens e os meios que despertam o interesse dos jovens através de sites como o Orkut e o Twitter. Também está sendo implantado o Ensino Médio Integrado, no qual o aluno tem a formação geral e a capacitação profissional”, conta.Poesia para resgatar a autoestima Uma das constatações da pesquisa é que os alunos da rede estadual, sobretudo aqueles que moram em comunidades mais carentes, apresentam problemas de baixa autoestima. Com o objetivo de reverter este quadro, foi concebido o projeto ‘Levanta a Cabeça’, em que atores do grupo Nós do Morro e a poetisa Elisa Lucinda participaram de palestras e oficinas direcionadas a 1.200 alunos. “Trouxemos personalidades que estão na grande mídia para bate-papos com os alunos. Muitas estudantes não acreditavam que poderiam vencer”, explica Delânia. Para a poetisa Elisa Lucinda, a experiência foi única. “Adorei participar e achei a iniciativa fantástica. Trabalhamos a palavra na construção da cidadania. Meu objetivo era desmistificar a poesia. Dizia para os alunos que, dominando a língua, eles poderiam contar a própria história. A palavra é instrumento, com a palavra eles podem se proteger; quem tem repertório não tem medo. A reação dos alunos foi ótima”.


Fonte: Jornal O DIA. 19/01/2010.